Suspensão das ações individuais até trânsito em julgado de ações civis públicas conexas
A questão controvertida consiste em definir a necessidade ou não de suspensão das ações individuais em que se pleiteia indenização por dano moral em razão de suposta exposição à contaminação ambiental decorrente da exploração de jazida de chumbo no Município de Adrianópolis-PR até o julgamento das Ações Civis Públicas em trâmite na Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual de Curitiba. Registre-se, de início, que "não é possível haver litispendência entre ações coletivas e ações individuais, por não ser viável uma perfeita identidade entre seus três elementos". Contudo, previu o Código de Defesa do Consumidor - CDC, em seu art. 94, de forma excepcional, a possibilidade de integração do lesado ao feito na qualidade de litisconsorte, verificando-se assim, a possibilidade de intervenção dos interessados, a título de litisconsortes do autor legitimado (na ação coletiva), e que serão alcançados, por conseguinte, por essa atuação. Apesar disso, o referido litisconsórcio deverá ser examinado com temperamento, uma vez que existem peculiaridades processuais que deverão ser adequadas à respectiva tutela coletiva, pois, apesar de assumir a condição de litisconsorte (facultativo e unitário - em que a decisão deverá ser uniforme com relação a todos), "não poderá apresentar novas demandas, ampliando o objeto litigioso da ação coletiva à consideração de seus direitos pessoais, o que contrariaria todo o espírito de 'molecularização' da causa". É que o art. 103, § 1º, do CDC ressalva que os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, da categoria ou da classe; e o § 3º do mesmo dispositivo esclarece que os efeitos da coisa julgada, de que cuida o art. 16, c/c o art. 13 da Lei n. 7.347/1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista nesse Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. No recurso repetitivo REsp n. 1.110.549/RS, relator Ministro Sidnei Beneti, restou consolidado o entendimento de que, ajuizada ação coletiva atinente à macrolide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. No mesmo diapasão, a Primeira Seção, por ocasião também de julgamento de recurso repetitivo, REsp n. 1.353.801/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, invocando o repetitivo da Segunda Seção, sufragou o entendimento de que, ajuizada ação coletiva atinente à macrolide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva, ponderando que a coletivização da demanda, seja no polo ativo, seja no polo passivo, é um dos meios mais eficazes para a realização do acesso à justiça, porquanto, além de reduzir os custos, consubstancia-se em instrumento para a concentração de litigantes em um polo, evitando-se, assim, os problemas decorrentes dos inúmeros procedimentos semelhantes. Assim, o mais prudente é o sobrestamento dos feitos individuais até a solução definitiva do litígio coletivo.
Incapacidade superveniente pós-divórcio não altera competência funcional do juízo prevento
Inicialmente, registre-se que, sob uma interpretação sistemática, havendo partilha posterior ao divórcio, surge um critério de competência funcional do juízo que decretou a dissolução da sociedade conjugal, em razão da acessoriedade entre as duas ações (art. 61 do CPC/2015). Ou seja, entre as duas demandas há uma interligação decorrente da unidade do conflito de interesses, pois a partilha é decorrência lógica do divórcio. Assim, o legislador permitir a partilha posterior, não quer dizer que a ação autônoma de partilha não deva ser julgada pelo mesmo juízo. Nota-se, portanto, que entre as duas demandas (divórcio e partilha posterior) há uma relação de conexão substancial, a qual, inevitalmente, gera a prevenção do juízo que julgou a ação de divórcio. No tocante à incapacidade superveniente, o art. 50 do CPC/2015 dispõe que, nas ações em que o incapaz for réu, o juízo competente é o do local do domicílio do seu representante. Trata-se de regra especial de competência territorial que protege o incapaz, por considerá-lo parte mais frágil na relação jurídica. O conflito, então, se dá entre uma regra de competência funcional (prevenção por acessoriedade) e outra de competência territorial especial (domicílio do incapaz). A competência territorial especial, apesar de ter como efeito o afastamento das normas gerais previstas no diploma processual, possui natureza relativa; enquanto que a competência funcional, decorrente da acessoriedade entre as ações de divórcio e partilha, possui natureza absoluta. Assim, como a competência absoluta não admite, em regra, derrogação, prorrogação ou modificação, a ulterior incapacidade de uma das partes (regra especial de competência relativa) não altera o juízo prevento.
