Admissibilidade de factoring por empresas em recuperação judicial sem autorização do juízo recuperacional
Inicialmente, cumpre salientar que a recuperação judicial não implica, em regra, o afastamento do devedor ou dos administradores da condução da atividade empresarial, e, ainda, que, nos termos do art. 66 da Lei n. 11.101/2005, a única restrição imposta ao devedor diz respeito à impossibilidade, sob determinadas condições, de alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente. Quando da entrada em vigor da atual Lei de Falência e Recuperação de Empresas, a rubrica "ativo permanente", segundo dicção da Lei n. 6.404/1976, consistia num grupo de contas do balanço patrimonial das empresas que era composto por três subgrupos: "investimentos", "ativo imobilizado" e "ativo diferido" (art. 178, § 1º, "c", da lei citada). Esse grupo de contas, a partir da edição da Lei n. 11.941/2009, veio a integrar um novo grupo, denominado "ativo não circulante", o qual, por sua vez, passou a ser composto pelos subgrupos "ativo realizável a longo prazo", "investimentos", "imobilizado" e "intangível". Sucede, contudo, que os bens alienados em decorrência de contratos de factoring (direitos de crédito) não integram qualquer dos subgrupos que compunham o "ativo permanente" da empresa, pois não podem ser enquadrados nas categorias "investimentos", "ativo imobilizado" ou "ativo diferido". Assim, sejam os direitos creditórios (a depender de seu vencimento) classificados como "ativo circulante" ou como "ativo realizável a longo prazo", o fato é que, como tais rubricas não podem ser classificadas como "ativo permanente", a restrição à celebração de contratos de factoring por empresa em recuperação judicial não integra o comando normativo do art. 66 da LFRE. Além disso, é importante consignar que os contratos de fomento mercantil, na medida em que propiciam sensível reforço na obtenção de capital de giro (auxiliando como fator de liquidez), podem servir como importante aliado das empresas que buscam superar a situação de crise econômico-financeira pela qual passam.
Dano moral coletivo por violação de normas de atendimento bancário e perda do tempo útil
O dano moral coletivo é espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psico-física da coletividade, bem de natureza estritamente transindividual e que, portanto, não se identifica com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), amparados pelos danos morais individuais. Nesse sentido, o dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que é atribuído aos fornecedores de produtos e serviços pelo art. 4º, II, d, do CDC vislumbrado, em geral, somente sob o prisma individual, da relação privada entre fornecedores e consumidores tem um conteúdo coletivo implícito, uma função social, relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade, entre eles, o tempo. O tempo útil e seu máximo aproveitamento são interesses coletivos, subjacentes aos deveres da qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que são atribuídos aos fornecedores de produtos e serviços e à função social da atividade produtiva. A proteção à perda do tempo útil do consumidor deve ser, portanto, realizada sob a vertente coletiva, a qual, por possuir finalidades precípuas de sanção, inibição e reparação indireta, permite seja aplicada a teoria do desvio produtivo do consumidor e a responsabilidade civil pela perda do tempo. No caso, a violação aos deveres de qualidade do atendimento presencial, exigindo do consumidor tempo muito superior aos limites fixados pela legislação municipal pertinente, infringe valores essenciais da sociedade e possui os atributos da gravidade e intolerabilidade, não configurando mera infringência à lei ou ao contrato.
Dispensa do preparo recursal para a Defensoria Pública como curadora especial
A Corte Especial, em apreciação aos embargos de divergência, pacificou o entendimento que encontrava dissonância no âmbito do Tribunal com relação à isenção do recolhimento do preparo recursal nos casos em que a Defensoria Pública, no exercício de suas funções institucionais, atua como curadora especial. O acórdão embargado entendeu que "não é possível a concessão de assistência judiciária gratuita ao réu citado por edital que, quedando-se revel, passou a ser defendido por Defensor Público na qualidade de curador especial, pois inexiste nos autos a comprovação da hipossuficiência da parte". Ao revés, o aresto paradigma perfilhou o entendimento de que "quando há a atuação da Defensoria Pública, há a presunção de hipossuficiência". Deve-se observar que se o réu é revel e está sendo assistido pela Defensoria Pública, a exigência do pagamento das custas processuais implica, na prática, a impossibilidade de interposição do recurso, uma vez que não se pode esperar tampouco exigir que o curador especial efetue o pagamento do preparo por sua conta. Aliás, não é essa a sua função. A Defensoria Pública tão somente tem o munus público de exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei. Desse modo, tendo em vista os princípios do contraditório e da ampla defesa, o recurso interposto pela Defensoria Pública, na qualidade de curadora especial, está dispensado do pagamento de preparo.
