Início do prazo prescricional do segurado contra seguradora com ciência da negativa de cobertura
A prescrição tem como termo inicial do transcurso do seu prazo o nascimento da pretensão (teoria da actio nata). Somente a partir do instante em que o titular do direito pode exigir a sua satisfação é que se revela lógico imputar-lhe eventual inércia em ver satisfeito o seu interesse. Com relação aos seguros em geral, na vigência do CC/1916, a Segunda Seção assentou a tese de que não poderia transcorrer prazo prescricional algum enquanto a seguradora não decidisse o pleito indenizatório endereçado a ela pelo segurado. Editou-se, assim, o enunciado da Súmula 229: "o pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão". Todavia, ainda na vigência desse diploma civilista, passou a jurisprudência do STJ a perfilhar a tese segundo a qual o termo inicial do prazo prescricional seria o momento da recusa de cobertura pela seguradora, ao fundamento de que só então nasceria a pretensão do segurado em face da seguradora. Com o advento do CC/2002, alterou-se a redação da alínea "b" do II do § 1º do art. 206, estabelecendo como termo inicial do prazo prescricional a data da ciência do "fato gerador da pretensão". A interpretação desse dispositivo em conjunto com o estabelecido no art. 771 do mesmo diploma legal conduz à conclusão de que, antes da regulação do sinistro e da recusa de cobertura nada pode exigir o segurado do segurador, motivo pelo qual não se pode considerar iniciado o transcurso do prazo prescricional tão somente com a ciência do sinistro. Por essa razão, é, em regra, a ciência do segurado acerca da recusa da cobertura securitária pelo segurador que representa o "fato gerador da pretensão".
Lei estadual específica é requisito para adiar ou suspender exigibilidade de tributos estaduais parcelados
Trata-se de pedido de suspensão temporária do vencimento e da postergação do prazo de pagamento das prestações dos parcelamentos de tributos estaduais até o fim do estado de calamidade pública decorrente da pandemia causada pela Covid-19. Na origem, a parte invocou a Portaria 12, de 20/01/2012, do Ministério da Fazenda, que prorrogou o prazo para pagamento de tributos federais e dos parcelamentos, para contribuintes domiciliados em municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, bem como a Portaria da Receita Federal do Brasil 218, de 05/02/2020, que tomou igual medida quanto a contribuintes domiciliados em Municípios do Espírito Santo, em relação aos quais fora declarado estado de calamidade pública por decreto estadual. Sustentou ofensa ao princípio da isonomia, porquanto a resolução do Conselho Gestor do Simples Nacional 152/2020 desonerou dos pagamentos de parcelamentos as empresas integrantes do Simples Nacional, e que a Resolução PGE/RJ 4.532/2020 tomou igual providência quanto aos tributos estaduais. Conquanto se reconheça os efeitos negativos da pandemia na atividade econômica, o STF já decidiu, enfrentando pretensão análoga à presente, que a intervenção do Poder Judiciário na esfera de discricionariedade de uma escolha política deve cingir-se ao exame de legalidade e constitucionalidade, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos Poderes, tendo em vista que não cabe ao juiz agir como legislador positivo e que o Supremo Tribunal Federal já afastou a possibilidade de concessão de moratória pela via judicial (STF, ARE 1.307.729 AgR/SP, Rel. Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 07/05/2021). Recentemente, o plenário do STF assentou que, "em tempos de pandemia, os inevitáveis conflitos entre particulares e o Estado, decorrentes da adoção de providências tendentes a combatê-la, devem ser equacionados pela tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, sempre tendo por norte que não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado. A suspensão da exigibilidade de tributos, ainda que parcial, e a dilação dos prazos para seu pagamento impostos por decisões judiciais implicam a desarticulação da gestão da política tributária estatal e acarretam sério risco de lesão à ordem e à economia públicas" (STF, SS 5.363 AgR/SP, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe de 29/10/2020). Assim, à falta de legislação estadual específica que conceda o direito à postergação do vencimento de tributos ou à suspensão da exigibilidade das prestações dos parcelamentos, não há como se estender os efeitos de normas aplicáveis no âmbito dos tributos federais ou do Simples Nacional, ou mesmo benefícios concedidos por outro Estado da Federação.
