Cumulação de remuneração laboral e benefício por incapacidade entre indeferimento e implantação judicial no RGPS
Alguns benefícios previdenciários possuem a função substitutiva da renda auferida pelo segurado em decorrência do seu trabalho, como mencionado nos arts. 2º, VI, e 33 da Lei n. 8.213/1991. Em algumas hipóteses, a substitutividade é abrandada, como no caso de ser possível a volta ao trabalho após a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/1991). Em outras, a substitutividade resulta na incompatibilidade entre as duas situações (benefício e atividade remunerada), como ocorre com os benefícios auxílio-doença por incapacidade e aposentadoria por invalidez. É decorrência lógica da natureza dos benefícios por incapacidade, substitutivos da renda, que a volta ao trabalho seja, em regra, causa automática de cessação desses benefícios, como se infere do requisito da incapacidade total previsto nos arts. 42 e 59 da Lei n. 8.213/1991, com ressalva ao auxílio-doença. No caso de aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS) estabelece como requisito a incapacidade "para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência", e, desse modo, a volta a qualquer atividade resulta no automático cancelamento do benefício (art. 46). Já o auxílio-doença estabelece como requisito (art. 59) que o segurado esteja "incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual". Desse modo, a função substitutiva do auxílio-doença é restrita às duas hipóteses, fora das quais e com exceção a elas o segurado poderá trabalhar em atividade não limitada por sua incapacidade. Alinhada a essa compreensão, já implícita desde a redação original da Lei n. 8.213/1991, a Lei n. 13.135/2015 incluiu os §§ 6º e 7º no art. 60 daquela, com as seguintes redações, respectivamente: "O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade; e, na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas". Apresentado esse panorama legal sobre o tema, importa estabelecer o ponto diferencial entre a hipótese fática dos autos e aquela tratada na lei: aqui, na situação fática, o segurado requereu o benefício, que lhe foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto não obteve seu direito na via judicial. A lei trata da situação em que o benefício é concedido, e o segurado volta a trabalhar. O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da incapacidade, por falha administrativa do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo trabalho, o suprimento da sua subsistência. No caso, por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado, ainda que incapacitado, teve de trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Dessarte, a remuneração por esse trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária. O princípio da vedação do enriquecimento sem causa atua contra a autarquia previdenciário por ter privado o segurado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, objeto da cobertura previdenciária, inerente aos mencionados benefícios. Constata-se que, ao trabalhar enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está o segurado atuando de boa-fé, cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.
Competência da Justiça Militar: critério subjetivo do militar e objetivo do bem ou serviço militar
No cumprimento do mister que lhe foi atribuído pela Carta magna, o Decreto-Lei n. 1.001/1969 (Código Penal Militar) define o crime militar e, consequentemente, a competência da Justiça Militar. No seu art. 9º, diz o que é crime militar em tempo de paz. Observe-se que, a partir do inciso II, tem-se uma definição de crime militar que traz consigo um elemento subjetivo, qual seja a condição de militar. Nessa definição, assim dispõe o CPM: "Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; (...)". Conforme se observa, o próprio Código Penal Militar traz um norte de quem é o "militar em situação de atividade". Em interpretação autêntica, ele diz: "Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação dêste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às fôrças armadas, para nelas servir em pôsto, graduação, ou sujeição à disciplina militar." Frise-se que a norma penal militar possui regramento próprio, dispondo no art. 22 do CPM, que militar é qualquer pessoa incorporada. Conceito que não se coaduna com a exigência de o militar encontrar-se "em serviço" para fins de tipificação do crime militar. Ademais, ressalte-se que na própria Lei n. 6.880/80, em seu art. 3º, verifica-se que ao equiparar os termos acima mencionados, "em serviço" e "em atividade", a norma não teve o condão de afastar a condição de militar do agente que pratica o delito durante as férias, licença ou outro motivo de afastamento temporário de suas atividades habituais: "Art. 3° Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares. § 1° Os militares encontram-se em uma das seguintes situações: a) na ativa: (...) b) na inatividade: (...)". Uma vez que a expressão "na atividade" se contrapõe à "na inatividade", reforça-se o que se vem se tentando delinear nesta decisão. Assim, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, inclusive com dispositivos constitucionais, permite