Concessão da CNH definitiva quando infração grave é administrativa e proprietário não conduzia o veículo
A jurisprudência desta Corte de Justiça, interpretando teleologicamente o art. 148, § 3º, do CTB ( verbis : § 3º A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média), firmou-se no sentido da possibilidade de concessão da Carteira Nacional de Habilitação definitiva a motorista que cometeu infração de natureza grave não na qualidade de condutor, mas de proprietário do veículo, ou seja, de caráter meramente administrativo, durante o prazo de um ano da sua permissão provisória. Nos termos da firme orientação trilhada no STJ, a infração administrativa de trânsito, ou seja, aquela que não está relacionada à condução do veículo e à segurança no trânsito, mas sim à propriedade do veículo, ainda que seja de natureza grave, não obsta a concessão da habilitação definitiva. Também uníssono o pensamento do Superior Tribunal no sentido de que tal diretriz não se confundia com eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 148, § 3º, do CTB, mas apenas conferia a melhor interpretação de norma infraconstitucional. Ocorre que, no julgamento do ARE 1.195.532/RS, tirado do acórdão proferido no presente agravo em recurso especial, o Supremo Tribunal Federal reconheceu expressamente que o órgão fracionário do Superior Tribunal de Justiça, ao conferir interpretação teleológica ao disposto no art. 148, § 3º, do CTB, apesar de não ter declarado expressamente a inconstitucionalidade do mencionado dispositivo legal, promoveu a denominada declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, pela qual o intérprete declara a inconstitucionalidade de algumas interpretações possíveis do texto legal, sem, contudo, alterá-lo gramaticalmente, ou seja, censurou uma determinada interpretação por considerá-la inconstitucional. Nesse contexto, reconhece-se a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do § 3º do artigo 148 da Lei n. 9.503/1997, para excluir sua aplicação à hipótese de infração (grave ou gravíssima) meramente administrativa, ou seja, não cometida na condução de veículo automotor.
Incompatibilidade do exercício da advocacia com o cargo público de agente de trânsito
Nos termos do art. 5º, XIII, da Constituição Federal, "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Já o art. 22, XVI, da Constituição Federal estabelece que compete privativamente à União legislar sobre "organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões". Assim, o "exercício de qualquer profissão está sujeito a condições, condições que a lei estabelecerá. Isto deflui da própria natureza das profissões, cujo exercício requer fiscalização. No que toca às profissões liberais, instituem-se os conselhos, os quais, com base na lei federal, exercerão a fiscalização do seu exercício. A Constituição, ao estabelecer a competência legislativa da União, competência privativa, dispõe, expressamente, a respeito (C.F., art. 22, XVI). Na cláusula final do inc. XVI do citado art. 22, está a autorização expressa ao legislador federal no sentido de que estabelecerá ele condições para o exercício de profissões" (STF, RE 199.088/SP, Rel. Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJU de 16/04/99). O art. 28, V, da Lei n. 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), determina que a advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, para os ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza. Assim, ao utilizar a expressão "atividade policial de qualquer natureza", o texto legal buscou abarcar todos aqueles que exerçam funções compreendidas no poder de polícia da Administração Pública, definido no art. 78 do CTN. Tal entendimento, quanto aos agentes de trânsito, foi reforçado pela EC 82/2014 e pela Lei n. 13.675/2018. A EC 82/2014 acrescentou o § 10 ao art. 144 da CF/1988, nele incluindo a atividade de agente de trânsito, estabelecendo, entre os órgãos encarregados da segurança pública, "a segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas", compreendendo ela "a fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente", competindo a segurança viária, "no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei". A Lei n. 13.675/2018, que "disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição Federal", instituiu, no seu art. 9º, o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), dispondo, no seu § 2º, inciso XV, que os agentes de trânsito são integrantes operacionais do aludido Sistema Único de Segurança Pública. Inconteste, assim, que os agentes de trânsito desempenham atividades incompatíveis com o exercício da advocacia, porquanto ocupam cargos "vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza", tal como previsto no art. 28, V, da Lei n. 8.906/1994, exercendo funções que condicionam o uso, o gozo e a disposição da propriedade e restringem o exercício da liberdade dos administrados no interesse público, na forma do art. 78 do CTN, além de preservarem eles a "ordem pública e a incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas", na fiscalização do trânsito, integrando os órgãos responsáveis pela segurança pública, previstos no art. 144 da CF/1988 (art. 144, § 10, da CF/1988 e art. 9º, § 2º, XV, da Lei n. 13.675/2018).
Fator previdenciário na aposentadoria por tempo de contribuição do professor no RGPS após Lei 9.876/1999
À luz do Decreto 53.831/1964, Quadro Anexo, Item 2.1.4, que regulamentou o artigo 31 da Lei n. 3.807/1960, a atividade de professor era considerada penosa, caracterizando a natureza jurídica da aposentadoria do professor como aposentadoria especial. Com a promulgação da Emenda Constitucional 18/1981, marco temporal de constitucionalização da aposentadoria do professor, essa modalidade de aposentadoria ganhou a natureza jurídica de aposentadoria por tempo de contribuição, com redução de tempo. A Constituição de 1988 manteve a natureza jurídica da aposentadoria do professor como aposentadoria por tempo de contribuição, com redução de tempo, atribuindo, a partir da Emenda 20/1998, o cálculo dos proventos, ao legislador ordinário. A Lei n. 9.876/1999, de 26 de novembro de 1999, concebida para realizar as alterações introduzidas pela Emenda 20/1998, introduziu o fator previdenciário, cuja missão constitui a manutenção do equilíbrio atuarial do Regime Geral da Previdência Social. O artigo 29 da Lei n. 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n. 9.876/1999, combinado com o artigo 56, expressa a intenção do legislador em fazer incidir no cálculo do salário de benefício da aposentadoria por tempo de contribuição do professor, o fator previdenciário. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 1.221.630 RG/SC firmou a seguinte tese de repercussão geral, aplicável ao vertente caso: "É constitucional o fator previdenciário previsto no art. 29, caput , incisos e parágrafos, da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/99. " (Dje 19/06/2020, Ata nº 12/2020 - DJ divulgado em 18/06/2020).
