Possibilidade jurídica da guarda compartilhada entre pais em cidades diferentes
Inicialmente, importa consignar que a guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada, tampouco com o regime de visitas ou de convivência. Com efeito, a guarda compartilhada impõe o compartilhamento de responsabilidades, não se confundindo com a custódia física conjunta da prole ou com a divisão igualitária de tempo de convivência dos filhos com os pais. De fato, nesta modalidade de guarda, é plenamente possível - e, até mesmo, recomendável - que se defina uma residência principal para os filhos, garantindo-lhes uma referência de lar para suas relações da vida. Na guarda alternada, por outro lado, há a fixação de dupla residência, residindo a prole, de forma fracionada, com cada um dos genitores por determinado período, ocasião em que cada um deles, individual e exclusivamente, exercerá a guarda dos filhos. Assim, é imperioso concluir que a guarda compartilhada não demanda custódia física conjunta, tampouco tempo de convívio igualitário, sendo certo, ademais, que, dada sua flexibilidade, esta modalidade de guarda comporta as fórmulas mais diversas para sua implementação concreta, notadamente para o regime de convivência ou de visitas, a serem fixadas pelo juiz ou por acordo entre as partes em atenção às circunstâncias fáticas de cada família individualmente considerada. Portanto, não existe qualquer óbice à fixação da guarda compartilhada na hipótese em que os genitores residem em cidades, estados, ou, até mesmo, países diferentes, máxime tendo em vista que, com o avanço tecnológico, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre a prole, participando ativamente das decisões acerca da vida dos filhos. A possibilidade de os genitores possuírem domicílios em cidades distintas infere-se da própria previsão contida no § 3º do art. 1.583 do CC/2002, segundo o qual "na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos".
Impossibilidade de cumular pedidos estranhos à finalidade dos embargos de terceiro
Em regra, somente as pessoas que compõem a relação jurídico-processual é que poderão sofrer os efeitos das decisões judiciais proferidas no respectivo processo, notadamente algum tipo de constrição judicial em seus bens, por meio de penhora e sucessiva expropriação. Quando, porém, o patrimônio de terceiro, sem nenhuma relação com o processo, for atingido, de maneira injusta, pela prestação jurisdicional correlata, a lei confere um instrumento próprio para a defesa de seu interesse, a fim de liberar o gravame judicial realizado em seus bens, qual seja, os embargos de terceiro. A peculiaridade dos embargos de terceiro é que, a despeito de se tratar de ação de conhecimento, a sua única finalidade é a de livrar da constrição judicial injusta os bens pertencentes a quem não é parte do processo, tanto que o art. 681 do CPC/2015 afirma que, "acolhido o pedido inicial, o ato de constrição judicial indevida será cancelado, com o reconhecimento do domínio, da manutenção da posse ou da reintegração definitiva do bem ou do direito ao embargante". Em outras palavras, os embargos de terceiro possuem cognição restrita, pois a sua análise limita-se tão somente ao exame da legalidade do ato judicial que culminou na constrição ou ameaça de constrição sobre bens de terceiro, não possuindo, assim, natureza condenatória. Não se ignora que o art. 327, § 2º, do CPC/2015, ao permitir a cumulação de pedidos em um único processo, estabelece que, "quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum". Ocorre que a referida norma processual, que permite a conversão de procedimento especial para o rito comum, não se aplica em todo e qualquer caso. Com efeito, conforme já decidido por esta egrégia Terceira Turma, "a partir de uma análise sistemática do CPC, conclui-se que a regra do art. 292, § 2º [correspondente ao art. 327, § 2º, do CPC/2015], não se aplica indiscriminadamente, como procura fazer crer a recorrente, alcançando apenas os pedidos sujeitos a procedimentos que admitam conversão para o rito ordinário" (REsp 993.535/PR, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe de 22/4/2010). Assim, considerando a cognição limitada dos embargos de terceiro, cuja finalidade é tão somente de evitar ou afastar a constrição judicial sobre bens de titularidade daquele que não faz parte do processo correlato, revela-se inadmissível a cumulação de pedidos estranhos à sua natureza constitutivo-negativa, como, por exemplo, o pleito de condenação do réu a indenização por danos morais, sob pena, inclusive, de tumultuar a marcha processual célere dos embargos de terceiro, em nítida contradição com o próprio escopo do art. 327 do CPC/2015.
Vedação ao indeferimento automático da gratuidade de justiça no processo de execução
Desde a vigência da Lei n. 1.060/1950, o deferimento da gratuidade é condicionado apenas à demonstração da incapacidade do jurisdicionado de pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem sacrifício do sustento próprio ou de sua família. Nesse passo, o benefício da gratuidade de justiça tem como principal escopo assegurar a plena fruição da garantia constitucional de acesso à Justiça, prevista no art. 5º, XXXV, da CF/1988, mediante a superação de um dos principais obstáculos ao ajuizamento de uma ação ou ao exercício da defesa, consistente no custo financeiro do processo. Por isso, sequer o legislador poderia instituir regra que, invariavelmente, excluísse determinada atividade jurisdicional do campo de incidência da gratuidade, independentemente da situação econômica do indivíduo, sob pena de inconstitucional restrição do acesso ao Poder Judiciário às pessoas mais pobres. Ainda, há na Lei expresso mecanismo que permite ao Juiz, de acordo com as circunstâncias concretas, conciliar o direito de acesso à Justiça e a responsabilidade pelo ônus financeiro do processo, qual seja: o deferimento parcial da gratuidade, apenas em relação a alguns dos atos processuais, ou mediante a redução percentual de despesas que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento (art. 98, § 5º, do CPC). Dessa maneira, é inquestionável que não está o Tribunal obrigado a conceder a plena gratuidade de justiça à parte devido à declaração de insuficiência de recursos deduzida; porém, o que não se pode admitir é o indeferimento automático do pedido, pela simples circunstância de ele figurar no polo passivo do processo de execução.
