Tráfico de drogas em igrejas sem incidência da majorante do artigo 40 III
Inicialmente, cumpre salientar que, segundo a jurisprudência desta Corte, para o reconhecimento da majorante prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas, não é necessária a comprovação da efetiva mercancia nos locais elencados na lei, tampouco que a substância entorpecente atinja, diretamente, os trabalhadores, os estudantes, as pessoas hospitalizadas etc., sendo suficiente que a prática ilícita ocorra nas dependências, em locais próximos ou nas imediações de tais localidades. No caso, nas imediações onde ocorreram os fatos, havia duas igrejas, estabelecimentos que, no entanto, não se enquadram em nenhum dos locais previstos pelo legislador no referido inciso. Decerto, a razão de ser dessa causa especial de aumento de pena é a de punir, com maior rigor, aquele que, nas imediações ou nas dependências dos locais especificados no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006, dada a maior aglomeração de pessoas, tem como mais ágil e facilitada a prática do tráfico de drogas (aqui incluídos quaisquer dos núcleos previstos no art. 33 da citada lei), justamente porque, em localidades como tais, é mais fácil para o traficante passar despercebido à fiscalização policial, além de ser maior o grau de vulnerabilidade das pessoas reunidas em determinados lugares. No entanto, segundo a doutrina, "em matéria penal, por força do princípio da reserva legal, não é permitido, por semelhança, tipificar fatos que se localizam fora do raio de incidência da norma, elevando-os à categoria de delitos. No que tange às normas incriminadoras, as lacunas, porventura existentes, devem ser consideradas como expressões da vontade negativa da lei. E, por isso, incabível se torna o processo analógica. Nestas hipóteses, portanto, não se promove a integração da norma ao caso por ela não abrangido". Assim, caso o legislador quisesse punir de forma mais gravosa também o fato de o agente cometer o delito nas dependências ou nas imediações de igreja, o teria feito expressamente, assim como o fez em relação àquele que pratica o crime nas dependências ou nas imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos. Ademais, no Direito Penal incriminador não se admite a analogia in malam partem, não se deve inserir no rol das majorantes o fato de o agente haver cometido o delito nas dependências ou nas imediações de igreja.
Prazo decadencial da ação rescisória exige intimação na ausência de homologação judicial da renúncia
Em regra, a desistência do recurso ou a renúncia ao prazo recursal constituem ato unilateral de vontade do recorrente que independe da aquiescência da parte contrária e produz efeitos imediatos, ensejando o trânsito em julgado, se for o caso, à luz dos arts. 158, caput, 501 e 502 do CPC/1973. Desse modo, a desistência do recurso ou a renúncia ao prazo recursal determinam, em regra, o trânsito em julgado da decisão impugnada, se não houver, vale registrar, recurso pendente de julgamento da outra parte. Contudo, a hipótese revela uma peculiaridade que impede o reconhecimento do trânsito em julgado na data do protocolo da renúncia. Como não há notícia de que houve homologação pelo ministro relator, a recorrente teve ciência do pedido de renúncia ao prazo recursal e ao direito de recorrer quando foi intimada pessoalmente do acórdão proferido nos autos do agravo regimental. Não obstante os efeitos imediatos preconizados na lei processual civil ao pedido de renúncia, não havendo homologação judicial, o princípio do contraditório impede que o trânsito em julgado seja reconhecido antes da ciência da parte ex adversa. Não se pode permitir a abertura do prazo, no caso, decadencial de 2 (dois) anos, de que cuida o art. 495 do CPC/1973, antes que ocorra a indispensável intimação da parte interessada no fato processual que lhe dá origem. Nesse contexto, deve ser contado o prazo decadencial da data da primeira intimação da recorrente, após o pedido de renúncia.
