Ilegalidade de juros de mora sobre multas perdoadas em débitos fiscais na Lei 11.941/2009
Salienta-se preliminarmente que na ótica do Fisco, para o pagamento do débito fiscal, deve ser preservado o valor principal mais as multas, elevando-se o montante dos juros de mora devidos, para só então incidir o benefício da Lei n. 11.941/2009, entendimento esse regulamentado no âmbito administrativo pela Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 6/2009. Ocorre que o art. 1º, § 3º, I, da Lei n. 11.941/2009, expressamente dispõe que o contribuinte optante pelo pagamento à vista do débito fiscal será beneficiado com redução de 100% (cem por cento) do valor das multas moratória e de ofício. Com o objetivo de estimular a quitação da dívida de uma só vez, o legislador optou por elidir, de imediato, o ônus da multa que recairia sobre o contribuinte, antes da composição final do débito. Procedimento inverso, consistente na apuração do montante total da dívida, mediante o somatório do valor principal com o das multas, para, só então, implementar a redução do percentual, redundaria, ao final, em juros de mora indevidamente embutidos, subvertendo-se o propósito desonerador da lei, em especial se considerada a opção pelo pagamento à vista. Em outras palavras, tal entender conduziria à exigência de juros moratórios sobre multas totalmente perdoadas, o que se revela desarrazoado. Desse modo, a interpretação efetuada pela União por meio da Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 6/2009, frustra o objetivo da Lei n. 11.941/2009, que é o de incentivar o pagamento dos débitos tributários à vista ou parceladamente em período mais exíguo (30 meses, ao invés dos 180 meses - art. 3º, § 3º, I e II), desatendendo o interesse público objetivado. A Portaria Conjunta viola a Lei n. 11.941/2009 exatamente porque, perdoadas integralmente as multas de mora e de ofício, os valores a elas correspondentes não podem gerar, em consequência, nenhum reflexo econômico, como exposto no apontado ato normativo, o qual desconsidera a extensão do benefício. Nesse contexto, o cotejo da disposição infralegal com o art. 1º, § 3º, I, da Lei n. 11.941/2009 claramente demonstra a forma de cálculo mais gravosa imposta pelo Fisco, ao arrepio do diploma legal, ao determinar a incidência dos juros de mora, no pagamento à vista do débito, sobre o somatório do valor principal com as multas moratória e de ofício.
Limite etário no crédito consignado não configura discriminação etária contra idosos
Ao considerar os aspectos que particularizam regras quanto à contratação ou renovação de crédito consignado por seus clientes, a instituição financeira consignou que a soma da idade do cliente com o prazo do contrato não pode ser maior que 80 anos. Essas são cautelas em torno da limitação do crédito consignado que visam a evitar o superendividamento dos consumidores. A partir da interpretação sistemática do Estatuto do Idoso, percebe-se que o bem jurídico tutelado é a dignidade da pessoa idosa, de modo a repudiar as condutas embaraçosas que se utilizam de mecanismos de constrangimento exclusivamente calcadas na idade avançada do interlocutor. Diante desse cenário, não se encontra discriminação negativa que coloque em desvantagem exagerada a população idosa que pode se socorrer de outras modalidades de acesso ao crédito bancário. Nesse contexto, os elementos admitidos como fator de discriminação, idade do contratante e prazo do contrato, guardam correspondência lógica abstrata entre o fator colocado na apreciação da questão ( discrímen ) e a desigualdade estabelecida nos diversos tratamentos jurídicos, bem como há harmonia nesta correspondência lógica com os interesses constantes do sistema constitucional e assim positivados (segurança e higidez do sistema financeiro e de suas instituições individualmente consideradas). Vale dizer que a adoção de critério etário para distinguir o tratamento da população em geral é válida quando adequadamente justificada e fundamentada no ordenamento jurídico, sempre atentando-se para a sua razoabilidade diante dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Aliás, o próprio Código Civil se utiliza de critério positivo de discriminação ao instituir, por exemplo, que é obrigatório o regime da separação de bens no casamento da pessoa maior de 70 anos (art. 1.641, II).
