Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República

STF
630
Direito Internacional
Direito Penal
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 630

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

[...]
Estabelecida a não-admissibilidade da reclamação [Rcl 11243/República Italiana], o Plenário deliberou sobre a manutenção da custódia do extraditando, haja vista a existência de pedido de relaxamento de prisão decretada por este Tribunal. Em votação majoritária, acolheu-se o pleito do requerente e determinou-se a expedição de alvará de soltura, se por al não estiver segregado. O Min. Luiz Fux, com base nos princípios constitucionais da soberania e da independência nacional, reiterou que o ato do Presidente da República não seria sindicável. Aduziu que o Supremo estabelecera que essa autoridade poderia lavrar um ato de soberania, cujas razões não seriam passíveis de crivo, a exemplo de outros atos que escapariam ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário: os atos legislativos interna corporis, os indultos, as graças e as anistias concedidas depois do trânsito em julgado. Afiançou que o STF concedera ao Presidente o poder de entregar, ou não, o extraditando, segundo as suas próprias razões. Nesse contexto, arrematou que essa autoridade, nos termos do tratado bilateral, motivara sua recusa. A Min. Cármen Lúcia acrescentou que o dispositivo justificador da recusa em entregar o extraditando apresentaria conceitos indeterminados ("Artigo III Casos de Recusa da Extradição 1. A Extradição não será concedida: ... f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados") e, se se entendesse que o Presidente não poderia ponderar sobre as razões, o Tribunal estaria se substituindo àquele. Assim, seria o caso de soltura do "ex-extraditando".

Nessa mesma linha, manifestou-se o Min. Ricardo Lewandowski, para quem o ato do Presidente permaneceria hígido e expressaria a vontade soberana do Estado brasileiro. O Min. Joaquim Barbosa aludiu, também, que, se o Presidente justificara a não-entrega do nacional italiano, o procedimento de extradição estaria findo e não haveria outra alternativa senão ordenar a imediata liberação do extraditando. O Min. Ayres Britto, por seu turno, mencionou que o papel do STF nesse procedimento seria fazer prevalecer os direitos humanos e constatar se as formalidades legais teriam sido observadas. Com isso, encerrar-se-ia sua jurisdição. Além disso, o Poder Executivo daria a última palavra nessa seara, cujo trâmite seria binariamente político e jurídico. Consignou que o Supremo resolveria o dilema jurídico: hipótese de extraditabilidade, ou não; e o Presidente, o político: extraditar, ou não. Distinguiu, ainda, a redação do tratado bilateral em comento com a da Lei de Refúgio. Verificou que a primeira norma adotaria critérios subjetivos ao se referir a "razões ponderáveis", ao passo que a última prestigiaria critérios objetivos ao se reportar a "fundados temores". Registrou que o tratado seria um ato de soberania e que seu controle seria do Congresso Nacional, no plano interno; e da parte pactuante e da comunidade internacional, no externo. Ademais, salientou que o Presidente, ao subscrever tratados, agiria como Chefe de Estado. O Min. Marco Aurélio observou que a matéria de fundo estaria vencida e também votou pela expedição imediata do alvará de soltura.

Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Cezar Peluso. O relator destacou que um ponto fundamental a ser considerado no processo de extradição diria respeito à natureza jurídica da intervenção do Presidente da República após a concessão, pelo STF, da extradição (terceira fase do processo extradicional). Entretanto, asseverou que, para o deslinde da questão, seria preciso o exame das características determinantes das 3 fases do processo extradicional. No tocante à primeira delas, eminentemente político-administrativa, enfatizou que a natureza discricionária do poder governamental de decidir sobre extradição estaria diretamente vinculada à estrutura da relação obrigacional entre os Estados requerente e requerido. Nesta fase, caberia ao Poder Executivo decidir, em termos de política internacional e, ante suas obrigações — convencionais ou de reciprocidade — sobre o prosseguimento do pleito de extradição. Assinalou que, por outro lado, a fase seguinte seria predominantemente jurisdicional e processada perante o Supremo. No ponto, salientou que esta Corte não adentraria o mérito da condenação penal infligida ao extraditando, não revolveria provas que ensejaram a condenação e tampouco reapreciaria aspectos procedimentais que pudessem implicar a nulidade do processo penal no âmbito do Estado estrangeiro requerente. Assim, a este Tribunal competiria somente o controle da legalidade do processo em tela e, com o julgamento, estaria encerrada a fase jurisdicional. Ficaria a cargo do Poder Executivo a mera responsabilidade pela entrega do extraditando ao Governo requerente, nos termos do art. 86 da Lei 6.815/80 ("Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional"). Registrou que esses controles de constitucionalidade e de legalidade também deveriam ser traduzidos como garantia de respeito incondicional à ordem constitucional e como proteção jurisdicional dos direitos fundamentais do extraditando.

