Ação Civil Pública dispensa de lista de filiados na substituição processual por associação
Cinge-se a controvérsia na verificação da legitimidade das associações para propor ação civil pública, tendo em vista a não apresentação do rol de seus filiados. Outrossim, faz-se indispensável estudo detido da tese firmada pela Suprema Corte, no julgamento do RE 573.232/SC, relativa à necessidade de apresentação de nominata de associados para ajuizamento de ações coletivas. É que a análise proposta permitirá desvendar se tal exigência refere-se apenas às ações coletivas ordinárias, ou se também as ações civis públicas devem obediência àquela condicionante. Salutar é a investigação sobre a que título a associação atua no processo, se em substituição ou representação dos associados, resposta que orientará a definição da obrigatoriedade ou não da apresentação do rol de possíveis beneficiários da demanda, sob pena de indeferimento da inicial. Sobre o tema, é o entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça: "Independentemente de autorização especial ou da apresentação de ré/ação nominal de associados, as associações civis, constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, gozam de legitimidade ativa para a propositura de ação coletiva. (Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, REsp. 805277/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23/09/2008, DJe 08/10/2008) Referindo-se à específica atuação das associações, a doutrina elucida a questão, diferenciando os institutos da representação e substituição processual, nos seguintes termos: "A distinção entre representação e substituição processual é clássica, e ambas estão relacionadas com a não coincidência entre o titular do direito material e aquele que defende esse direito em juízo. Ocorre representação quando o representante age em nome do representado, na tutela do direito deste; já na substituição processual o substituto age em nome próprio, na defesa do direito do substituído. Na hipótese de atuação judicial de entidade associativa a título de representante, o ente vai a juízo em nome e no interesse dos associados, de modo que há necessidade de apresentar autorização prévia para essa atuação e os efeitos da sentença ficam circunscritos aos representados. Trata-se da previsão do art. 5, inc. XXI, da Constituição Federal. Trata-se de legitimação ordinária. Já na substituição processual, o que ocorre é uma atuação pelo ente coletivo que tem como função precípua a defesa dos interesses comuns do grupo de substituídos; daí a desnecessidade de autorização expressa e pontual dos seus membros para a sua atuação em juízo, como também ocorre com a tradicional legitimidade extraordinária dos sindicatos. E daí, também, a extensão dos efeitos da sentença a todos os substituídos, aplicando-se as regras da coisa julgada próprias dos processos coletivos (arts. 103 e 105 do CDC). Neste caso, a legitimação é extraordinária." A atuação das associações em processos coletivos pode se verificar de duas maneiras: (a) por meio da ação coletiva ordinária, hipótese de representação processual, com base no permissivo contido no artigo 5º, inciso XXI, da CF/1988; ou (b) ou na ação civil pública, agindo a associação nos moldes da substituição processual prevista no Código de Defesa do Consumidor e na Lei da Ação Civil Pública. No caso analisado, vale dizer que a ação proposta na origem tem como escopo a defesa de direitos e interesses homogêneos de uma universalidade de consumidores que, embora também sejam, ontologicamente, direitos individuais, mereceram tratamento especial do ordenamento jurídico, que se expressa pela legitimação extraordinária do substituto processual. Com base em todo exposto, verifica-se a impossibilidade de, no caso em análise, incidir o entendimento firmado no RE 573.232/SC, em sede de repercussão geral. Isto porque, o precedente da Corte Suprema se direcionou exclusivamente às demandas coletivas em que as Associações autoras atuam por representação processual, não tendo aplicação aos casos em que agem em substituição. Dessarte, na pretensão deduzida na presente demanda, diversamente do julgamento do STF, a atuação da entidade autora deu-se, de forma inequívoca, no campo da substituição processual, sendo desnecessária a apresentação nominal do rol de seus filiados para ajuizamento da ação.
Impossibilidade de usucapião de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação
A doutrina e a jurisprudência, seguindo o disposto no § 3º do art. 183 e no parágrafo único do art. 191 da Constituição Federal de 1988, bem como no art. 102 do Código Civil e no enunciado da Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal, entendem pela absoluta impossibilidade de usucapião de bens públicos. O imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, porque afetado à prestação de serviço público, deve ser tratado como bem público, sendo, pois, imprescritível. Na eventual colisão de direitos fundamentais, como o de moradia e o da supremacia do interesse público, deve prevalecer, em regra, este último, norteador do sistema jurídico brasileiro, porquanto a prevalência dos direitos da coletividade sobre os interesses particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável. Mesmo o eventual abandono de imóvel público não possui o condão de alterar a natureza jurídica que o permeia, pois não é possível confundir a usucapião de bem público com a responsabilidade da Administração pelo abandono de bem público. Com efeito, regra geral, o bem público é indisponível. No caso, é possível depreender que o imóvel foi adquirido com recursos públicos pertencentes ao Sistema Financeiro Habitacional, com capital 100% (cem por cento) público, destinado à resolução do problema habitacional no país, não sendo admitida, portanto, a prescrição aquisitiva. Eventual inércia dos gestores públicos, ao longo do tempo, não pode servir de justificativa para perpetuar a ocupação ilícita de área pública, sob pena de se chancelar ilegais situações de invasão de terras. Por fim, não se pode olvidar, ainda, que os imóveis públicos, mesmo desocupados, possuem finalidade específica (atender a eventuais necessidades da Administração Pública) ou genérica (realizar o planejamento urbano ou a reforma agrária). Significa dizer que, aceitar a usucapião de imóveis públicos, com fundamento na dignidade humana do usucapiente, é esquecer-se da dignidade dos destinatários da reforma agrária, do planejamento urbano ou de eventuais beneficiários da utilização do imóvel, segundo as necessidades da Administração Pública.