concluir no sentido de não haver confusão entre o "militar em atividade", aquele incorporado às forças armadas, e o "militar em serviço", aquele que se encontra no exercício de sua atividade militar em determinado momento específico. Por outro lado, o termo "em serviço" está presente em alguns tipos penais militares. Nestas hipóteses sim é exigido que, no momento da conduta, o agente esteja no exercício efetivo de atividade militar. São exemplos tirados do Código Penal Militar o art. 202 (Embriaguez em serviço) e o art. 203 (Dormir em serviço). Na jurisprudência do STF e também na desta Corte superior, é possível encontrar precedentes que seguem o caminho proposto pela doutrina. Neles, é possível perceber o reconhecimento do crime militar, mesmo diante de conduta praticada por militar que não está, no momento do delito, no exercício de funções castrenses, como folga ou licença. É possível dizer, portanto, que, nestes julgados, faz-se uma distinção entre a expressão "em atividade" (agente incorporado às forças armadas) e o termo "em serviço" (no exercício efetivo de atividade militar). Seguindo rota diametralmente oposta, também é possível encontrar precedentes, tanto do STF quanto deste Superior Tribunal de Justiça considerando a expressão "em situação de atividade" do art. 9º, II, "a", do CPM, e o termo "em serviço" como sinônimos. Em outras palavras, exige-se, para a tipificação do crime militar e, portanto, da competência castrense, além da qualidade de militar da ativa, a prática da conduta durante o exercício efetivo do serviço militar. Por fim, é possível observar ainda o surgimento de uma terceira corrente jurisprudencial, aparentemente intermediária. Entre o reconhecimento do crime militar e, portanto, da competência da Justiça especializada pela simples presença de dois militares da ativa nos polos ativo e passivo do crime e a exigência de que os militares estejam em serviço, propõe-se a fixação da competência na Justiça castrense, desde que cumulado com o critério subjetivo ― militares da ativa ― a vulneração de bem jurídico caro ao serviço e ao meio militar. Com efeito, parece correta a adoção do critério subjetivo, considerando militar em atividade todo aquele agente estatal incorporado às Forças Armadas, em serviço ou não, aliado ao critério objetivo, do bem ou serviço militar juridicamente tutelado. De todo modo, vale o destaque de que, em muitos casos, o bem jurídico protegido pelo Código Penal Militar encontra igual guarida no Código Penal comum. Exemplo claro dessa situação é o art. 205 do CPM, que tipifica o delito de homicídio simples, tutelando, portanto, o direito à vida, também protegido pelo art. 121 do CP. Por isso, é importante ressaltar que a análise não pode se esgotar no bem jurídico tutelado pura e simplesmente. Deve-se necessariamente averiguar, na situação concreta, a existência ou não de vulneração, a partir da conduta, da regularidade das instituições militares, cujo pilar constitucional se baseia em dois princípios: hierarquia e disciplina. Por essas considerações, entende-se que, nos termos do art. 9º do CPM, sempre que a conduta tiver potencial de vulnerar a regularidade das instituições militares, deve-se reconhecer a competência da Justiça especializada.
Possibilidade de penhora de quotas sociais do sócio por dívida particular apesar da recuperação judicial
Nos termos do artigo 789 do CPC/2015, o devedor responde com todos os seus bens, entre os quais se incluem as quotas que detiver em sociedade simples ou empresária, por suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei. Nesse contexto, somente é possível obstar a penhora e a alienação das quotas sociais se houver restrição legal. Não há, a princípio, vedação para a penhora de quotas sociais de sociedade empresária em recuperação judicial, quando muito a proibição alcançaria a liquidação da quota, mas essa é apenas uma entre outras situações possíveis a partir da efetivação da penhora. Conforme se verifica do artigo 861 do CPC/2015, uma vez penhorada a quota, ela deve ser oferecida aos demais sócios que, buscando evitar a liquidação ou o ingresso de terceiros no quadro social, podem adquiri-las. Inexistindo interesse dos demais sócios, a possibilidade de aquisição passa para a sociedade, o que, no caso da recuperação judicial, não se mostra viável, já que, a princípio, não há saldo de lucros ou reservas disponíveis, nem é possível a alienação de bens do ativo permanente para cumprir a obrigação sem autorização judicial. É de se considerar, porém, que o artigo 861, § 4º, inciso II, do CPC/2015 possibilita o alongamento do prazo para o pagamento do valor relativo à quota nas hipóteses em que houver risco à estabilidade da sociedade. Dessa forma, a depender da fase em que a recuperação judicial estiver, o juízo pode ampliar o prazo para o pagamento, aguardando o seu encerramento. Assim, eventual interferência da penhora de quota social na recuperação judicial da empresa deve ser analisada com o decorrer da execução, não podendo ser vedada desde logo, podendo os juízes (da execução e da recuperação judicial) se valerem do instituto da cooperação de que trata do artigo 69 do CPC/2015.
