Cobrança por uso de faixa de domínio rodoviária entre concessionárias com previsão editalícia e contratual
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema n. 261 de repercussão geral, concluiu pela impossibilidade de o ente público realizar cobrança de taxa pelo uso de espaços públicos municipais por parte das concessionárias de serviço público. Dessa forma, a Suprema Corte possui orientação consolidada segundo a qual é vedada a cobrança de valores ao concessionário de serviço público pelo uso de faixas de domínio de rodovia quando tal exigência emana do próprio Poder Concedente, tendo em vista que: a) a utilização, nesse caso, se reverte em favor da sociedade - razão pela qual não cabe a fixação de preço público; e b) a natureza do valor cobrado não é de taxa, pois não há serviço público prestado ou poder de polícia exercido. No entanto, situação distinta exsurge quando o poder concedente autoriza concessionária de serviço público, com base no art. 11 da Lei n. 8.987/1995, a efetuar cobrança pela utilização de faixas de domínio de rodovia, mesmo em face de outra concessionária, desde que haja previsão editalícia e contratual. Essa obrigação "(...) envolve justificativas importantes no contexto do interesse público, haja vista que a previsão de outras fontes, receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, em benefício do concessionário do serviço público - nos termos do art. 11 da Lei n. 8.987/1995 - desde que devidamente previstas no edital de licitação e no respectivo contrato firmado com o poder concedente, encerra elemento a ser considerado no equilíbrio econômico-financeiro contratual e na obtenção do princípio da modicidade tarifária" (AREsp 977.205/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 19.04.2018, DJe 25.04.2018). No caso, a cobrança não abrange ente da Federação, mas conflito entre concessionárias de serviço público com previsão editalícia e contratual da cobrança de remuneração pelo uso das faixas de domínio. Assim, o entendimento fixado no Recurso Extraordinário 581.947/RO (Tema 261/STF), segundo o qual os entes da federação não podem cobrar retribuição pecuniária pela utilização de vias públicas, inclusive solo, subsolo e espaço aéreo, para a instalação de equipamentos destinados à prestação de serviço público, não impede que concessionárias de rodovias realizem tal exigência pela utilização das faixas de domínio, nos termos do art. 11 da Lei n. 8.987/1995, desde que tal exação seja autorizada pelo poder concedente e esteja expressamente prevista no contrato de concessão, porquanto não houve discussão sobre esta hipótese. Esse distinguishing, por seu turno, foi realizado no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial 985.695/RJ, apreciados pela Primeira Seção. Tal orientação vem sendo replicada em inúmeras decisões desta Corte, autorizando-se o poder concedente a prever, no edital de licitação e em favor da concessionária, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, para favorecer a modicidade das tarifas, na forma do art. 11 da Lei n. 8.987/1995.
Revogação da contravenção de perturbação da tranquilidade não implica abolitio criminis geral
De início, convém analisar a Lei n. 14.132, de 31 de março de 2021, a qual acrescentou o art. 147-A ao Código Penal, para prever o crime de perseguição, conhecido como stalking, e revogou o art. 65 da Lei das Contravenções Penais. Segundo o art. 147-A do Código Penal, constitui crime "perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade". A pena é de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa. Como já dito, a par de criar um novo tipo penal, a Lei n. 14.132/2021 revogou expressamente o artigo 65 da Lei das Contravenções Penais, cuja redação era a seguinte: "Artigo 65 - Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena - prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa". Com efeito, a revogação da contravenção de perturbação da tranquilidade pela Lei n. 14.132/2021, não significa que tenha ocorrido abolitio criminis em relação a todos os fatos que estavam enquadrados na referida infração penal. De fato, a parte final do art. 147-A do Código Penal prevê a conduta de perseguir alguém, reiteradamente, por qualquer meio e "de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade", circunstância que, a toda evidência, já estava contida na ação de "molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável", quando cometida de forma reiterada, porquanto a tutela da liberdade também abrange a tranquilidade. No caso, está consignado que o acusado, mesmo depois de processado e condenado em primeira instância pelo mesmo crime (art. 65 da LCP), cometido contra a mesma vítima, voltou a tentar contato ao lhe enviar três e-mails e um presente. Assim, considerando que o comportamento é reiterado - ação que, no momento atual, está contida no art. 147-A do Código Penal, em razão do princípio da continuidade normativo-típica -, de rigor, no caso, a incidência da lei anterior mais benéfica (art. 65 do Decreto Lei n. 3.688/1941).
Ausência de legitimidade do Ministério Público para execução coletiva de direitos individuais homogêneos
Inicialmente, cumpre salientar que os direitos individuais homogêneos, por sua própria natureza, comportam execução individual na fase de cumprimento de sentença, conforme previsto no art. 97 do CDC. Além da execução individual, surgem ainda duas outras possibilidades, a execução "coletiva" do art. 98, e a execução residual (fluid recovery) prevista no art. 100, ambos do CDC. Embora o art. 98 do CDC faça referência aos legitimados elencados no art. 82 do CDC, cumpre observar que, na fase de execução da sentença coletiva, a cognição judicial se limita à função de identificar o beneficiário do direito reconhecido na sentença (cui debeatur) e a extensão individual desse direito (quantum debeatur), pois, nessa fase processual, a controvérsia acerca do núcleo de homogeneidade do direito já se encontra superada. Essa particularidade da fase de execução constitui óbice à atuação do Ministério Público na promoção da execução coletiva, pois o interesse social, que justificaria a atuação do parquet, à luz do art. 129, inciso III, da Constituição Federal, está vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito, sobre o qual não se controverte na fase de execução. Segundo a doutrina, "a legitimidade do Ministério Público fica reservada para as hipóteses de direitos difusos ou de direitos coletivos em sentido estrito ou, subsidiariamente, para a hipótese de 'coletivização' do resultado do processo, o que se dá quando a quantidade de habilitações individuais é inexpressiva (art. 100 do Código de Defesa do Consumidor). Essa excepcionalíssima hipótese, em que admitimos a legitimidade do Ministério Público em causas que versem direitos individuais homogêneos, decorre justamente dessa nova destinação do resultado concreto da ação". Nessa linha de entendimento, impõe-se declarar a ilegitimidade ativa do Ministério Público para o pedido de cumprimento da sentença coletiva, sem prejuízo da legitimidade para a execução residual prevista no art. 100 do CDC.
