Cláusulas e encargos acessórios abusivos em contratos bancários com consumidores e efeitos na mora
1ª tese: É abusiva a cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Resolução CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva. A controvérsia delimita-se aos contratos bancários firmados no âmbito de uma relação de consumo, com instituições financeiras ou equiparadas, celebrados a partir de 30/04/2008, no que se refere à "cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil", à luz das normas do Conselho Monetário Nacional, expedidas com base no art. 4º da Lei n. 4.595/1964, e o do Código de Defesa do Consumidor - CDC. No que se refere à despesa pré-gravame, cabe observar que não se trata propriamente de uma tarifa, que remunera serviço prestado pela instituição financeira e é taxativamente prevista em resolução da CMN, mas sim de uma despesa com serviço prestado por terceiro, e cobrado do consumidor a título de ressarcimento de despesa. Ademais, não se trata de um requisito de eficácia da garantia perante terceiros, como ocorre com o registro do contrato no órgão de trânsito ou no cartório de títulos e documentos. Na verdade, o pré-gravame é um registro adicional de caráter privado, alimentado pelas instituições financeiras, com o objetivo de conferir maior segurança e agilidade às contratações. Ele decorre de obrigação imposta especificamente às instituições financeiras, de forma que essa despesa remunera, efetivamente, uma operação ínsita à atividade bancária, devendo, portanto, ser suportada pela própria instituição financeira. Entretanto, a controvérsia acerca do alcance da norma autorizativa do art. 1º, § 1º, inciso III, da Resolução CMN 3.518/2007, foi enfrentada recentemente por esta Corte Superior, sob a ótica da despesa com a comissão do correspondente bancário, tendo-se entendido, que seria válido o ressarcimento dessa despesa perante o consumidor para os contratos celebrados até 25/02/2011, data de entrada em vigor da Resolução CMN 3.954/2011, marco temporal que deve permanecer na hipótese para manter coerência com esse precedente. 2ª tese: Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. O seguro de proteção financeira é uma ampliação do conhecido seguro prestamista, o qual oferece cobertura para os eventos morte e invalidez do segurado, garantindo a quitação do contrato em caso de sinistro, fato que interessa tanto ao segurado (ou a seus dependentes) quanto à instituição financeira. Nessa espécie de seguro, oferece-se uma cobertura adicional, referente ao evento despedida involuntária do segurado que possui vínculo empregatício, ou perda de renda para o segurado autônomo. A inclusão desse seguro nos contratos bancários não é vedada pela regulação bancária, até porque não se trata de um serviço financeiro, conforme já manifestou o Banco Central do Brasil. Apesar dessa liberdade de contratar, uma vez optando o consumidor pelo seguro, a cláusula contratual já condiciona a contratação da seguradora integrante do mesmo grupo econômico da instituição financeira, não havendo ressalva quanto à possibilidade de contratação de outra seguradora, à escolha do consumidor. Observa-se que essa espécie de venda casada já foi enfrentada por esta Corte Superior no âmbito do seguro habitacional vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH e já sinalizava que, em qualquer contrato bancário, configura venda casada a prática das instituições financeiras de impor ao consumidor a contratação de seguro com determinada seguradora. Verifica-se que a única diferença para o caso do seguro de proteção financeira diz respeito à liberdade de contratar, que é plena no caso da presente afetação, ao contrário do SFH, em que a contratação do seguro é determinada por lei. Propõe-se, assim, a consolidação de uma tese semelhante ao enunciado da Súmula 473/STJ, para assim manter coerência com o precedente que deu origem a essa súmula, lembrando-se que a coerência entre precedentes passou a ter eficácia normativa no sistema processual inaugurado pelo CPC/2015 (cf. art. 926). 3ª tese: A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. Inicialmente, cabe anotar que a controvérsia acerca da descaracterização da mora em virtude da abusividade de encargos contratuais encontra-se consolidada nesta Corte Superior pelo rito dos recursos repetitivos, conforme teses firmadas nos temas 28 e 29/STJ. Porém, como não houve uma manifestação expressa desta Corte Superior acerca da distinção entre encargos essenciais e encargos acessórios, essa questão suscita dúvidas. O entendimento não poderia ser outro senão aquele já sinalizado no precedente que deu origem ao Tema 28/STJ, ao se enfatizar que os encargos aptos a descaracterizar a mora seriam "notadamente" juros remuneratórios e capitalização, encargos essenciais dos contratos de mútuo bancário. Deveras, a abusividade em algum encargo acessório do contrato não contamina a parte principal da contratação, que deve ser conservada, procedendo-se à redução do negócio jurídico, conforme preconiza o Código de Defesa do Consumidor. Na esteira desse entendimento, consolida-se a tese de que a abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.
Ação rescisória contra sentença substituída por acórdão é irregularidade formal não impossibilidade jurídica
Cinge-se a controvérsia a analisar as consequências do vício formal da inicial da rescisória consistente em pedir a rescisão da sentença em vez do acórdão que a substituiu, na vigência do CPC/1973. No caso dos autos, o Tribunal de origem não conheceu da rescisória por entender juridicamente impossível o pedido de rescisão de sentença que fora mantida em segundo grau de jurisdição, pois, por força do efeito substitutivo, a ação rescisória deveria ter sido dirigida contra o acórdão que a manteve. Esse entendimento está em sintonia com julgados desta Corte Superior proferidos na vigência do CPC/1973. Contudo, dificilmente se sustentaria na vigência do CPC/2015, tendo em vista o princípio da primazia da resolução do mérito, bem como a norma do art. 968, §§ 5º e 6º, que estatui uma hipótese específica de emenda à petição inicial da ação rescisória, destinada justamente ao saneamento do vício relacionado à inobservância do efeito substitutivo dos recursos.
