Inaplicabilidade do art. 21 do Marco Civil da Internet à nudez comercial não autorizada
Inicialmente cumpre salientar que que o caso analisado não retrata a hipótese de divulgação não autorizada de imagens ou vídeos com cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, a atrair a exceção à reserva de jurisdição estabelecida no art. 21 do Marco Civil da Internet. Tampouco o objeto da demanda, consiste, primordialmente, na proteção de direito personalíssimo, mas sim, diretamente, no ressarcimento pelos alegados prejuízos decorrentes da divulgação, por terceiros, sem a sua autorização, das imagens com conteúdo íntimo licenciadas comercialmente. De plano, registre-se que o art. 21 do Marco Civil da internet traz exceção à regra de reserva da jurisdição estabelecida no art. 19 do mesmo diploma legal, a fim de impor ao provedor, de imediato, a exclusão, em sua plataforma, da chamada "pornografia de vingança" - que, por definição, ostenta conteúdo produzido em caráter particular -, bem como de toda reprodução de nudez ou de ato sexual privado, divulgado sem o consentimento da pessoa reproduzida. Há, dado o caráter absolutamente privado em que este material foi confeccionado (independentemente do conhecimento ou do consentimento da pessoa ali reproduzida quando de sua produção), uma exposição profundamente invasiva e lesiva, de modo indelével, à intimidade da pessoa retratada, o que justifica sua pronta exclusão da plataforma, a requerimento da pessoa prejudicada, independentemente de determinação judicial para tanto. Como se constata, o art. 21 do Marco Civil da Internet refere-se especificamente à divulgação não autorizada de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado. Ademais, o dispositivo legal exige, de modo expresso e objetivo, que o conteúdo íntimo, divulgado sem autorização, seja produzido em "caráter privado", ou seja, de modo absolutamente reservado, íntimo e privativo, advindo, daí sua natureza particular. É dizer, o preceito legal tem por propósito proteger/impedir a disponibilização, na rede mundial de computadores, de conteúdo íntimo produzido em caráter privado, sem autorização da pessoa reproduzida, independentemente da motivação do agente infrator. Não é, portanto, a divulgação não autorizada de todo e qualquer material de nudez ou de conteúdo sexual que atrai a regra do art. 21, mas apenas e necessariamente aquele que apresenta, intrinsecamente, uma natureza privada, cabendo ao intérprete, nas mais variadas hipóteses que a vida moderna apresenta, determinar o seu exato alcance. É indiscutível que a nudez e os atos de conteúdo sexuais são inerentes à intimidade das pessoas e, justamente por isso, dão-se, em regra e na maioria dos casos, de modo reservado, particular e privativo. Todavia - e a exceção existe justamente para confirmar a regra - nem sempre o conteúdo íntimo, reproduzido em fotos, vídeos e outro material, apresenta a referida natureza privada. Deste modo, as imagens de nudez, produzidas e cedidas para fins comerciais - absolutamente lícitos -, não ostentam natureza privada, objeto de resguardo do art. 21 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). Registra-se que a proteção a essas imagens de nudez, cujo conteúdo íntimo não foi produzido em caráter privado, deve se dar segundo os ditames do art. 19, que estabelece a responsabilização do provedor, caso, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, nos limites técnicos do seu serviço, tornar indisponível o conteúdo apontando.
