Obrigatoriedade de comprovação do feriado local na interposição do recurso
Durante os últimos anos de vigência do CPC/1973, vigorou nesta Corte o entendimento de que "a comprovação da tempestividade do recurso especial, em decorrência de feriado local ou de suspensão de expediente forense no Tribunal de origem que implique prorrogação do termo final para sua interposição, pode ocorrer posteriormente, em sede de agravo regimental". (AgRg no AREsp 137.141/SE, Corte Especial, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 15/10/2012). Esse entendimento, de fato, pacificou uma série de oscilações jurisprudenciais até então existentes, pois esta Corte, naquele momento histórico, ora admitia a comprovação posterior da existência do feriado local (normalmente na primeira oportunidade após a decisão que declarava a intempestividade), ora admitia a comprovação da existência do feriado local apenas no ato de interposição do recurso dirigido a esta Corte. Dado que a nova legislação processual passou a disciplinar especificamente essa matéria, os órgãos fracionários desta Corte voltaram a oscilar, agora à luz do CPC/2015, entre a manutenção do referido entendimento ou a aplicação da regra do art. 1.003, §6º, segundo a qual "o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso". Essa divergência jurisprudencial, todavia, perdurou apenas até 20/11/2017, quando esta Corte Especial concluiu o julgamento do AgInt no AREsp 957.821/MS e fixou a tese de que "a jurisprudência construída pelo STJ à luz do CPC/1973 não subsiste ao CPC/2015: ou se comprova o feriado local no ato da interposição do respectivo recurso, ou se considera intempestivo o recurso, operando-se, em consequência, a coisa julgada". Formou-se, então, um precedente vinculante, nos estritos termos do art. 927, V, do CPC/2015, que deveria, diz a lei, ser respeitado por todos os órgãos fracionários, inclusive pela própria Corte Especial, a partir daquele momento. A despeito da solidez jurisprudencial desde então construída e comprovada empiricamente, entendeu a 4ª Turma, por unanimidade, em sessão de julgamento ocorrida em 16/05/2019, pela afetação do REsp 1.813.684/SP à Corte Especial, com base no art. 16, IV, do RISTJ. A questão jurídica que motivou a afetação era apenas uma: dizer se a segunda-feira de carnaval seria ou não um feriado notório, tese que, se porventura acolhida, poderia afastar a incidência da regra do art. 1.003, §6º, do CPC/15 e, consequentemente, a incidência da orientação fixada 18 meses antes pela Corte Especial, por ocasião do julgamento do AgInt no AREsp 957.821/MS. Por ocasião da última sessão de julgamento do REsp 1.813.684/SP, ocorrida em 02/10/2019, sagrou-se vencedora a tese formulada pelo e. Min. Luís Felipe Salomão, modulando os efeitos da decisão para admitir a prova posterior da existência do feriado nos recursos interpostos até a data da publicação do respectivo acórdão, o que veio a ocorrer em 18/11/2019. Como o e. Min. Luís Felipe Salomão havia proposto a tese vencedora sem voto escrito previamente distribuído aos e. Ministros que compõem a Corte Especial, constatou-se, apenas posteriormente à publicação do acórdão, que o voto redigido por S. Exa. não correspondia ao objeto da deliberação da Corte Especial na sessão de julgamento ocorrida em 02/10/2019. Em virtude disso, propôs-se Questão de Ordem, cujo julgamento se iniciou e foi concluído em 03/02/2020, acolhida pela maioria dos e. Ministros da Corte Especial "para reconhecer que a tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval e não se aplica aos demais feriados, inclusive aos feriados locais". Embora a razão aparente desse resultado seja o fato de que o voto redigido posteriormente à sessão pelo e. Min. Luís Felipe Salomão não correspondia ao objeto de deliberação da Corte Especial naquela assentada, não se pode olvidar que há, naquele julgamento, uma razão subjacente: a tese jurídica fixada pela Corte Especial no julgamento do AgInt no AREsp 957.821/MS não foi, em absolutamente nenhum momento, implícita ou expressamente, superada pela Corte Especial. Assim, o único propósito da referida afetação regimental era o de verificar se uma específica situação jurídica - o feriado da segunda-feira de carnaval - porventura não estaria abrangida pela regra em virtude da sua notoriedade. O próprio resultado do