Prazo de 48 horas para prestar contas tem início com intimação do trânsito em julgado
O procedimento da ação de prestação de contas tem como característica, em regra, a existência de duas fases. A primeira delas existe para que o julgador decida sobre a existência ou não da obrigação de o réu prestar contas. Se o julgador decidir que não, o processo encerra-se nesta fase. Contudo, se decidir que sim, será aberta uma segunda fase, que servirá para que o réu propriamente preste as contas pleiteadas pelo autor e para que o julgador avalie se aquele o fez corretamente, reconhecendo a existência de saldo credor ou devedor. A partir da circunstância em que o réu é condenado a prestar contas, ele será intimado a fazê-lo, em 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de não poder impugnar as que forem apresentadas pelo autor. O ponto nodal da discussão é justamente definir o termo inicial desse prazo previsto no art. 915, § 2º, do CPC/1973, para o réu promover a prestação de contas - se a data da própria intimação da sentença ou se a data da intimação do trânsito em julgado da mesma. Vale lembrar que o ato que condena o réu a prestar contas - conquanto não ponha fim ao processo - possui a natureza de sentença, impugnável via recurso de apelação, dotada de efeito suspensivo. Dessa forma, dessume-se que, se o próprio ato é passível de recurso cujo prazo previsto legalmente é de 15 (quinze) dias, não há como se admitir que a prestação de contas deva se dar até 48 (quarenta e oito) horas após a publicação da sentença, sendo mais coerente que o termo inicial seja considerado a data da intimação do trânsito em julgado.
Inafastabilidade do dever de garantia do emitente de cheque frente a costumes e boa-fé objetiva
No caso analisado, o tribunal de origem afastou a responsabilidade do emitente de cheques ao fundamento de que "(...) é prática comum na sociedade brasileira o empréstimo de lâminas de cheque a amigos e familiares, como expressão da informalidade e da solidariedade que marcam nosso povo, e que os comportamentos de boa-fé devem ser protegidos e prestigiados pelo Poder Judiciário (...)". No entanto, na ausência de lacuna, não cabe ao julgador se valer de um costume para afastar a aplicação da lei, sob pena de ofensa ao art. 4º da LINDB, conquanto ele possa lhe servir de parâmetro interpretativo quanto ao sentido e alcance do texto normativo. Noutra toada, no que tange à boa-fé, trata-se de princípio fundamental do ordenamento jurídico com conteúdo valorativo e nítida força normativa, o qual não se confunde com os princípios gerais do direito, mencionados no art. 4º da LINDB, que têm caráter informativo e universal, e finalidade meramente integrativa, servindo ao preenchimento de eventual lacuna normativa. Assim, a flexibilização das normas de regência, à luz do princípio da boa-fé objetiva, não tem o condão de excluir o dever de garantia do emitente do cheque, previsto no art. 15 da Lei n. 7.357/1985, sob pena de se comprometer a segurança na tutela do crédito, pilar fundamental das relações jurídicas desse jaez.
Dosimetria da pena condenações definitivas apenas como antecedentes vedada valoração da personalidade e conduta social
Cinge-se a discussão a definir sobre a possibilidade da utilização de múltiplas condenações transitadas em julgado não consideradas para efeito de caracterização da agravante de reincidência (art. 61, I, CP) como fundamento, também, para a exasperação da pena-base, na primeira fase da dosimetria (art. 59, CP), tanto na circunstância judicial "maus antecedentes" quanto na que perquire sua "personalidade". Com efeito, a doutrina, ao esmiuçar os elementos constituintes das circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal, enfatiza que a conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios – referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito –, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social). Nesse sentido, é possível concluir que constitui uma atecnia entender que condenações transitadas em julgado refletem negativamente na personalidade ou na conduta social do agente. Isso sem contar que é dado ao julgador atribuir o peso que achar mais conveniente e justo a cada uma das circunstâncias judiciais, o que lhe permite valorar de forma mais enfática os antecedentes criminais do réu com histórico de múltiplas condenações definitivas. Observe-se, por fim, que essa novel orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça se alinha também à orientação seguida pela Segunda Turma do Pretório Excelso.