Cômputo de prisão cautelar anterior no indulto do Decreto 9.246-2017
Inicialmente, ressalta-se a existência de jurisprudência desta Corte Superior de Justiça no sentido de que "[...] o período ao qual o Decreto Presidencial se refere para fins de indulto é aquele [que] corresponde à prisão pena, não se alinhando para o preenchimento do requisito objetivo aquele alusivo ao da detração penal, no qual se está diante de constrição por medida cautelar." (HC 534.826/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 14/02/2020). Verifica-se, todavia, que todos os julgados que adotam tal compreensão espelham a conclusão proferida no julgamento do REsp 1.557.408/DF, da relatoria da Min. Maria Thereza de Assis Moura, publicado no DJe 24/02/2016, quando se chegou à conclusão de que "o instituto da detração não pode tangenciar o benefício do indulto porque, enquanto o período compreendido entre a publicação do Decreto Presidencial e a decisão que reconhece o indulto, decretando-se a extinção da punibilidade do agente, refere-se à uma prisão pena, a detração somente se opera em relação à medida cautelar, o que impede a sua aplicação no referido período". Portanto, no mencionado julgado, a questão controvertida dizia respeito à possibilidade, ou não, de "aplicar o instituto da detração ao período compreendido entre a publicação do Decreto Presidencial que concede o indulto pleno e a sentença que extingue a punibilidade no caso concreto". Daí correta, para o relatado panorama jurídico, a decisão a que chegou a Sexta Turma segundo a qual "o instituto da detração não pode tangenciar o benefício do indulto porque, enquanto o período compreendido entre a publicação do Decreto Presidencial e a decisão que reconhece o indulto, decretando-se a extinção da punibilidade do agente, refere-se à uma prisão pena, a detração somente se opera em relação à medida cautelar, o que impede a sua aplicação no referido período". Isto é, naquela ocasião, escorreita a decisão que afastou a pretensão de criação de um "crédito penal" para fins de desconto em outras execuções, tendo em vista que o ato de clemência estatal formalizado através do indulto, em regra, produzirá efeitos somente a partir da avaliação do preenchimento dos requisitos pelo Juiz da Execução Penal. Nesse contexto, a pena cumprida no lapso temporal compreendido entre a publicação do Decreto de indulto e a decisão judicial concessiva não é capaz de ensejar o cômputo para fins de detração futura, haja vista que configura cumprimento regular da pena objeto da condenação transitada em julgado e, por tal motivo, não pode ser tida como excessiva ou desnecessária. Contudo, neste caso, a matéria controvertida é de natureza distinta. Isso porque se está a perquirir se é possível, para fins de considerar-se o tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade necessário a concessão do indulto previsto no Decreto n. 9.246/2017, agregar também o tempo de prisão provisória anterior a que esteve submetido o apenado, cuja condenação transitou em julgado antes da publicação do referido Decreto. A partir da leitura do comando normativo insculpido no art. 42 do Código Penal, no inciso I do art. 1º e no inciso I do art. 8º, ambos do Decreto n. 9.246/2017, não se constata nenhum impedimento expresso para que o tempo de prisão provisória anterior seja computado com o fim de aferir o requisito temporal necessário à concessão do indulto em tela, não sendo condizente com o bom direito, nessa hipótese, a interpretação extensiva para restringir a concessão da benesse. Portanto, para fins de concessão do indulto previsto no Decreto Presidencial n. 9.246/2017, pode ser computado o tempo de prisão cautelar cumprido anteriormente à sua publicação, cuja condenação tenha transitado em julgado também antes do referido Decreto.
Concurso de pessoas no porte de arma de fogo na modalidade transportar
No caso, o Tribunal de origem entendeu não ser possível a condenação pela prática do delito previsto no art. 16, caput, da Lei n. 10.826/2003, pois o réu não foi flagrado realizando o transporte direto do armamento. Contudo, deve-se destacar que o crime de porte de arma de fogo, seja de uso permitido ou restrito, na modalidade transportar, admite participação, de modo que praticam os referidos delitos não apenas aqueles que realizam diretamente o núcleo penal transportar, mas todos aqueles que concorreram material ou intelectualmente para esse transporte. Aplica-se, portanto, o disposto no art. 29 do Código Penal, expressamente invocado na inicial acusatória, segundo o qual: "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade". Desse modo, ainda que o acusado não estivesse realizando diretamente o transporte das munições descritas na denúncia, é possível a sua condenação pelo referido delito, caso comprovada a sua participação nos fatos.
