Validade da citação de pessoa jurídica estrangeira por intermédio de entreposto brasileiro
As pessoas jurídicas em geral são representadas em juízo "por quem seus atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores" (art. 75, VIII, do CPC/2015). Com o fim de facilitar a comunicação dos atos processuais às pessoas jurídicas estrangeiras no Brasil, o art. 75, X, do CPC/2015 prevê que a pessoa jurídica estrangeira é representada em juízo "pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil" e o parágrafo 3º do mesmo artigo estabelece que o "gerente de filial ou agência presume-se autorizado pela pessoa jurídica estrangeira a receber citação para qualquer processo". Considerando-se que a finalidade destes dispositivos legais é facilitar a citação da pessoa jurídica estrangeira no Brasil, tem-se que as expressões "filial, agência ou sucursal" não devem ser interpretadas de forma restritiva, de modo que o fato de a pessoa jurídica estrangeira atuar no Brasil por meio de empresa que não tenha sido formalmente constituída como sua filial ou agência não impede que por meio dela seja regularmente efetuada sua citação. Exigir que a qualificação daquele por meio do qual a empresa estrangeira será citada seja apenas aquela formalmente atribuída pela citanda inviabilizaria a citação no Brasil daquelas empresas estrangeiras que pretendessem evitar sua citação, o que importaria concordância com prática processualmente desleal do réu e imposição ao autor de óbice injustificado para o exercício do direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa. A forma como de fato a pessoa jurídica estrangeira se apresenta no Brasil é circunstância que deve ser levada em conta para se considerar regular a citação da pessoa jurídica estrangeira por meio de seu entreposto no Brasil, notadamente se a empresa estrangeira atua de fato no Brasil por meio de parceira identificada como representante dela, ainda que não seja formalmente a mesma pessoa jurídica ou pessoa jurídica formalmente criada como filial.
Legitimidade recursal da mãe biológica destituída do poder familiar contra sentença de guarda
Registra-se, inicialmente, que a circunstância de a mãe biológica ter sido destituída, em outra ação, do poder familiar em relação a seu filho, não autoriza concluir pela falta de legitimidade recursal na ação de guarda, sobretudo porque permanece, para a mãe, devido aos laços naturais, o interesse fático e jurídico sobre a criação e destinação da criança, mesmo após destituída do poder familiar. Assim, enquanto não cessado o vínculo de parentesco com o filho, através da adoção, que extingue definitivamente o poder familiar dos pais biológicos, é possível a ação de restituição do poder familiar, a ser proposta pelo legítimo interessado, no caso, os pais destituídos do poder familiar. Dessa forma, a ação de destituição do poder familiar ajuizada contra a genitora não eliminou o seu laço de parentesco natural com a criança. Assim, a despeito de a sentença ter feito cessar, juridicamente, suas prerrogativas parentais, faticamente subsiste seu laço sanguíneo, que confere a ela legitimidade e interesse próprio para, em prol da proteção e melhor interesse da menor, discutir o destino da criança, seus cuidados e criação.
Sujeição do aval à recuperação judicial conforme sua natureza onerosa ou gratuita
O art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005 estipula que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial ficam sujeitos a seus efeitos (ainda que não vencidos), excetuados aqueles listados nos §§ 3º e 4º do mesmo dispositivo, dentre os quais não se inclui os créditos derivados de garantia cambiária (aval). Assim, dada a autonomia dessa espécie de garantia e a permissão legal para inclusão no plano dos créditos ainda não vencidos, não haveria motivos para a exclusão do aval. Há que se ponderar, todavia, acerca da disposição constante no art. 5º, I, da Lei n. 11.101/2005, que afasta expressamente da recuperação judicial a exigibilidade das obrigações a título gratuito. Tratando-se de aval prestado por sociedade empresária, não se pode presumir que a garantia cambiária tenha sido concedida como ato de mera liberalidade, devendo-se apurar as circunstâncias que ensejaram sua concessão. É bastante comum que as relações negociais travadas no âmbito empresarial envolvam a prestação de garantias em contrapartida a algum outro ato praticado (ou a ser praticado) pelo avalizado ou por terceiros interessados. Conforme anota respeitável doutrina, ainda que não exista contraprestação direta pelo aval, há situações em que a garantia foi prestada com o objetivo de auferir algum ganho, mesmo que intangível, como ocorre na hipótese de aval prestado em benefício de sociedades do mesmo grupo econômico ou para viabilizar operações junto a parceiros comerciais, hipóteses nas quais não se pode considerar tal obrigação como a título gratuito.
Intervenção federal em entidade de previdência complementar suspende o cumprimento de sentença
A LC n. 109/2001 disciplina regimes especiais de administração da entidade de previdência complementar, como a intervenção (arts. 44 a 46) e a liquidação extrajudicial (arts. 47 a 53). A referida lei prevê, especificamente, que se aplicam "à intervenção e à liquidação das entidades de previdência complementar, no que couber, os dispositivos da legislação sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial das instituições financeiras, cabendo ao órgão regulador e fiscalizador as funções atribuídas ao Banco Central do Brasil" (art. 62). A Lei n. 6.024/1974, por sua vez, é a que dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras e, com efeito, se aplica de maneira subsidiária nas intervenções de entidades de previdência complementar. O supracitado normativo preceitua que, nas hipóteses de intervenção, haverá a suspensão da exigibilidade das obrigações vencidas, o que redundará, via de consequência, na suspensão do andamento das ações de execução. Destarte, a despeito de a LC n. 109/2001 referir-se expressamente que haverá, nas hipóteses de liquidação extrajudicial, a suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo da entidade liquidanda (art. 49, I), mister reconhecer que tal efeito deve ser estendido, também, às hipóteses de intervenção na entidade.
Impossibilidade de declarar insolvência civil no âmbito da ação de execução
Inicialmente, convém salientar que, nos termos do novo Código de Processo Civil, até que se edite lei específica, as execuções contra devedor insolvente, em curso ou que venham a ser propostas, permanecerão reguladas pelas disposições regentes da matéria constantes do CPC/73 (art. 1.052 do CPC/2015). No Código de Processo Civil de 1939, o concurso universal consubstanciava mero incidente no processo de execução singular, ou seja, ao devedor era conferida a faculdade de requerer a conversão na falta de bens penhoráveis suficientes ao pagamento integral do débito exequendo, estabelecendo, assim, uma ampliação no polo ativo do processo executivo. Entretanto, a partir do CPC/1973, transformou-se a execução coletiva em processo autônomo, de forma que a declaração de insolvência deverá dar-se fora do âmbito da execução singular. Se por um lado, nas demais modalidades de execução o fim colimado é apenas o da satisfação do crédito exequendo, por atos de natureza tipicamente executiva, por outro lado, no procedimento da insolvência, o que se objetiva é a defesa do crédito de todos os credores do insolvente, para o que se faz necessário mesclar atividades de conhecimento e de execução e até de acautelamento. O processo de insolvência é autônomo, de cunho declaratório-constitutivo, e busca um estado jurídico para o devedor, com as consequências de direito processual e material, não podendo ser confundido com o processo de execução, em que a existência de bens é pressuposto de desenvolvimento do processo. Outrossim, resta impossível a conversão do feito executivo em insolvência civil, "dada as peculiaridades de cada procedimento e a natureza concursal do último, implicando, eventualmente, até mesmo diferentes competências de foro" (REsp 1.138.109/MG, 4ª Turma, DJe 26/05/2010).