Validade de acordo parcial em separação judicial cumulada com pedido indenizatório
Cinge-se a controvérsia à configuração nos casos de separação judicial cumulada com pedido condenatório de renúncia tácita a direito de ação ou à perda superveniente do interesse de agir, a obstar o prosseguimento do feito quanto ao pedido condenatório (indenizatório), diante da autocomposição, mesmo sendo parcial, celebrada por ocasião da audiência de conciliação. Em atenção ao sistema normativo vigente por ocasião da sentença e do acórdão recorrido (Código de Processo Civil de 1973), observa-se que a renúncia ao direito consubstanciaria a própria resolução de mérito do pedido e não o reconhecimento da ausência de interesse de agir. Destaca-se que, enquanto instrumento de declaração ou renúncia a direitos, a transação deve ser interpretada de forma restritiva, o que vai ao encontro, aliás, do vetor hermenêutico consubstanciado no artigo 114 do Código Civil, in verbis: os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. No particular, assinala-se que a demanda subjacente ao recurso especial, assim como a autocomposição celebrada, deu-se em momento anterior à Emenda Constitucional n. 66/2010, a qual introduziu o divórcio direto e, de forma elogiável, mitigou a necessidade de interferência estatal na esfera familiar, possibilitado a concretização, pelos cônjuges, de sua autonomia privada. Conforme dispunha o vigente artigo 1.123 do CPC/1973, é lícito às partes, a qualquer tempo, no curso da separação judicial, requererem a conversão em separação consensual [...], sem que isso implique renúncia ou perda de interesse de agir em relação a pretensões conexas, decorrentes do descumprimento de obrigações inerentes à sociedade conjugal, mormente nas hipóteses em que igualmente consubstanciam grave lesão a direito de personalidade. No caso, nada obstante tenha a parte autora, ao entabular acordo, transmudado a natureza da demanda, no que se refere à separação - de litigiosa para consensual -, com o acertamento dos demais pedidos decorrentes (guarda, visitas), em nenhum momento declarou expressamente desistência ou renúncia ao direito em que fundamentado o pedido condenatório. Adotar a interpretação ampliativa implica um cerceamento ao exercício do direito de ação titularizado pela parte autora, ao subtrair sua autonomia, exercida por ocasião da celebração da autocomposição. De fato, legitimar-se-ia, indevidamente, o condicionamento entre a pronta separação judicial à própria renúncia ao direito de ação pertinente aos danos morais e patrimoniais, decorrentes da conduta imputada ao requerido, cônjuge varão. Ademais, a manutenção desse entendimento, com a ampliação dos termos da transação, entendendo-se pela renúncia de direito não indicado, poderia implicar um desestímulo à autocomposição, na medida em que causaria certa insegurança jurídica no que concerne aos limites daquilo que fora acordado e as interpretações judiciais decorrentes. Assim, a circunstância de ter sido celebrado acordo no que tange à separação, aos alimentos, visitas e guarda da prole comum (resultado da transformação consensual do pedido original de separação judicial), não impede a apreciação judicial das demais pretensões inicialmente deduzidas, neste caso, de cunho condenatório.
Plano de saúde: reembolso tabelado por atendimento fora da rede credenciada em tratamento coberto
Inicialmente, ressalta-se que a Terceira Turma recentemente remodelou a sua compreensão acerca do tema atinente ao ressarcimento do usuário pela utilização de serviços da rede não credenciada, estabelecendo, contudo, não o ressarcimento integral mas nos limites da tabela do plano de saúde contratado. Da ementa do mencionado julgado, extrai-se que "6. Se a operadora de plano de saúde é obrigada a ressarcir o SUS na hipótese de tratamento em hospital público, não há razão para deixar de reembolsar o próprio beneficiário que se utiliza dos serviços do hospital privado que não faz parte da sua rede credenciada. 