Dever do provedor de internet de guardar registros de patrocínio de links por seis meses
Inicialmente cumpre salientar que o art. 22 do Marco Civil da Internet autoriza, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, a requisição judicial de registros de conexão ou de acesso daquele responsável pela guarda dos referidos dados. Assim, qualquer indivíduo que tenha sido lesado por ato praticado via internet poderá demandar o provedor respectivo para obter os referidos dados. Nessa esteira de intelecção, importa consignar que o fornecimento dos registros pleiteados deverá respeitar os prazos previstos nos arts. 13 e 15 do Marco Civil da Internet para a guarda dos referidos dados pelos provedores, isto é, 1 (um) ano para os registros de conexão e 6 (seis) meses para os registros de acesso a aplicações de internet contados da data do fato ou evento a que se refere o registro. Assim, é seguro afirmar que, nas hipóteses em que se pleiteia a obtenção de registros relativos à determinado período de tempo, não se revela razoável, tampouco lícito, que os provedores, após o ajuizamento da ação, se desfaçam dos referidos dados, sejam estes anteriores ou posteriores à demanda. Em se tratando, especificamente de patrocínio de links em serviços de busca na internet relacionados à determinada expressão, deve-se ter presente que tal funcionalidade opera em lógica substancialmente diversa daquela referente às tradicionais postagens em redes sociais. De fato, observa-se que, na hipótese de patrocínio de links, a contratação do serviço ocorre por determinado lapso temporal, motivo pelo qual o fato que dá origem ao registro respectivo protrai-se no tempo. Em outras palavras, dúvida não há de que, em se tratando de publicações em redes sociais, o prazo de 6 (seis) meses de guarda do registro é contado da data do fato, isto é, da data da própria publicação. No entanto, na hipótese de patrocínio de links em serviços de busca, a contratação da ferramenta ocorre em momento certo e determinado, mas o serviço disponibilizado pelo provedor estende-se por todo o período contratado, isto é, por dias, meses ou anos. Dessa forma, para resguardar a privacidade dos usuários e, ao mesmo tempo, garantir a responsabilização por eventuais danos causados a terceiros, os registros relativos ao patrocínio de links em serviços de busca deverão permanecer armazenados pelo período de 6 (seis) meses contados do fim do patrocínio - e não da data da contratação -, período em que os que se sentirem prejudicados poderão pleitear o recebimento dos registros relativos ao serviço para instruir possíveis demandas em face de eventuais responsáveis. De fato, se o referido prazo fosse contado da data da contratação, naquelas hipóteses em que o patrocínio perdurasse por período superior ao prazo de 6 (seis) meses, estaria criada situação ilógica e desarrazoada em que o patrocínio do link estaria em pleno vigor sem a possibilidade de se obter os registros a ele relativos por já haver transcorrido o referido prazo de guarda. Assim, diante da obrigação legal de guarda de registros de conexão e de acesso a aplicações de internet , não há como afastar, desde que preenchidos os requisitos legais, a possibilidade jurídica de obrigar os provedores ao fornecimento dos nomes ou domínios das sociedades empresárias que patrocinam links na ferramenta "Google AdWords" relacionados à determinada expressão utilizada de forma isolada ou conjunta, pois tal medida representa mero desdobramento daquelas obrigações.
Multa por descumprimento do prazo de reexportação na admissão temporária: base no valor aduaneiro
No caso analisado, ficou afastada a incidência da multa prevista no art. 709, do Decreto n. 6.759/2009 (RA-2009) e no art. 72, I, da Lei n. 10.833/2003. O argumento do contribuinte é pela especialidade e, portanto, vigência do art. 106, inciso II, "b", do Decreto-Lei n. 37/1966, que calcula a multa tendo por base de cálculo o valor da diferença do tributo devido e não por sobre o valor aduaneiro da mercadoria, como estabelece a legislação mais moderna. Interpretando os textos legais, disse a Corte de origem que: "[...] o regramento trazido pelo art. 72, I, da Lei 10.833/03 claramente trata sobre a mesma matéria disposta no art. 106, II, b, do Decreto-Lei 37/1966, englobando a situação de não retorno ao exterior de bem importado sob o regime especial de admissão temporária". Não há qualquer reparo a fazer a esta interpretação, que inclusive é a interpretação dada pelo próprio art. 709, do Decreto n. 6.759/2009 (RA-2009). Com efeito, não há especialidade possível do art. 106, inciso II, "b", do Decreto-Lei n. 37/1966 frente ao art. 72, I, da Lei n. 10.833/2003, isto porque este último se refere também especificamente ao descumprimento de prazos dentro do regime aduaneiro especial de admissão temporária, que é justamente a matéria daqueloutro. Aliás o prazo para reexportação é justamente o núcleo do regime de admissão temporária, excluir do bojo do art. 72, I, da Lei n. 10.833/2003 justamente este prazo é esvaziar de todo o dispositivo. Sendo assim, aplica-se o art. 2º, §1º, do Decreto-Lei n. 4.657/1942 (LINDB) que estabelece: "§ 1o A lei posterior revoga a anterior [...], quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior". Lícito, portanto, art. 709, do Decreto n. 6.759/2009 (RA-2009) e o ADI/SRF n. 4/2004, que declaram tal revogação.