julgamento do REsp 1.813.684/SP, inclusive, confirma a manutenção da regra fixada no AgInt no AREsp 957.821/MS, na medida em que a notoriedade do feriado de segunda-feira de carnaval, conquanto reconhecida pela maioria dos e. Ministros que compõem a Corte Especial, não foi suficiente para desobrigar as partes da comprovação de sua existência, mas, sim, somente teve o condão de permitir que as partes comprovassem a existência a posteriori e, ainda assim, somente em um determinado lapso temporal (até a publicação do acórdão do REsp 1.813.684/SP, ocorrida em 18/11/2019), findo o qual voltou a valer a regra fixada no AgInt no AREsp 957.821/MS. A simples razão pela qual não se poderá estender o entendimento fixado no REsp 1.813.684/SP para outros feriados locais, pois, está no fato de que a orientação que superou momentaneamente a regra geral prevista no AgInt no AREsp 957.821/MS é excepcional e se fundou em uma razão específica. Ao que consta, o julgamento do REsp 1.813.684/SP apenas superou momentânea e excepcionalmente a regra, mas não o precedente anteriormente fixado na Corte Especial, inclusive porque, para recursos especiais e agravos interpostos após 18/11/2019 (data da publicação do acórdão), a regra que está sendo aplicada é aquela fixada pela Corte Especial no AgInt no AREsp 957.821/MS. De outro lado, sublinhe-se que uma modulação ampla, geral e irrestrita, como propõe o voto do e. Relator, apenas poderia ter sido feita em 2017, por ocasião do julgamento do AgInt no AREsp 957.821/MS, ocasião em que a Corte Especial fixou a orientação aderente à lei nova (art. 1.003, §6º, do CPC/15).
Complementação de prova pré-constituída na exceção de pré-executividade por determinação judicial
De acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, a exceção de pré-executividade tem caráter excepcional, sendo cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, a saber: (i) a matéria invocada deve ser suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (ii) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória. Entre as matérias passíveis de conhecimento ex officio estão as condições da ação e os pressupostos processuais. Portanto, não há dúvida de que a ilegitimidade passiva pode ser invocada por meio de exceção de pré-executividade, desde que amparada em prova pré-constituída. Com relação ao requisito formal, é imprescindível que a questão suscitada seja de direito ou diga respeito a fato documentalmente provado. A exigência de que a prova seja pré-constituída tem por escopo evitar embaraços ao regular processamento da execução. Assim, as provas capazes de influenciar no convencimento do julgador devem acompanhar a petição de objeção de não-executividade. No entanto, a intimação do executado para juntar aos autos prova pré-constituída mencionada nas razões ou complementar os documentos já apresentados não configura dilação probatória, de modo que não excede os limites da exceção de pré-executividade. Nessa linha de ideias, é relevante recordar que o mandado de segurança também exige prova pré-constituída do direito líquido e certo alegado, não comportando dilação probatória. Esta Corte, todavia, consolidou orientação no sentido de que é possível emendar a inicial do mandado de segurança, para possibilitar ao impetrante a apresentação de documentos comprobatórios da certeza e da liquidez do direito invocado. Outrossim, a autorização de complementação dos documentos pelo excipiente, à requerimento do juiz, encontra alicerce no princípio da cooperação consagrado no art. 6º do CPC/2015, o qual preceitua que todos os sujeitos do processo devem cooperar para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Esse princípio é desdobramento do princípio da boa-fé processual. Cuida-se de substancial e destacada revolução no modelo processual até então vigente, em vista de uma maior proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos no processo. Nesse cenário, a possibilidade de complementação da prova apresentada com o protocolo da exceção de pré-executividade propicia a prestação de tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Com essas considerações, tem-se que mesmo em sede de exceção de pré-executividade, com fulcro nos arts. 6º e 321 do CPC/2015, o juiz pode determinar a complementação das provas, desde que elas sejam preexistentes à objeção.