Prescrição quinquenal da cobrança de royalties em contratos de licenciamento de cultivares
A Lei n. 9.456/1997 instituiu o sistema de proteção de cultivares, consolidando a proteção intelectual no setor de melhoramento vegetal e garantindo aos melhoristas de plantas sua exploração comercial exclusiva pelo prazo legal. Nesse contexto, o produtor precisará obter autorização do titular do direito para multiplicar o material vegetativo, o que se dá por concessão de autorização ou licença de uso mediante o pagamento de royalties. Cumpre esclarecer que para que surja a obrigação de pagar royalties é necessário que o proprietário tenha autorizado o uso de sua cultivar. O uso de cultivar sem licença enseja a indenização por utilização indevida e não o pagamento de royalties. O contrato de licença deve descrever o objeto e os limites de autorização de uso, a forma de cálculo e o modo de pagamento da contraprestação. Existe mais de uma maneira de calcular o valor da contraprestação pela utilização de cultivar: levando-se em conta um período de tempo para o uso, a área plantada, ou o volume, que pode corresponder a unidades, quilos e litros. Nas últimas hipóteses, a liquidação da obrigação vai depender das informações prestadas pelo licenciado quanto às quantidades utilizadas para a composição do valor devido, na forma do contrato. A Lei n. 9.456/1997 não cuida do contrato de licença de uso, nem tampouco do prazo prescricional para a ação de cobrança de royalties. Além disso, não prevê a aplicação subsidiária de outro regramento de modo que para regular a prescrição deve ser aplicada a norma geral, isto é, o Código Civil. Entretanto, somente no caso de não haver disciplina específica é que irá incidir o prazo geral decenal. No caso, contudo, a apuração do valor devido depende de meros cálculos aritméticos. Assim, a pretensão é de recebimento de dívida líquida constante de instrumento particular. Nesse contexto, deve ser aplicado o prazo quinquenal de que trata o artigo 206, § 5º, I, do Código Civil.
Consunção do dano ambiental por construção em solo ecologicamente não edificável em unidade de conservação
A controvérsia submetida ao exame desta Corte Superior é a (im)possibilidade de aplicação do princípio da consunção, para que o delito do art. 40 da Lei n. 9.605/1998 (causar dano ambiental em unidade de conservação) seja absorvido pelo crime do art. 64 da mesma lei (construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável). As unidades de conservação não são o único espaço a receber especial tutela da legislação penal, pois a Lei n. 9.605/1998 tipifica, também, os danos ambientais causados em outras espécies de áreas, como as florestas de preservação permanente (arts. 38, 39, 40, 44), as de domínio público (arts. 44 e 50-A), a Mata Atlântica (art. 38-A), a vegetação fixadora de dunas e mangues (art. 50) e as praias (art. 54, § 2º, IV). Na verdade, considerando a quantidade e diversidade de espaços protegidos pela Lei n. 9.605/1998, é mesmo difícil imaginar uma situação em que o delito do art. 64 (na ação típica de construir em área não edificável por seu valor ecológico) não produza, também, danos sobre algum dos outros espaços referidos naquele diploma legislativo. A empreitada hermenêutica de bem definir o alcance destes tipos incriminadores é, certamente, dificultada pelo emaranhado de regimes jurídicos de proteção de espaços com relevância ambiental, os quais não receberam do legislador um tratamento sistemático. Não obstante, para avaliar a possibilidade de absorção de um crime por outro, o mais importante é verificar se o delito menor se encontra na cadeia causal do delito continente, como uma etapa do iter criminis - seja na preparação, consumação ou exaurimento do crime maior. Este raciocínio, ao contrário do que defende o órgão acusador, não é obstado pela diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador; tampouco impede a consunção o fato de que o crime absorvido tenha pena maior do que a do crime continente. A Súmula 17/STJ bem exemplifica a linha aqui exposta: os crimes de falsidade (arts. 297 a 299 do CP) e estelionato (art. 171 do CP) localizam-se, topograficamente, em seções diferentes do CP e tutelam bens jurídicos diferentes: a fé pública, nos primeiros, e o patrimônio, no segundo. Também é possível vislumbrar situações em que o estelionato, apenado com 1 a 5 anos de reclusão, absorve a falsidade de documento público, cuja sanção é mais grave (2 a 6 anos de reclusão). Nem por isso fica inviabilizada a consunção, nos exatos termos da Súmula 17/STJ, que mesmo após três décadas de sua edição permanece norteando os julgamentos desta Corte Superior sobre o tema. A bem da verdade, a distinção entre os bens jurídicos tutelados pelos arts. 40 e 64 da Lei n. 9.605/1998 não é tão intensa como aduz o MPF, pois este último dispositivo se refere, expressamente, à construção em espaços não edificáveis por sua especial relevância ecológica. Por conseguinte, o dispositivo não destina a proteger somente a higidez das posturas locais de ordenação urbanística e da ocupação do solo, como afirma o Parquet, mas abrange textualmente a guarida do meio ambiente. Estabelecidas estas premissas teóricas, o dano causado pela construção à estação ecológica se encontra, efetivamente, absorvido pela edificação irregular. O dano pode, em tese, ser considerado concomitante à construção, enquanto ato integrante da fase de execução do iter do art. 64, caso em que se aplicaria o princípio da consunção em sua formulação genérica; ou, então, como consequência naturalística inafastável e necessária da construção, de maneira que seu tratamento jurídico seria o de pós-fato impunível. De todo modo, o dano à unidade de conservação se situa na escala causal da construção irregular (seja como ato executório ou como exaurimento), nela exaurindo toda sua potencialidade lesiva.