Apreensão de instrumento de infração ambiental independe de uso específico, exclusivo ou habitual
No caso, entendeu a Corte de origem a retenção é justificável somente nos casos em que a posse em si do veículo constitui ilícito. Ocorre que essa não é a interpretação mais adequada da norma, que não prevê tal condição para a sua aplicação, conforme entendimento recentemente adotado na Segunda Turma no julgamento do REsp 1.820.640/PE (Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 09/10/2019). Nesse julgado, observou-se que "[a] efetividade da política de preservação do meio ambiente, especialmente no momento em que a comunidade internacional lança os olhos sobre o papel das autoridades públicas brasileiras no exercício de tal mister, atrai para o Judiciário o dever de interpretar a legislação à luz de tal realidade, recrudescendo a proteção ambiental e a correspondente atividade fiscalizatória"; assim, "[m]erece ser superada a orientação jurisprudencial desta Corte Superior que condiciona a apreensão de veículos utilizados na prática de infração ambiental à comprovação de que os bens sejam específica e exclusivamente empregados na atividade ilícita". Em conclusão, restou assentado que "[o]s arts. 25 e 72, IV, da Lei n. 9.605/1998 estabelecem como efeito imediato da infração a apreensão dos bens e instrumentos utilizados na prática do ilícito ambiental", por isso "[a] exigência de requisito não expressamente previsto na legislação de regência para a aplicação dessas sanções compromete a eficácia dissuasória inerente à medida, consistindo em incentivo, sob a perspectiva da teoria econômica do crime, às condutas lesivas ao meio ambiente". Com efeito, a apreensão definitiva do veículo impede a sua reutilização na prática de infração ambiental - além de desestimular a participação de outros agentes nessa mesma prática, caso cientificados dos inerentes e relevantes riscos dessa atividade, em especial os de ordem patrimonial -, dando maior eficácia à legislação que dispõe as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Competência da Justiça da Infância e Juventude para ações de matrícula em creches e escolas
Com lastro na CF/1988, a Lei n. 8.069/1990 assegura expressamente, à criança e ao adolescente, o direito à educação como direito público subjetivo, mediante "acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica" (art. 53, V), bem como "atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade" (art. 54, IV). O art. 148 da Lei n. 8.069/1990 estabelece que "a Justiça da Infância e da Juventude é competente para: (...) IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209". A Lei n. 8.069/1990 estabelece, no seu Capítulo VII, disposições relativas "às ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular" (...) "do ensino obrigatório" e "de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade" (art. 208, I e III), estatuindo que "as ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar e julgar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores" (art. 209). Assim, na forma da jurisprudência do STJ, as "ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente", previstas no art. 148, IV, da Lei n. 8.069/1990, são da competência absoluta da Justiça da Infância e da Juventude, ressalvadas apenas "a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores", na forma do art. 209 da referida Lei n. 8.069/1990, independentemente de a criança ou o adolescente encontrar-se ou não em situação de risco, na forma prevista no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Com efeito, a jurisprudência do STJ, interpretando os arts. 148, IV, e 209 da Lei n. 8.069/1990, firmou entendimento, ao apreciar casos relativos ao direito à saúde e à educação de crianças e adolescentes, pela competência absoluta do Juízo da Infância e da Juventude para processar e julgar demandas que visem proteger direitos individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, independentemente de o menor encontrar-se ou não em situação de risco ou abandono, porquanto "os arts. 148 e 209 do ECA não excepcionam a competência da Justiça da Infância e do Adolescente, ressalvadas aquelas estabelecidas constitucionalmente, quais sejam, da Justiça Federal e de competência originária" (STJ, REsp 1.199.587/SE, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe de 12/11/2010). A Primeira Turma do STJ, em situação análoga, na qual se postulava judicialmente o fornecimento de fraldas e alimento a menor, afastou a competência da Vara da Fazenda Pública e concluiu que "esta Corte já consolidou o entendimento de que a competência da vara da infância e juventude para apreciar pedidos referentes ao menor de idade é absoluta, consoante art. 148, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente". Examinando caso idêntico, a Segunda Turma do STJ firmou o seguinte entendimento: "O Estatuto da Criança e do Adolescente é lex specialis , prevalece sobre a regra geral de competência das Varas de Fazenda Pública, quando o feito envolver Ação Civil Pública em favor da criança ou do adolescente, na qual se pleiteia acesso às ações ou aos serviços públicos, independentemente de o infante estar em situação de abandono ou risco, em razão do relevante interesse social e pela importância do bem jurídico tutelado. Na forma da jurisprudência do STJ, "a competência da vara da infância e juventude para apreciar pedidos referentes ao menor de idade é absoluta, consoante art. 148, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente" (STJ, AgRg no REsp 1.464.637/ES, Rel.Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 28.3.2016). Em conclusão, a interpretação dos arts. 148, IV, e 209 da Lei n. 8.069/1990 impõe o reconhecimento da competência absoluta da Vara da Infância e da Juventude, em detrimento da Vara da Fazenda Pública, para processar e julgar causas envolvendo matrícula de crianças e adolescentes em creches ou escolas, independentemente de os menores se encontrarem em situação de risco ou abandono, tal como previsto no art. 98 da referida Lei n. 8.069/1990.