Validade e critério de vencimento em nota promissória com datas divergentes
Embora o formalismo constitua princípio regulamentador dos títulos de crédito, pode a lei enumerar determinado requisito e, ainda assim, admitir a possibilidade de a cártula não o conter expressamente - ou de o conter de forma irregular, com a presença de vícios supríveis - sem que o título perca sua eficácia própria. Um desses defeitos supríveis é o da divergência entre os valores da dívida inscritos no título, cuja solução prevista na Lei Uniforme de Genebra (art. 6º da LUG) é de fazer prevalecer a expressão grafada por extenso ou aquela de menor quantia, as quais, presumivelmente, correspondem à vontade do emitente da cártula. A data de vencimento da dívida constitui requisito não essencial da nota promissória, pois, em virtude da ausência desse elemento, considera-se que o valor é exigível à vista, por se presumir ser essa a vontade do emitente do título. A interpretação sistemática da LUG permite inferir que, para a solução de questões relacionadas a defeitos supríveis ou requisitos não essenciais, o critério a ser adotado deve ser pautado pela busca da vontade presumida do emitente. Dentre os elementos essenciais de uma operação de crédito inclui-se a concessão de um prazo para pagamento da obrigação, de modo que, por envolver operação dessa natureza, a emissão de uma nota promissória autoriza a presunção de que a efetiva vontade do emitente é a de que o vencimento ocorresse em data futura, após sua emissão. Nesse cenário, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título - não existindo, assim, como se entrever, nessa hipótese, uma operação de crédito -, deve prevalecer a data posterior.
Marco inicial da taxa de ocupação em imóvel alienado fiduciariamente: leilão ou consolidação
Cinge-se a controvérsia a saber se o termo inicial da exigibilidade da taxa de ocupação de imóvel alienado fiduciariamente em garantia tem início desde a consolidação da propriedade ou da arrematação do imóvel. O fundamento para que a taxa de ocupação não incida no período anterior à alienação em toda e qualquer situação é que a propriedade fiduciária não se equipara à propriedade plena, por estar vinculada ao propósito de garantia da dívida, conforme expressamente dispõe o art. 1.367 do Código Civil. Por essa razão, o titular da propriedade fiduciária não goza de todos os poderes inerentes ao domínio. Efetivamente, não se reconhece ao proprietário fiduciário os direitos de usar (jus utendi) e de fruir (jus fruendi) da coisa, restando-lhe apenas os direitos de dispor da coisa (jus abutendi) e de reavê-la de quem injustamente a possua (rei vindicatio). Essa limitação de poderes se mantém após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, pois essa consolidação se dá exclusivamente com o propósito satisfazer a dívida. Com efeito, o direito do credor se limita ao crédito, sendo a garantia (ainda que por meio de alienação fiduciária) um mero acessório, não podendo o credor se apropriar, simultaneamente, do crédito e da coisa dada em garantia, sob pena de bis in idem e enriquecimento sem causa. Sob outro ângulo, cabe destacar que a lei impõe um rito célere à alienação extrajudicial, de modo que o primeiro leilão deva ser realizado no prazo de 30 (trinta) dias após o registro da consolidação da propriedade, conforme previsto no art. 27 da Lei 9.514/97, independentemente da desocupação do imóvel.Há, portanto, no referido art. 27 um fundamento de boa-fé objetiva, especificamente concretizada no preceito "duty to mitigate the loss". Relembre-se, no caso, que o financiamento imobiliário possui acentuado caráter social, na medida em que visa facilitar o acesso da população à moradia, um direito fundamental previsto na Constituição. Noutro norte, é certo que a boa-fé também impõe deveres ao mutuário, como o de desocupar o imóvel, caso não tenha purgado tempestivamente a mora. Porém, a violação desse dever impõe perdas potenciais