Indagou se a função do STF estaria concluída com a publicação e com o trânsito em julgado da decisão extradicional. Desse modo, perquiriu sobre a função do Supremo na terceira fase do processo de extradição. Considerou que a competência deste órgão jurisdicional não estaria finda, porquanto, até a definitiva entrega do extraditando ao Estado requerente, ele permaneceria preso sob a custódia desta Corte e, em conseqüência, apenas ela poderia determinar a sua soltura. Nesse sentido, mencionou que os autos do processo seriam arquivados apenas formalmente, iniciando-se a fase de execução da extradição, cujos incidentes seriam submetidos à análise do Tribunal. Tendo isso em conta, ponderou que não se poderia confundir o trânsito em julgado da decisão que defere o pedido de extradição com o "esgotamento" da competência jurisdicional do Supremo. A função de resguardo da incolumidade do ordenamento constitucional e dos direitos fundamentais do extraditando estaria, pois, mantida, de modo que a jurisdição do STF sobre ele terminaria com a sua definitiva entrega. Assim sendo, constatou que o papel do Poder Executivo nessa terceira fase deveria ser discutido. Consignou, todavia, que considerações doutrinárias sequer sustentariam a eventualidade do não cumprimento, pelo Presidente da República, da decisão do STF. Registrou, além disso, que o que se poderia denominar de discricionariedade seria a possibilidade de o Executivo apreciar a conveniência quanto ao adiamento da entrega do extraditando pelo fato de ele já estar sendo processado ou estar cumprindo pena por outro crime no Brasil, mas isso delimitado aos preceitos normativos contidos na lei interna do Estado requerido, em tratado internacional e no próprio acórdão concessivo da extradição. Reforçou inexistirem defensores de uma livre apreciação ou de um livre arbítrio do Poder Executivo no tocante à obrigação — de cunho internacional — de dar seguimento à efetiva entrega do extraditando.

Esclareceu que a atuação do Presidente na terceira fase da extradição seria vinculada aos parâmetros estabelecidos na decisão do STF que a autoriza, de maneira que, ante a existência de tratado bilateral de extradição, caberia ao Poder Executivo cumprir com as obrigações pactuadas no plano internacional e efetivar a extradição, se assim determinar o acórdão desta Corte. Asseverou que a autoridade máxima da Administração Pública, ainda que no exercício da representação política da República Federativa do Brasil, subordinar-se-ia ao ordenamento jurídico interno que, por sua vez, deveria ser interpretado de acordo com o estabelecido pelo STF como guardião da ordem jurídica constitucional. Consignou que a Corte, embora tivesse reconhecido certo grau de discricionariedade ao Presidente quanto à execução da decisão que deferira a extradição em foco, deixara claro que essa discricionariedade estaria delimitada pelos termos do acordo celebrado entre o Brasil e a República da Itália. Por conseguinte, a inexistência de vinculação absoluta do Chefe do Executivo à decisão do STF não implicaria discricionariedade ilimitada para a execução, ou não, do pedido de extradição, já que deveria observar as balizas do direito convencional. Assim, ao ressaltar o significado do tratado bilateral de extradição na ordem jurídica interna, consignou que, diferentemente do pleito formulado em promessa de reciprocidade, no pedido de extradição apoiado em acordo internacional, seria incabível a recusa arbitrária pelo Estado brasileiro. Ademais, realçou que as relações entre os países em questão seriam marcadas pela cooperação no plano extradicional. Tendo isso em vista, julgou que a letra f do número 1 do art. III do referido tratado deveria ser analisada. A respeito, constatou que a presença de "razões ponderáveis", ainda que sugerisse uma margem de apreciação política por parte do intérprete, deveria ser contextualizada, levando em consideração todas as circunstâncias fáticas e jurídicas da situação. Não se trataria, pois, de mera avaliação subjetiva, mas sim de interpretação realizada a partir de elementos concretamente aferíveis. Logo, negar uma extradição com fundamento em manifestações populares de sociedade notoriamente singularizada pela democracia não teria cabimento, porque presumível que um Estado internacionalmente comprometido com os direitos fundamentais seria capaz de garantir a proteção do extraditando.