Prazo prescricional decenal para restituição de contribuições indevidas em previdência complementar privada
Cumpre salientar que, até recentemente, era possível afirmar que a jurisprudência de ambas as Turmas da Seção de Direito Privado do STJ havia se pacificado no sentido de que a pretensão de repetição de contribuições vertidas para plano de previdência complementar teria por fundamento o enriquecimento sem causa da entidade de previdência, sujeitando-se, portanto, ao prazo de prescricional específico do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002. No entanto, apesar da jurisprudência pacífica da Segunda Seção no sentido da prescrição trienal, a Corte Especial deste Tribunal Superior firmou entendimento pela prescrição vintenária, na forma estabelecida no art. 177 do Código Civil de 1916, na hipótese de restituição de cobrança indevida de serviço de telefonia (EREsp 1.523.744/RS). No referido julgado, o fundamento para se afastar a prescrição trienal é a subsidiariedade da ação de enriquecimento sem causa, que somente seria cabível quando o indébito não tivesse "causa jurídica". Na hipótese de cobrança indevida por serviço de telefonia, o enriquecimento tem uma causa jurídica, que é a prévia relação contratual entre as partes. O caso em análise, embora diga respeito à previdência complementar, guarda estreita semelhança com o referido precedente, pois, no curso de um plano de benefícios houve a cobrança indevida de contribuições, cuja restituição se pleiteia. Desse modo, a conclusão que se impõe é também no sentido da incidência da prescrição decenal, de acordo com o previsto no art. 205 do Código Civil de 2002, pois o enriquecimento da entidade de previdência tinha uma causa jurídica, que era a prévia relação contratual com os participantes do plano de benefícios não sendo hipótese, portanto, de enriquecimento sem causa, que conduziria à prescrição trienal.
Reconhecimento da inimputabilidade e semi-imputabilidade condicionado ao incidente de insanidade mental e exame médico-legal
Inicialmente, salienta-se que a questão ora suscitada não guarda identidade com aquela veiculada em inúmeros julgados desta Corte, que subsidiaram a orientação no sentido de que a mera alegação de que o acusado é inimputável não justifica a instauração de incidente de insanidade mental, providência que deve ser condicionada à efetiva demonstração da sua necessidade, mormente quando há dúvida a respeito do seu poder de autodeterminação (AgRg no HC n. 516.731/GO, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 20/8/2019), pois o que se discute, aqui, é a possibilidade de reconhecimento da semi-imputabilidade do réu sem exame médico-legal. No processo penal brasileiro, em consequência do sistema da persuasão racional, o juiz forma sua convicção pela livre apreciação da prova (art. 155 do CPP). Assim, em regra, não há falar em prova legal ou tarifada no processo penal brasileiro. Contudo, com relação à inimputabilidade (art. 26, caput, do CP) e semi-imputabilidade (art. 26, parágrafo único, do CP), não há como ignorar a importância do exame pericial, considerando que o Código Penal adotou expressamente o critério biopsicológico. Ora, o magistrado não detém os conhecimentos técnicos indispensáveis para aferir a saúde mental do réu, tampouco a sua capacidade de se autodeterminar. Atento a essa questão, o legislador estabeleceu o incidente de insanidade mental (art. 149 do CPP). A relevância desse incidente não sobressai apenas do conteúdo técnico da prova que se almeja produzir, mas também da vontade do legislador que, especificamente nos arts. 151 e 152 do CPP, estabeleceu algumas consequências diretas extraídas da conclusão do exame pericial, como a continuidade da presença do curador e a suspensão do processo. Cumpre destacar, ainda, a medida cautelar prevista no art. 319, IV, do Código de Processo Penal, que prevê a internação provisória para crimes praticados com violência ou com grave ameaça, quando os peritos concluírem pela imputabilidade ou semi-imputabilidade. Todos esses aspectos, embora insuficientes para sustentar a tese de que o magistrado ficaria vinculado às conclusões do laudo pericial - o que é expressamente rechaçado pelo art. 182 do CPP ("o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte") - autorizam a conclusão de que o exame médico-legal é indispensável para formar a convicção do órgão julgador para fins de aplicação do art. 26 do CP.