Este julgado integra o
Informativo STF nº 1168
Tese Jurídica
“A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.”
Comentário Damásio
Resumo
O STF fixou posição mais abrangente sobre a competência dos tribunais para julgar os crimes funcionais praticados por autoridades com prerrogativa de foro (“foro privilegiado”), no sentido de mantê-la mesmo após o término do exercício das respectivas funções. Aprimorou-se a orientação vigente com o intuito de assegurar a imparcialidade, a independência do julgamento e inibir os deslocamentos que resultam em lentidão, ineficiência e até mesmo prescrição das ações penais.
Conteúdo Completo
“A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.” O STF fixou posição mais abrangente sobre a competência dos tribunais para julgar os crimes funcionais praticados por autoridades com prerrogativa de foro (“foro privilegiado”), no sentido de mantê-la mesmo após o término do exercício das respectivas funções. Aprimorou-se a orientação vigente com o intuito de assegurar a imparcialidade, a independência do julgamento e inibir os deslocamentos que resultam em lentidão, ineficiência e até mesmo prescrição das ações penais. O ordenamento jurídico prevê o foro especial por prerrogativa de função (CF/1988, art. 102, I, “b”) para proteger o exercício de cargos ou funções estatais de alta relevância constitucional contra ameaças do próprio acusado, manter a estabilidade das instituições democráticas, preservar o funcionamento do Estado e assegurar um julgamento menos suscetível a influências externas (1). Essa prerrogativa assegura que determinadas autoridades sejam julgadas por órgãos colegiados de maior hierarquia do Poder Judiciário. Portanto, o foro especial não constitui um privilégio pessoal, mas uma garantia para o adequado exercício das funções públicas. No que concerne à problemática do momento de encerramento do direito ao foro privilegiado, a jurisprudência desta Corte oscilou ao definir a sua extensão, ora pela natureza do delito (regra da contemporaneidade e da pertinência temática), ora pelo exercício atual de funções públicas (regra da atualidade), o que gerou uma indefinição quanto à abrangência do instituto. Com o cancelamento da Súmula 394/STF (2) — no julgamento da Questão de Ordem no Inquérito nº 687/SP (3) —, esta Corte realizou uma redução teleológica do foro privilegiado ao limitar sua aplicabilidade, de modo que o foro especial não se manteria após a perda do mandato, mesmo na hipótese de crimes cometidos durante o exercício das funções. Posteriormente, na Questão de Ordem na Ação Penal nº 937/RJ (4), o Tribunal entendeu que o referido foro se aplicaria apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Assim, com exceção das ações cuja fase da instrução processual esteja concluída — hipótese de manutenção da competência, inclusive nos casos de infrações penais não relacionadas ao cargo ou à função exercida — a cessação do exercício das funções ensejaria o declínio da competência para o Juízo de primeiro grau. Nesse contexto, nas hipóteses de crimes funcionais, a imposição da remessa dos autos para a primeira instância com o término do exercício funcional subverte a finalidade do foro por prerrogativa de função. Isso ocorre porque, além de ser contraproducente ao causar flutuações de competência (“sobe e desce”) no decorrer das causas criminais e trazer instabilidade ao sistema de Justiça, permite a alteração da competência absoluta ratione personae ou ratione funcionae por ato voluntário do agente público acusado, ao renunciar ao mandato ou à função antes do final da instrução processual. Na espécie, esta Corte firmou a perpetuação da competência para o julgamento de crimes funcionais com base em uma interpretação mais ampla do foro especial, centrada na natureza do crime praticado pelo agente, em vez de critérios temporais relacionados à permanência no cargo ou ao exercício atual do mandato, que podem ser manipulados pelo acusado. Ademais, a saída do cargo somente afasta o foro privativo na hipótese de crimes perpetrados antes da investidura no cargo ou que não possuam relação com o seu exercício. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus para (i) assentar a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a ação penal nº 1033998-13.2020.4.01.3900; e (ii) fixar a tese anteriormente mencionada, com o entendimento de que essa nova linha interpretativa deve aplicar-se imediatamente aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior, conforme precedentes firmados no QO no INQ 687 e na QO na AP 937. (1) CF/1988: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República”. (2) Súmula 394/STF: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício. (Cancelada)”. (3) Precedente citado: QO no INQ 687. (4) Precedente citado: QO na AP 937.
Legislação Aplicável
CF/1988: art. 102, I, b. Súmula 394/STF.
Informações Gerais
Número do Processo
232627
Tribunal
STF
Data de Julgamento
11/03/2025