O relator, ao apreciar as justificativas da decisão presidencial que recusara a extradição, reputou que seriam, em essência, as mesmas utilizadas pelo Ministro da Justiça, por ocasião da concessão de refúgio ao extraditando. Contudo, relembrou que este instituto fora afastado pelo STF que, por entender que os crimes praticados pelo extraditando seriam comuns, e não políticos, deferira o pleito de extradição. Dessa forma, inviável a reiteração dos argumentos do ato concessivo de refúgio para, agora, recusar a extradição. Destacou que em jogo a observância, pelo Estado brasileiro, de tratado internacional, cuja incorporação à ordem jurídica interna o convolaria em parâmetro normativo aferível também internamente. Impor-se-ia, portanto, ao Brasil — consideradas as balizas objetivamente estabelecidas no acórdão que deferira a extradição, e em virtude da imperiosa necessidade de se cumprir os termos do tratado celebrado — realizar a entrega do extraditando. Tendo isso em conta, desconstituía o ato reclamado e determinava a imediata entrega do extraditando ao país requerente. Por derradeiro, assentava o prejuízo do exame da ADI 4538/DF — proposta contra o parecer da AGU, que servira de fundamento para a decisão presidencial de negativa de entrega do extraditando — ante a ausência de generalidade e abstratividade do pronunciamento adversado e da ACO 1722/DF — que impugna o ato do Presidente que denegara a extradição —, já que os temas suscitados na ação popular que lhe dera origem estariam postos no bojo da própria extradição.

A Min. Ellen Gracie, ao iniciar seu voto, frisava que a garantia do bom exercício do poder seria sua limitação e sua submissão a controles e a restrições. Entendia que o ato do Presidente estaria sujeito a controle jurisdicional como qualquer outro ato administrativo. Destacava, ainda, que o tratado de extradição seria uma manifestação clara de uma política de cooperação internacional em matéria criminal e que não vislumbrava, no parecer oferecido pela AGU, indício de que o extraditando pudesse ser submetido a condições desumanas. Enfatizava ser necessária a presença de "razão ponderável" para a não-concessão do pleito extradicional e que, na espécie, inexistiria o ingresso de nova evidência ao que já analisado pelo STF. Asseverava que o Brasil exerceria sua soberania quando firmasse tratado e não quando o descumprisse, de modo que o ato do Presidente não poderia ser mantido, uma vez que contrariaria um dos princípios basilares que regeriam as relações internacionais do Brasil: repúdio ao terrorismo (CF, art. 4º, VIII). Em idêntico sentido se pronunciara o Min. Cezar Peluso. Aduzia que o Presidente submeteria o pedido extradicional ao STF para legitimar o ato de entrega e que o tratado seria vinculante para o Presidente, não havendo aí liberdade política, já que o tratado, ao ser incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, transformar-se-ia em norma jurídica de direito interno. Assim, se surgir dúvida a respeito da compatibilidade entre o ato perpetrado pelo Presidente e a norma, cabível ao Supremo, na hipótese, dizer se aquele cumprira, ou não, a norma jurídica. Também não teria encontrado provas de perseguição ou de agravamento da situação do extraditando e, por isso, assinalava que o ato presidencial decorrera de subjetivismo, em manifestação de arbítrio, visto que não seria permissível controlar a sua veracidade, a sua verossimilhança. Concluía, então, que o Presidente descumprira a lei e a decisão do STF.

Legislação Aplicável

CF/1988: art. 4º, VIII.
Lei 6.815/1980: art. 86.
Tratado bilateral de Extradição entre o Brasil e a Itália: art. III, número 1, letra f.

Informações Gerais

Número do Processo

1085

Tribunal

STF

Data de Julgamento

08/06/2011

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