Inscrição em cadastros de inadimplentes de devedores solidários por credor fiduciário independentemente de excussão
O propósito recursal consiste em definir se o credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento do contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado fiduciariamente, antes de proceder à inscrição dos nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito. O debate gira em torno da interpretação do art. 1.364 do CC/2002, segundo o qual "vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor". Contudo, no ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; e b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais o Decreto-Lei n. 911/1969, que trata da propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira. Assim, em se tratando de alienação fiduciária de coisa móvel infungível envolvendo instituição financeira, o regime jurídico aplicável é aquele do Decreto-Lei n. 911/1969, devendo as disposições gerais do Código Civil incidir apenas em caráter supletivo. Essa aplicação supletiva do Código Civil, todavia, não se faz necessária na espécie, haja vista que o DL n. 911/69 contém disposição expressa que faculta ao credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações contratuais pelo devedor, optar por recorrer diretamente à ação de execução, caso não prefira retomar a posse do bem e vendê-lo a terceiros. De todo modo, independentemente da via eleita pelo credor, a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, em razão do incontroverso inadimplemento do contrato, não se reveste de qualquer ilegalidade, tratando-se de exercício regular do direito de crédito. Com efeito, a partir do inadimplemento das obrigações pactuadas pelo devedor, nasce para o credor uma série de prerrogativas, não apenas atreladas à satisfação do seu crédito em particular - do que é exemplo a excussão da garantia ou a cobrança da dívida -, mas também à proteção do crédito em geral no mercado de consumo.
Cumprimento da prisão civil por alimentos em prisão domiciliar durante a pandemia de Covid-19
O contexto atual de gravíssima pandemia devido ao chamado coronavírus desaconselha a manutenção do devedor em ambiente fechado, insalubre e potencialmente perigoso, devendo ser observada a decisão proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, publicada em 30/03/2020, nos autos do Habeas Corpus nº 568.021/CE, no qual se estendeu a todos os presos por dívidas alimentícias no país a liminar deferida no mencionado writ, no sentido de garantir prisão domiciliar, em razão da pandemia de Covid-19. No sentido da relativização do regime prisional previsto no § 4º do art. 528 do CPC/2015, enquanto viger a pandemia do Covid-19, vale mencionar as decisões monocráticas proferidas no RHC 106.403/SP (Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 23/04/2020); no RHC 125.728 (Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 16/04/2020); no HC 561.813/MG (Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 02/04/2020); e no RHC 125.395 (Rel. Ministro Raul Araújo, DJe de 02/04/2020).
Destinação parcial comercial do imóvel não impede usucapião especial urbana da totalidade
Cinge-se a discussão a determinar se a área de imóvel objeto de usucapião extraordinária deve ser usada somente para fins residenciais ou, ao contrário, se é possível usucapir imóvel que apenas em parte é destinado para fins comerciais. A modalidade de usucapião de que trata este julgamento é mais conhecida como especial urbana, constitucional ou ainda pro habitatione, vem regulada na Constituição Federal de 1988, em seu art. 183, §§ 1º ao 3º e pelo Código Civil vigente, em seu art. 1240, §§ 1º e 2º, sendo regulamentada, de forma mais detalhada pelo Estatuto da Cidade. A usucapião especial urbana apresenta como requisitos a posse ininterrupta e pacífica, exercida como dono, o decurso do prazo de cinco anos, a dimensão da área (250 m² para a modalidade individual e área superior a essa, na forma coletiva), a moradia e o fato de não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. No acórdão recorrido, considerou-se impossível declarar a usucapião de área utilizada para a bicicletaria operada pela família do recorrente, afirmando que apenas a porção do imóvel utilizada exclusivamente para sua moradia e de sua família poderia ser adquirida pela usucapião. No entanto, o requisito da exclusividade no uso residencial não está expressamente previsto em nenhum dos dispositivos legais e constitucionais que dispõem sobre a usucapião especial urbana. Assim, o uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana não impede seu reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à obtenção do sustento do usucapiente e de sua família. Há, de fato, a necessidade de que a área pleiteada seja utilizada para a moradia do requerente ou de sua família, mas não se exige que esta área não seja produtiva, especialmente quando é utilizada para o sustento do próprio recorrente.