Perda total no seguro indenização integral condicionada à inexistência de subseguro no sinistro
Cumpre salientar que, segundo a doutrina, a indenização a ser recebida pelo segurado, no caso da consumação do risco provocador do sinistro, deve corresponder ao real prejuízo do interesse segurado. Há de ser apurado por perícia técnica o alcance do dano. O limite máximo é o da garantia fixada na apólice. Se os prejuízos forem menores do que o limite máximo fixado na apólice, o segurador só está obrigado a pagar o que realmente aconteceu. Se a própria lei estabelece que a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato (art. 778 do CC/2002), e se o valor do bem segurado corresponde, de ordinário, ao valor da apólice (uma vez que de outra forma não se teria uma reparação efetiva do prejuízo sofrido, escopo maior do contrato de seguro), parece lícito admitir que a indenização deva ser paga pelo valor integral da apólice na hipótese de perecimento integral do bem. Mas essa assertiva precisa ser tomada com bastante cautela. Isso porque o art. 781 do CC/2002, inovando em relação aos art. 1.437 do CC/16 e 778 do CC/2002, e prestigiando ainda mais o princípio indenitário, afirmou que o valor da coisa segurada, que servirá de teto para a indenização, deve ser aferido no momento do sinistro. Assim, o valor da coisa no momento da celebração do negócio (que corresponde de ordinário ao valor da própria apólice) serve apenas como um primeiro limite para a indenização securitária, uma vez que a garantia contratada não pode ultrapassar esse montante. Como segundo limite apresenta-se o valor do bem segurado no momento do sinistro, pois é esse valor que reflete, de fato, o prejuízo sofrido pelo segurado em caso de destruição do bem. Vale mencionar que a regra contida na primeira parte do art. 781 do CC/2002, tem em vista a variação na expressão econômica do interesse segurado ao longo do tempo. Deste modo, pode ocorrer variação no valor do interesse segurado. Tal circunstância deve ser considerada para que o sinistro não resulte em fonte de lucro para o segurado, ou, ao contrário, em fonte de prejuízo.
Participação e voto do promissário comprador em assembleias condominiais com posse e ciência do condomínio
Cinge-se a controvérsia a definir se o adquirente de unidade imobiliária em condomínio, portador de promessa de compra e venda sem averbação no registro de imóveis, tem direito de voto na condominial. O art. 1.335 do Código Civil de 2002 estabelece o direito do condômino de usar, fruir e livremente dispor da sua unidade imobiliária, de utilizar-se das partes comuns e de votar nas deliberações das assembleias. Para a última hipótese, exige-se que esteja adimplente com o pagamento das despesas condominiais. Nesse contexto, não há dúvidas de que o proprietário da unidade imobiliária pode exercer o direito de voto, permitindo-lhe que constitua procurador com poderes específicos para representá-lo na assembleia condominial. A par disso, o art. 9º da Lei n. 4.591/1964 prescreve que "os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção de condomínio (...)". Ademais, o art. 1.334 do CC/2002, ao disciplinar as cláusulas obrigatórias da convenção condominial, também dispõe que são "equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas." Com base nos referidos dispositivos, verifica-se que os promissários compradores têm, em regra, legitimidade para participar das assembleias - ordinária ou extraordinária -, haja vista que são equiparados aos respectivos proprietários. Por mais que não tenham efetivamente a propriedade do bem, que somente ocorrerá com o registro imobiliário da escritura pública, detêm um título que, a princípio, obriga as partes negociantes em relação a determinada unidade imobiliária. Para tanto, importa inicialmente que seja estabelecida a relação jurídica de direito material entre as partes em relação ao imóvel, com a celebração do compromisso de compra e venda que confirme a obrigação e a intenção de alienar o referido bem. Todavia, para que o promissário comprador tenha a legitimidade de votar em assembleia condominial, também há a necessidade de imissão na posse do imóvel, visto que é partir desse momento que ele também terá o dever de arcar com as despesas condominiais, instituindo, assim, a referida relação jurídica entre condômino e condomínio. Ou seja, o compromisso de compra e venda firma a mera vinculação negocial entre as partes contratantes, mas é somente a partir da imissão na posse na unidade imobiliária que será concretizada a relação do promissário comprador com o condomínio, independentemente de o contrato estar registrado Cartório de Imóveis. Portanto, para a jurisprudência desta Corte, inclusive firmada no julgamento de recurso especial repetitivo (Tema n. 886), o que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação (REsp 1.345.331/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 8/4/2015, DJe 20/4/2015). Além disso, o condomínio precisa ser cientificado da transação e da imissão na posse, com vistas a cumprir a vontade formalizada pelas partes. Se tal comunicação for feita pelo promissário comprador, nada impede que o condomínio notifique o promitente vendedor se houver dúvida razoável acerca do contrato ou simplesmente para confirmar a realização do negócio. Dessa forma, o promissário comprador, a partir da ciência do condomínio acerca do compromisso de compra e venda e da imissão na posse da unidade imobiliária, tem o direito de participar e de votar nas assembleias.