Abusividade de exclusões de cobertura em seguro de acidentes pessoais em contrato de adesão
Salienta-se, de início, que da definição de acidente pessoal, veiculada por meio da Resolução CNSP n. 117/2004, da SUSEP, extrai-se que se trata de "evento com data caracterizada, exclusivo e diretamente externo, súbito, involuntário, violento, e causador de lesão física, que, por si só e independente de toda e qualquer outra causa, tenha como conseqüência direta a morte, ou a invalidez permanente, total ou parcial, do segurado, ou que torne necessário tratamento médico". Assim, sobressai como inequívoca a abusividade da restrição securitária em relação a gravidez, parto ou aborto e suas consequências, bem como as perturbações e intoxicações alimentares de qualquer espécie, pois não se pode atribuir ao aderente a ocorrência voluntária do acidente, isto é, a etiologia do acidente não revela qualquer participação do segurado na causação da lesão física, seja pela ingestão de alimentos, seja pelos eventos afetos à gestação. No entanto, remanesce a discussão relativa à exclusão securitária de todas as intercorrências ou complicações consequentes da realização de exames, tratamentos clínicos ou cirúrgicos, quando não decorrentes de acidente coberto. Neste ponto, percebe-se que a generalidade da cláusula poderia abarcar inúmeras situações que definitivamente não teriam qualquer participação do segurado na sua produção. Inserir cláusula de exclusão de risco em contrato padrão, cuja abstração e generalidade abarquem até mesmo as situações de legítimo interesse do segurado quando da contratação da proposta, representa imposição de desvantagem exagerada ao consumidor, por confiscar-lhe justamente o conteúdo para o qual se dispôs ao pagamento do prêmio.
Admissibilidade do desconto em folha na execução de alimentos com penhora prévia
Inicialmente, salienta-se que a legislação revogada, em sua versão original, consagrava tão somente a expropriação de bens como técnica executiva nas obrigações de pagar quantia certa (art. 646 do CPC/1973), ao passo que, para as obrigações de fazer e de não fazer, estabelecia-se a possibilidade de imposição de uma multa como única forma de evitar a conversão em perdas e danos na hipótese de renitência do devedor em cumprir a obrigação definida em sentença. Contudo, a tipicidade dos meios executivos, nesse contexto, servia essencialmente à demasiada proteção ao devedor. Nesse aspecto, o CPC/2015 evoluiu substancialmente, a começar pelo reconhecimento, com o status de norma fundamental do processo civil (art. 4º), que o direito que possuem as partes de obter a solução integral do mérito compreende, como não poderia deixar de ser, não apenas a declaração do direito (atividade de acertamento da relação jurídica de direito material), mas também a sua efetiva satisfação (atividade de implementação, no mundo dos fatos, daquilo que fora determinado na decisão judicial). Diante desse novo cenário, não é mais correto afirmar que a atividade satisfativa somente poderá ser efetivada de acordo com as específicas regras daquela modalidade executiva, mas, sim, que o legislador conferiu ao magistrado um poder geral de efetivação, que deve, todavia, observar a necessidade de fundamentação adequada e que justifique a técnica adotada a partir de critérios objetivos de ponderação, razoabilidade e proporcionalidade, de modo a conformar, concretamente, os princípios da máxima efetividade da execução e da menor onerosidade do devedor, inclusive no que se refere às impenhorabilidades legais e à subsidiariedade dos meios atípicos em relação aos típicos. Na hipótese, pretende-se o adimplemento de obrigação de natureza alimentar devida pelo genitor há mais de 24 (vinte e quatro) anos, com valor nominal superior a um milhão e trezentos mil reais e que já foi objeto de sucessivas impugnações do devedor, sendo admissível o deferimento do desconto em folha de pagamento do débito, parceladamente e observado o limite de 10% sobre os subsídios líquidos do devedor, observando-se que, se adotada apenas essa modalidade executiva, a dívida somente seria inteiramente quitada em 60 (sessenta) anos, motivo pelo qual se deve admitir a combinação da referida técnica sub-rogatória com a possibilidade de expropriação dos bens penhorados.