Redirecionamento de execução fiscal a empresa do grupo econômico exige incidente de desconsideração da personalidade
Inicialmente cumpre salientar que em atenção à presunção relativa de legitimidade da Certidão da Dívida Ativa, o STJ pacificou entendimento segundo o qual a execução fiscal pode ser redirecionada ao corresponsável nela indicado, cabendo à parte então executada defender-se por meio dos embargos do devedor. Caso o pedido de redirecionamento da execução fiscal mire pessoas jurídicas não elencadas na Certidão de Dívida Ativa, após a comprovação, pela Fazenda, da caracterização de hipótese legal de responsabilização dos terceiros indicados, o magistrado também pode decidir pela inclusão no polo passivo sem a instauração do incidente de desconsideração, pois a responsabilização de terceiros tratada no CTN não necessita da desconsideração da pessoa jurídica devedora. Ademais, a atribuição de responsabilidade tributária aos sócios gerentes, nos termos do art. 135 do CTN, não depende mesmo do incidente de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária prevista no art. 133 do CPC/2015, pois a responsabilidade dos sócios, de fato, já lhes é atribuída pela própria lei, de forma pessoal e subjetiva ( v.g .: AgInt no REsp 1.646.648/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 28/11/2017), na hipótese de "atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos". Igualmente, a responsabilidade subsidiária do art. 134, VII, do CTN autoriza o redirecionamento da execução fiscal aos sócios na hipótese de não ser possível exigir o crédito tributário da sociedade empresária liquidada ( v.g. : REsp 1.591.419/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 26/10/2016). Daí porque o art. 4º, incisos V e VI, da Lei n. 6.830/1980 explicita a possibilidade de ajuizamento da execução fiscal contra o responsável legal por dívidas, tributárias ou não, das pessoas jurídicas de direito privado e contra os sucessores a qualquer título. Porém, essa conclusão não é adequada quando a pretensão fazendária de redirecionamento mira pessoa jurídica integrante do mesmo grupo econômico a que pertence a sociedade empresária originalmente executada, que não está indicada na Certidão de Dívida Ativa e à qual não é atribuída a responsabilidade, na qualidade de terceiro (arts. 134 e 135 do CTN). Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras. De forma semelhante, o art. 124 do CTN dispõe que "são solidariamente obrigadas as pessoas que: I - tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; e II - as pessoas expressamente designadas por lei". Esse dispositivo não serve à pretensão de redirecionamento, tendo em vista estar relacionado com a impossibilidade de arguição do benefício de ordem na solidariedade dos devedores identificados no ato de constituição do crédito tributário, o qual, vale registrar, não pode ser refeito no decorrer do processo executivo ( v.g. : Súmula n. 392 do STJ: "A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução"). O art. 30, IX, da Lei n. 8.212/1991 ("as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta lei") não permite o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que não tenha participado da situação de ocorrência do fato gerador, ainda que integrante do grupo econômico. A correta leitura desse dispositivo depende de sua conjugação com as regras do CTN, daí porque o fisco deve lançar o tributo com a indicação das pessoas jurídicas que estejam vinculadas ao fato gerador, não lhe sendo permitido, no curso do processo executivo, redirecionar a cobrança para pessoa jurídica estranha ao fato imponível, ainda que integrante do mesmo grupo econômico da devedora original. Em conclusão, o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende mesmo da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nessa hipótese, é obrigatória a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.