Taxatividade mitigada do art. 1.015 CPC e urgência no agravo de instrumento
Inicialmente, é importante destacar as conflitantes posições doutrinárias e, aparentemente indissolúveis, divergências jurisprudenciais sobre as quais se pretende pacificar o entendimento desta Corte. São elas: a) o rol do art. 1.015 do CPC é absolutamente taxativo e deve ser interpretado restritivamente; b) o rol do art. 1.015 do CPC é taxativo, mas admite interpretações extensivas ou analógicas; e c) o rol do art. 1.015 é exemplificativo, admitindo-se o recurso fora das hipóteses de cabimento previstas no dispositivo. Nesse sentido, registre-se que o legislador, ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". Contudo, a enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. Da mesma forma, a tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se ineficaz para conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. Por sua vez, a tese de que o rol seria meramente exemplificativo, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/1973 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. Assim, a tese que se propõe consiste em, a partir de um requisito objetivo – a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação –, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do art. 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência. Trata-se de reconhecer que o rol do art. 1.015 do CPC possui uma singular espécie de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, sem a qual haveria desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo.
Estabilização da tutela antecipada antecedente condicionada à ausência de impugnação da parte contrária
Inicialmente cumpre salientar que uma das grandes novidades trazidas pelo novo diploma processual civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, disciplinada no referido art. 303. Nos termos do art. 304 do CPC/2015, não havendo recurso do deferimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução do mérito. O referido instituto, que foi inspirado no référé do Direito francês, serve para abarcar aquelas situações em que as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença). Em outras palavras, o autor fica satisfeito com a simples antecipação dos efeitos da tutela satisfativa e o réu não possui interesse em prosseguir no processo e discutir o direito alegado na inicial. A ideia central do instituto, portanto, é que, após a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, nem o autor e nem o réu tenham interesse no prosseguimento do feito, isto é, não queiram uma decisão com cognição exauriente do Poder Judiciário, apta a produzir coisa julgada material. Por essa razão é que, conquanto o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. Sem embargo de posições em sentido contrário, o referido dispositivo legal disse menos do que pretendia dizer, razão pela qual a interpretação extensiva mostra-se mais adequada ao instituto, notadamente em virtude da finalidade buscada com a estabilização da tutela antecipada. Nessa perspectiva, caso a parte não interponha o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que defere a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas, por exemplo, se antecipa e apresenta contestação refutando os argumentos trazidos na inicial e pleiteando a improcedência do pedido, evidentemente não ocorrerá a estabilização da tutela. Ora, não se revela razoável entender que, mesmo o réu tendo oferecido contestação ou algum outro tipo de manifestação pleiteando o prosseguimento do feito, a despeito de não ter recorrido da decisão concessiva da tutela, a estabilização ocorreria de qualquer forma. Com efeito, admitir essa situação estimularia a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, quando bastaria uma simples manifestação do réu afirmando possuir interesse no prosseguimento do feito, resistindo, assim, à pretensão do autor, a despeito de se conformar com a decisão que deferiu os efeitos da tutela antecipada.
Aplicação retroativa da Súmula Vinculante 24 a fatos anteriores à edição
Extrai-se do acórdão embargado, da Sexta Turma, que a irretroatividade da Súmula Vinculante n. 24/STF foi fixada como garantia de mínima previsibilidade e segurança jurídica. Assim, estipulou-se, no caso concreto, como termo inicial para o cômputo do lapso prescricional, a data do fato e não do lançamento definitivo do tributo. Por sua vez, em sentido contrário, no paradigma colacionado da Quinta Turma definiu-se que o enunciado da referida súmula aplica-se aos delitos praticados antes e depois de sua vigência, tendo em vista que não se está diante de norma mais gravosa, mas de consolidação de interpretação judicial. Assim, o delito imputado ao embargado (art. 1º da Lei n. 8.137/1990) somente se consuma, segundo a pacífica jurisprudência, com o lançamento definitivo do crédito tributário, momento em que nasce a justa causa para a ação penal. Desse modo, é inevitável concluir que o curso do prazo da prescrição da pretensão punitiva somente pode ter início com a própria constituição definitiva do crédito, após o encerramento do processo administrativo de lançamento previsto no art. 142 do Código Tributário Nacional, conforme inclusive prevê o art. 111, I, do Código Penal. Convém rememorar por fim, que a Súmula Vinculante n. 24/STF, aprovada na sessão plenária de 02/12/2009 (DJ de 11/12/2009), não trouxe novos contornos para a questão, uma vez que referido enunciado nada mais fez do que consolidar o entendimento jurisprudencial que já era aplicado tanto no âmbito do STF como do col. STJ, razão pela qual não se pode falar em indevida aplicação retroativa do referido texto sumular.