Exigibilidade da multa estatutária por desfiliação partidária não é automática
A Constituição Federal, em seu art. 17, § 1º, assegura aos partidos políticos "autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento [...], devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária". A esse respeito, dispõe a Lei n. 9.096/1995 (regente dos partidos políticos) que, observadas as disposições constitucionais e da respectiva lei, a agremiação é livre "para estabelecer, em seu estatuto, a sua estrutura interna, organização e funcionamento" (art. 14), podendo conter, no estatuto, normas sobre "fidelidade e disciplina partidárias, processo para apuração das infrações e aplicação das penalidades, assegurado amplo direito de defesa" (art. 15, V). Nessa linha de intelecção, ressai incontestável a legitimidade da previsão estatutária de incidência de multa por desfiliação partidária no curso do mandato, tal como previsto no art. 85, X, do Estatuto do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro - PRTB, como uma medida de desestímulo à infidelidade partidária. Da leitura dessa norma, extrai-se que a penalidade pecuniária consistente no pagamento de valor correspondente a 12 (doze) meses do salário do candidato eleito possui dois requisitos, a saber: i) a aquiescência expressa do candidato com a cobrança da penalidade, mediante a assinatura do mencionado formulário; e ii) a sua desfiliação do partido no curso do respectivo mandato. É incontroverso, na espécie, que: a) não foi juntado "documento que comprove a concordância expressa do Réu com o pagamento da multa em questão"; e b) "o Réu era, ao tempo da sua eleição para o cargo de Deputado Federal, bem como que, no curso do seu mandato eletivo, "requereu a desfiliação do referido partido político, conforme comprova o pedido de desfiliação. Segundo a exegese desse dispositivo estatutário, é da concordância incontestável do candidato a mandato eletivo que surge o vínculo obrigacional do pagamento da penalidade, não decorrendo automaticamente da filiação e da consequente submissão do candidato às regras do estatuto. Nesse contexto, afigura-se imprescindível. ao acolhimento do pedido de cobrança em voga, a prova incontestável da anuência com o pagamento da multa pelo candidato a mandato eletivo, revelando-se descabida a presunção de prova nesse sentido. Em tal linha argumentativa, sobressai que o documento devidamente assinado não é conditio sine qua non ao registro da candidatura de filiado ao PRTB e à sua efetiva participação nas eleições gerais, de forma que a disputa eleitoral, embora possa ser considerada um indício, é insuficiente a evidenciar, indene de dúvida, a totalidade do fato probando. Portanto, estando ausente a prova inequívoca do direito alegado pelo partido político de incidência da multa por desfiliação partidária estabelecida no art. 85, X, do Estatuto do PRTB, de rigor a improcedência da tutela condenatória, em observância ao disposto nos arts. 373, I, e 434 do CPC/2015.
Limites à execução de garantias fiduciárias e do aval fora da recuperação judicial
1ª Tese: Não pertencendo os bens alienados em garantia ao avalista em recuperação judicial, não podem ser expropriados outros bens de sua titularidade, pois devem servir ao pagamento de todos os credores. Conforme consignado no julgamento do REsp 1.677.939/SP, "O aval apresenta 2 (duas) características principais, a autonomia e a equivalência. A autonomia significa que a existência, validade e eficácia do aval não estão condicionadas à da obrigação principal. A equivalência torna o avalista devedor do título da mesma forma que a pessoa por ele avalizada. (...) Disso decorre que o credor pode exigir o pagamento tanto do devedor principal quanto do avalista, que não pode apresentar exceções pessoais que aproveitariam o avalizado, nem invocar benefício de ordem." Desse modo, se o avalizado for devedor principal, o avalista será tratado como se devedor principal fosse. Assim, caso os bens alienados em garantia fossem dos avalistas, poderiam ser perseguidos pelo credor fora da recuperação judicial, já que a extraconcursalidade do crédito está diretamente ligada à propriedade fiduciária. No entanto, sendo os bens alienados em garantia de propriedade do devedor principal, o crédito em relação aos avalistas em recuperação judicial não pode ser satisfeito com outros bens de sua propriedade, que estão submetidos ao pagamento de todos os demais credores. 2ª Tese: Os credores fiduciários estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial somente em relação ao montante alcançado pelos bens alienados em garantia. A alienação fiduciária em garantia implica a transferência da propriedade de coisa material ao credor com a finalidade de garantir a obrigação principal. A transferência da propriedade, porém, é resolúvel. Satisfeita a obrigação principal, o bem retorna automaticamente à propriedade do devedor. Na hipótese de inadimplemento, no entanto, o credor poderá retomar a posse do bem para efetivar sua liquidação e saldar a dívida. Nos termos do artigo 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005, tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva. Contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, não será permitida a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. Como se observa da redação do dispositivo legal, busca-se tutelar o direito de propriedade do credor, que poderá retomar a posse do bem, sem se submeter aos efeitos da recuperação judicial, salvo algumas restrições que podem lhe ser impostas se os bens forem essenciais à atividade. Diante disso, é possível concluir que o que diferencia o credor garantido por alienação fiduciária dos demais credores é a propriedade do bem alienado em garantia. Assim, é o objeto da garantia que traça os limites da extraconcursalidade do crédito. Em outras palavras, se a alienação do bem dado em garantia for suficiente para quitar o débito, extingue-se a obrigação. Por outro lado, se o valor apurado com a venda do bem não for bastante para extinguir a obrigação, o restante do crédito em aberto não mais poderá ser exigido fora da recuperação judicial do devedor, pois não mais existirá a característica que diferenciava o credor titular da posição de proprietário fiduciário dos demais. Portanto, o crédito do titular da posição de credor fiduciário será extraconcursal no limite do bem dado em garantia, sobre o qual se estabelece a propriedade resolúvel.