Condenações definitivas anteriores não justificam exasperação da pena-base por personalidade voltada ao crime
Inicialmente, cumpre salientar que o legislador estabeleceu, no caput do art. 59 do Código Penal, oito vetores a serem considerados na primeira fase de aplicação da reprimenda, quais sejam: a culpabilidade; os antecedentes; a conduta social; a personalidade do agente; os motivos; as circunstâncias; as consequências do crime e o comportamento da vítima. O objetivo foi prever circunstâncias diversas e com regramentos próprios a serem valoradas pelo julgador - na mesma fase de dosimetria - de acordo com a situação fática posta em análise. Referidos vetores, portanto, não se confundem. A consideração desfavorável da personalidade do agente, nesse sentido, deve ser aferida a partir do seu modo de agir, podendo-se avaliar a insensibilidade acentuada, a maldade, a desonestidade e a perversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na consecução do delito. Sua aferição somente é possível se existirem, nos autos, elementos suficientes e que efetivamente possam levar o julgador a uma conclusão segura sobre a questão. Nesses termos, a Sexta Turma, em recente julgado - cuja ratio decidendi é perfeitamente aplicável no presente caso -, considerou que "a valoração negativa da vetorial conduta social com base em condenações definitivas por fatos anteriores é ilegal, pois estas se prestariam ao sopesamento negativo da circunstância judicial relativa aos antecedentes" (HC 457.039/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2018, DJe 07/11/2018). Vê-se, pois, que não há justificativa para se aplicar o referido entendimento para o vetor da conduta social e desprezá-lo no que tange à personalidade, haja vista que, reitere-se, a razão de decidir é a mesma. No mesmo sentido, a Quinta Turma deste Tribunal Superior consolidou o entendimento de que "condenações transitadas em julgado não constituem fundamento idôneo para análise desfavorável da personalidade ou da conduta social do agente". Ademais, corroborando com a tese ora defendida, o legislador conferiu ao julgador maior discricionaridade - mesmo que ainda vinculada aos parâmetros legais - ao não prever, no art. 59 do Código Penal, um quantum mínimo ou máximo para a exasperação da pena-base. De fato, cabe à prudência do (da) Magistrado (a) fixar, com a devida fundamentação e dentro de parâmetros razoáveis e proporcionais, o patamar que entender mais adequado e justo ao caso concreto. Nessa perspectiva, com o permissivo da lei, é legítimo que o (a) Magistrado (a), na hipótese de haver mais de uma condenação transitada em julgado em desfavor do Réu, eleve a pena, por exemplo, acima do patamar de 1/6 (um sexto), já que a existência de múltiplas sentenças penais definitivas denotam que seus antecedentes lhe são mais desfavoráveis. Respeita-se, concomitantemente, o princípio da legalidade e da individualização da reprimenda.
Interposição imediata de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que afasta prescrição
Inicialmente, não há dúvida de que a decisão que reconhece a existência da prescrição ou da decadência, no CPC/1973 e também no CPC/2015, é um pronunciamento jurisdicional de mérito. O CPC/2015 colocou fim às discussões que existiam no CPC/1973 acerca da existência de conteúdo meritório nas decisões que afastam a alegação de prescrição e de decadência, estabelecendo o art. 487, II, do novo Código, que haverá resolução de mérito quando se decidir sobre a ocorrência da prescrição ou da decadência, o que abrange tanto o reconhecimento, quanto a rejeição da alegação. Diante desse cenário, embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente por ocasião da prolação da sentença, não há vedação alguma para que essas questões sejam antecipadamente examinadas, por intermédio de decisões interlocutórias. Nesse contexto, anote-se que o conteúdo do art. 1.015, caput, do CPC/2015 é suficientemente amplo - "cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre" -, de modo que, tendo sido proferida uma decisão interlocutória que diga respeito à prescrição ou à decadência (art. 487, II), o recurso de agravo de instrumento é cabível com base no inciso II do art. 1.015, pois a prescrição e a decadência são, na forma da lei, questões de mérito.