Estatuto do Idoso gratuidade no transporte abrange pedágios e tarifas de terminais
A controvérsia cinge-se a saber se o direito do idoso a duas vagas gratuitas, no transporte interestadual, compreende, além do valor das passagens, as tarifas de pedágio e de utilização dos terminais rodoviários. Vale dizer, se a gratuidade abrange tais valores, o disposto no Decreto n. 5.943/2006 e na Resolução n. 1.692 da ANTT estão eivados de nulidade, por extrapolar o poder regulamentar. A gratuidade do transporte ao idoso, vale lembrar, não foi estabelecida somente pela Lei n. 10.741/2003. Encontra, antes disso, suporte constitucional (art. 230, § 2º). Nota-se, nesse particular, que o constituinte teve especial atenção ao transporte dos idosos, revelando-se tratar, além de um direito, de uma verdadeira garantia, pois tem por escopo, além de facilitar o dever de amparo ao idoso, assegurar sua participação na comunidade, seu bem-estar e sua dignidade, conforme o disposto nos arts. 229 e 230 da Constituição Federal. Além disso, tal gratuidade foi também prevista no art. 40, I, da Lei n. 10.741/2003, inserida no Capítulo X, atinente ao transporte, e que se encontra fincada no título referente aos direitos fundamentais, devendo ser objeto de interpretação teleológica e sistemática. Verifica-se, ademais, que a referida legislação de regência assegura a reserva de 2 vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos, não estabelecendo qualquer condicionante além do critério de renda a ser observado. Nesse sentido, a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos, não se limita ao valor das passagens, abrangendo eventuais custos relacionados diretamente com o transporte, onde se incluem as tarifas de pedágio e de utilização dos terminais. Vale dizer, deve-se garantir ao idoso com reduzido poder aquisitivo, a dispensa do pagamento de valor que importe em obstáculo ao transporte interestadual, de forma a conferir a completa efetividade à norma. Note-se, ainda, em relação ao pedágio, que o custo para a operacionalização das empresas de transportes é estável. Independemente de o veículo transportar 5 ou 30 passageiros, um ou dois idosos com a garantia da gratuidade, o valor devido ao pedágio será o mesmo. Sendo assim, a questão atinente ao equilíbrio econômico-financeiro deverá ser resolvida pelas transportadoras com o poder concedente, com a observância do disposto na legislação específica.
Inaplicabilidade do art. 166 do CTN na repetição de ICMS em transferência de mercadorias interestadual
O art. 166 do CTN tem por escopo impedir que o contribuinte pleiteie a devolução de indébito de tributo indireto que, na realidade, foi suportado financeiramente por terceiro, vedação que somente é excepcionada se o terceiro expressamente autorizar o contribuinte a receber tais valores. Essa regra dá cumprimento ao princípio que proíbe o enriquecimento sem causa, exigindo do contribuinte, como condição à repetição de indébito, que ele busque a autorização de quem financeiramente sofreu a exação, permitindo que esse terceiro, tomando ciência da situação, também possa haver agora do contribuinte os valores que vier a receber com o sucesso da demanda. Com efeito, o ICMS exigido na específica operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa somente pode ser por esta suportado, visto que, nesse estágio da cadeia comercial, ela continua ostentando a titularidade física e jurídica da mercadoria, não havendo, ainda, a figura de terceira pessoa a quem possa ser transferido o encargo financeiro. Essa possibilidade somente ocorrerá em operação posterior, quando da efetiva venda da mercadoria pelo estabelecimento para o qual ela (a mercadoria) tiver sido transferida. Nesse contexto, fica claro que a operação de transferência de mercadoria não se confunde com a de comercialização e, por isso, não é possível concluir que a tributação exigida quando da transferência possa ter sido imediatamente repassada para terceiro, pois tal repasse pressupõe a ocorrência futura e, portanto, incerta da operação de compra e venda.