ao próprio mutuário, não à instituição financeira, que já é remunerada pelos encargos contratuais. Desse modo, por qualquer ângulo que se aborde a questão (legalidade estrita, natureza da propriedade fiduciária ou boa-fé objetiva), impõe-se concluir que a taxa de ocupação, em regra, incidirá após a alienação do imóvel. Em sendo frustrado o primeiro leilão, a lei prevê a realização de um segundo leilão no prazo de 15 dias, após o qual a dívida será extinta compulsoriamente, exonerando-se ambas as partes de suas obrigações. Ora, havendo extinção da dívida, o imóvel deixa de estar afetado ao propósito de garantia, passando a integrar o patrimônio do credor de forma plena, o que se assemelha a uma adjudicação. A partir de então, o credor passa a titularizar todos os poderes inerentes ao domínio, fazendo jus aos frutos imóvel, inclusive na forma da taxa de ocupação. Quando hipótese especial ocorre, ou seja, quando inexistente a alienação do bem, senão a sua adjudicação, o art. 37-A merece interpretação analógica, tomando-se em vez de arrematação, que não houve, a adjudicação como termo inicial. Do mesmo modo, quando o devedor obtém a suspensão judicial dos leilões que, assim, do mesmo modo, não ocorrem, postergando de modo indevido a reintegração do credor, justifica-se, aí sim, a incidência da taxa de ocupação antes da alienação/adjudicação, pois se está a indenizar o credor fiduciante pelo período de indevido alijamento da posse do imóvel. Com efeito, a fixação do termo a quo da taxa de ocupação na data da consolidação da propriedade do imóvel decorre da precária suspensão obtida pelo mutuário dos leilões do imóvel e pelo período dilargado, assim, de indevida posse do bem, mas esta não deve ser a interpretação a ser extraída, de regra, do art. 37-A da Lei 9.514/97, senão em casos excepcionais.
Não incidência de IOF sobre valores recebidos em Adiantamento sobre Contrato de Câmbio
Nos termos do art. 63, II, do CTN constitui fato gerador do IOF a liquidação do contrato de câmbio, de modo que somente quando há a efetiva troca de moeda é cabível a incidência do tributo. No Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC), a instituição financeira se obriga a pagar, em reais e no momento estabelecido na avença, pela moeda estrangeira comprada a termo, ou seja, paga-se antecipadamente, de forma total ou parcial, pelo valor correspondente ao câmbio, que se efetivará no futuro. No âmbito das exportações, a venda de mercadorias e serviços é formalizada, em regra, mediante um contrato firmado entre a empresa nacional e o adquirente estrangeiro. O pagamento é realizado pela moeda do país importador. Todavia, o exportador brasileiro deve recebê-lo em moeda corrente brasileira, recebida por operação de câmbio, a ser intermediada por instituição financeira. De acordo com o seu interesse, pode formular um ACC, para antecipar esse valor, sujeitando-se aos seus consectários pertinentes. Com efeito, o ACC representa uma antecipação da obrigação contratual formulada com a instituição financeira, que tem por objeto pagar ao exportador o preço em moeda nacional da moeda estrangeira adquirida para entrega futura. Conclui-se que há um liame, um vínculo indissociável, entre o ACC e a operação de câmbio, na medida em que se antecipa para o exportador nacional uma importância que irá se concretizar com o recebimento da moeda estrangeira, advinda da efetiva exportação dos bens ou serviços. Nesse contexto, o ACC não representa uma operação de crédito, embora não se negue a antecipação de numerário que ela representa. Trata-se de uma operação de câmbio de forma antecipada, e assim deve ser tributada, pois vinculada a compra a termo de moeda estrangeira. Ademais, em se tratando de operação de câmbio vinculada às exportações, sempre foi observada a alíquota (zero) de IOF, seguindo a orientação constitucional de que não se exporta tributos (arts. 149, § 2º, I; 153, § 3º, III; e 155, § 2º, X, "a", da Constituição Federal).