Inexistência de interesse processual do alimentante para exigir contas do guardião do alimentando
Conforme estabelecido nos arts. 1.583, § 5º, e 1.589, do CC de 2002, ao genitor que não detém a guarda do filho é garantido o direito de fiscalizar o cumprimento, pelo outro genitor, dos aspectos pessoais e econômicos da guarda, como a educação, a saúde física e psicológica, o lazer e o desenvolvimento de modo geral do filho, o que refoge ao verdadeiro objeto da ação de prestação de contas. A possibilidade de se buscar informações a respeito do bem-estar do filho e da boa aplicação dos recursos devidos a título de alimentos em nada se comunica com o dever de entregar uma planilha aritmética de gastos ao alimentante, que não é credor de nada. O procedimento especial da ação de prestação de contas está previsto nos artigos 914 a 919 do Código de Processo Civil de 1973 e nos arts. 550 a 553 do Código de Processo Civil de 2015, que preveem, nesse caso, apenas a ação de exigir contas. Tal rito faculta àquele que detiver o direito de exigir contas de terceiro ou, ainda, a obrigação de prestá-las, a utilização do rito específico para averiguação de eventual crédito ou até mesmo de débito. Em outras palavras, a referida ação pode ser proposta por quem deveria receber um balanço da administração de bens alheios, mas não a recebeu, bem como por aquele que as deveria prestar a outrem, porém se negou a fazê-lo. A ação de alimentos apresenta peculiariedades que se dissociam da lógica da ação de prestação de contas. A verba alimentar, uma vez transferida ao alimentante, ingressa definitivamente no patrimônio do alimentando. O detentor da guarda tem, indubitavelmente, o dever de utilizar o montante da melhor forma possível em favor do beneficiário. Contudo, ainda que se discorde da aplicação dos recursos, não há falar em devolução da quantia utilizada pelo credor, ante o princípio da irrepetibilidade que norteia as regras do direito de família, em especial, com relação aos alimentos. Por outro lado, o suposto direito de exigir o adequado emprego dos valores repassados pressuporia a análise da utilização matemática da pensão alimentícia, o que não é plausível. Ademais, seria imprescindível analisar todas as circunstâncias fáticas acerca da qualidade de vida do alimentando, consoante a condição social e econômica da família de forma global, o que não se coaduna com os fundamentos lógicos e jurídicos da ação de prestação de contas. Há presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros. Excepcionalmente, admite-se o ajuizamento de ação revisional ou ação de modificação da guarda ou suspensão do poder familiar, quando presente a suspeita de abuso de direito no exercício desse poder. Não se está a negar a possibilidade do abuso do direito (art. 187 do Código Civil de 2002) no Direito de Família, especialmente no que tange ao desvio ou má gestão da verba alimentar destinada à prole. Todavia, existindo a intenção de prejudicar os filhos por meio de temerária administração dos alimentos é necessário que se acione o judiciário para a avaliação concreta do melhor interesse da criança ou adolescente, num contexto global. Permitir ações de prestação de contas significaria incentivar ações infindáveis e muitas vezes infundadas acerca de possível malversação dos alimentos, alternativa não plausível e pouco eficaz no Direito de Família. Dessa forma, eventual desconfiança sobre tais informações, em especial do destino dos alimentos que paga, não se resolve por meio de planilha ou balancetes pormenorizadamente postos, de forma matemática e objetiva, mas com ampla análise de quem subjetivamente detém melhores condições para manter e criar uma criança em um ambiente saudável, seguro e feliz, garantindo-lhe a dignidade tão essencial no ambiente familiar.