Inexistência de responsabilidade tributária do adquirente de boa-fé por emissão indevida de nota fiscal
Cinge-se a controvérsia a verificar a existência de responsabilidade solidária da empresa adquirente pelo pagamento de ICMS não recolhido pela empresa vendedora que realizou a operação mediante indevida emissão de nota fiscal pela sistemática do Simples Nacional, a qual não contém o destaque do imposto. Registra-se, desde logo, que está claro que o ICMS ora exigido pelo fisco é oriundo de operação de compra e venda realizada pelo regime normal de tributação, não se tratando de substituição tributária para frente e que o débito discutido não se refere à parte que seria devida pela recorrente na condição de empresa substituída, mas ao imposto que não foi recolhido pelo vendedor contribuinte em uma das fases da cadeia comercial. Sendo esse o caso, tem-se o vendedor como responsável tributário, na figura de contribuinte (art. 121, parágrafo único, I, do CTN), pelo ICMS incidente sobre a operação mercantil. Nesse contexto, mostra-se absolutamente inaplicável o art. 124, I, do CTN para o propósito de atribuir ao adquirente a responsabilidade solidária e objetiva pelo pagamento de exação que não foi oportunamente recolhida pelo vendedor. Com efeito, a expressão contida nesse dispositivo legal, concernente ao "interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal", refere-se às pessoas que se encontram no mesmo polo do contribuinte em relação à situação jurídica ensejadora da exação, no caso, a venda da mercadoria, sendo certo que esse interesse não se confunde com a vontade oposta manifestada pelo adquirente, que não é a de vender, mas sim de comprar a coisa. Importa salientar, ainda, que a Primeira Seção deste Sodalício, quando do julgamento do REsp 1.148.444-MG, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que "o comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação". A razão de decidir desse precedente obrigatório, mutatis mutandis , pode ser perfeitamente aplicada ao presente caso, pois, se o adquirente de boa-fé tem o direito de creditar o imposto oriundo de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, com maior razão não pode ser responsabilizado pelo tributo que deixou de ser oportunamente recolhido pelo vendedor infrator.
Inexistência de responsabilidade civil da concessionária de rodovia por roubo e sequestro em estabelecimentos próprios
O Supremo Tribunal Federal, em reconhecimento de repercussão geral (RE 591.874), decidiu que "a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal". Contudo, no mesmo julgamento, a Corte constitucional afirma que, como requisito da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado, é necessária a presença inequívoca do nexo de causalidade entre ato e dano. Na hipótese, para a determinação da responsabilidade da concessionária de serviço público, é necessário perquirir sobre a existência de fato de terceiro que seja capaz de excluir tal nexo de causalidade. Especificamente no que concerne à culpa de terceiro - excludente que se discute no presente processo - a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de reconhecer o rompimento do nexo causal quando a conduta praticada pelo terceiro, desde que a causa única do evento danoso, não apresente qualquer relação com a organização do negócio e os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. Diz-se, nessa hipótese, que o fato de terceiro se equipara ao fortuito externo, apto a elidir a responsabilidade do transportador. De outro turno, constatado que, apesar de ter sido causado por terceiro, o dano enquadra-se dentro dos lindes dos riscos inerentes ao transporte, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de não afastar a responsabilidade do transportador, garantido o direito de regresso, na esteira do art. 735 do CC/2002 e da Súmula n. 187/STF. No caso, é impossível afirmar que a ocorrência do dano sofrido pelos usuários guarda conexidade com as atividades desenvolvidas pela recorrente. A segurança que ele deve fornecer aos usuários da rodovia diz respeito ao bom estado de conservação e sinalização da rodovia, não com a presença efetiva de segurança privada ao longo da estrada, mesmo que seja em postos de pedágio ou de atendimento ao usuário.
Cabimento do RESE contra indeferimento de produção antecipada de prova no art. 366 do CPP
A controvérsia consiste na divergência entre o acórdão embargado, da Sexta Turma, que decidiu ser inviável o manejo do recurso em sentido estrito para impugnar decisão judicial que indefere a produção antecipada de provas em ação penal, fundado na permissão constante na parte final do art. 366 do CPP, e o entendimento da Quinta Turma sobre o mesmo tema. Com efeito, dentre as hipóteses elencadas no art. 581 do CPP que autorizam a interposição de recurso em sentido estrito, não se encontra a possibilidade de reforma de decisão que indefere pedido de produção antecipada de provas. Entretanto, baseada no fato de que o art. 3º do Código de Processo Penal admite expressamente tanto a realização de interpretação extensiva quanto de aplicação analógica na seara processual penal, a jurisprudência tem entendido possível a utilização de interpretação extensiva para se admitir o manejo do recurso em sentido estrito contra decisões interlocutórias de 1º grau que, apesar de não constarem literalmente no rol taxativo do art. 581 do CPP, tratam de hipótese concreta que se assemelha àquelas previstas nos incisos do artigo. Exemplos disso se tem no cabimento de recurso em sentido estrito contra a decisão que não recebe o aditamento à denúncia ou à queixa (inciso I do art. 581 do CPP) e na decisão que delibera sobre o sursis processual (inciso XI do art. 581 do CPP). Assim, como cabível o manejo de recurso em sentido estrito contra decisão que ordenar a suspensão do processo, as providências de natureza cautelar advindas de tal decisão devem, como ela, ser impugnáveis pelo mesmo recurso.