7. O reembolso das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde deve ser permitido quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, sendo as hipóteses de urgência e emergência apenas exemplos (e não requisitos) dessa segurança contratual dada aos consumidores. (REsp 1.575.764/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07/05/2019, DJe 30/05/2019) Estabelece-se como norte hermenêutico para a interpretação da lei a inegável incidência do diploma consumerista à relação mantida entre beneficiário/usuário e operadora de plano de saúde (art. 35-G da Lei n. 9.656/1988), salvo aqueles de autogestão, que não é o caso. Nessa toada, em observância aos princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor, notadamente a boa-fé objetiva, que, inclusive, deve guiar a elaboração e a execução de todos os contratos, e a interpretação sempre em benefício do hipossuficiente, não se afigura razoável que na hipótese da enfermidade estar coberta pelo plano de saúde e de não ser possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, seja no limite do município ou fora da área de abrangência municipal, o reembolso das despesas realizadas pelo usuário somente possa se dar em caso de urgência ou emergência - em que pese seja essa a hipótese dos autos -, haja vista que se o tratamento da enfermidade é coberto pelo contrato mantido com a operadora, acaso houvessem profissionais e clínicas no limite geográfico da municipalidade estaria o plano obrigado a suportar, ao menos, a cobertura consoante contratado. Com base nessa assertiva, de que o tratamento da doença é coberto, abre-se ao usuário três possibilidades distintas com consequências bem definidas: a) fazer uso do SUS, oportunidade na qual o Estado demandará a operadora do reembolso integral, nos limites do contrato; b) deslocar-se para município ou área geográfica limítrofe e ser atendido por profissional ou clínica conveniada, tendo direito a traslado (ida e volta), nos termos da resolução de regência, e, em caso de descumprimento por parte da operadora (de fornecimento do traslado), terá o direito de ser reembolsado integralmente nos termos do artigo 9º da Resolução n. 268/2011 caso o beneficiário tenha sido obrigado a pagar os custos do atendimento e c) utilizar-se de profissionais/estabelecimentos não conveniados/referenciados pelo plano, seja no âmbito da extensão geográfica ou fora dela, ficando o ressarcimento limitado ao valor de tabela do plano contratado. Nessa última hipótese, não se cogita em violação ao equilíbrio atuarial da operadora - afinal está contratualmente obrigada ao tratamento da doença coberta -, mas em interpretação que a um só tempo mantém as estipulações pactuadas e garante ao usuário o atendimento de que necessita para o tratamento da enfermidade. A limitação de reembolso ao valor de tabela afasta qualquer possibilidade de enriquecimento indevido do usuário ao se utilizar de profissional ou hospital de referência que muitas vezes demandam altas somas pelo trabalho desempenhado. Assim, a limitação do reembolso ao usuário pelo preço de tabela, quando não for hipótese de descumprimento pela operadora de conceder traslado e demais benefícios, é medida que se impõe quando o usuário utilizar, para o tratamento de terapia coberta, os profissionais e estabelecimentos não credenciados, estejam eles dentro ou fora da área de abrangência do município/área geográfica e de estar ou não o paciente em situação de emergência/urgência.
Ilegalidade de limite métrico de área por ato regulamentar na radiodifusão comunitária
O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a União com o objetivo de ver afastadas certas restrições ao funcionamento das rádios comunitárias previstas em atos normativos infralegais, a saber: (i) área de execução do serviço limitada ao raio de 1.000 (mil) metros da antena transmissora; e (ii) exigência de comprovação de residência de seus dirigentes dentro dessa mesma área. Sustenta o Parquet, em síntese, que a Constituição Federal e a Lei n. 9.612/1998 não impuseram qualquer limitação métrica ao funcionamento das rádios comunitárias, bem assim no que importa à residência de seus dirigentes na comunidade abrangida pelo serviço - daí porque as exigências constantes apenas do Decreto n. 2.615/1998 e da Portaria n. 462 do Ministério das Comunicações não podem prevalecer. O ato normativo do Ministério das Comunicações que regulava a matéria no início da demanda era a Portaria n. 197/2013, que foi revogada pela Portaria n. 4.334/2015, a qual prevê, no art. 7º, caput e inciso X, que, "[p]ara os fins desta Portaria, considera-se: (...) área pretendida para prestação do serviço (área da comunidade atendida): a área limitada por um raio igual ou inferior a quatro mil metros a partir da antena transmissora; (Incluído pela Portaria n. 1.909, de 05.04.2018)". Ademais, quanto aos dirigentes, prevê o item XII do Anexo - II (Requerimento de Outorga - Radiofusão Comunitária), redação dada pela Portaria n. 1.909/2018, que deve ser declarado que "todos os dirigentes da entidade residem dentro da área pretendida para prestação do serviço, que corresponde à área limitada por um raio igual ou inferior a quatro mil metros a partir da antena transmissora (...)". Sobre o tema, verifica-se que a redação do parágrafo único do art. 7º da Lei n. 9.612/1998 não impõe qualquer restrição de ordem métrica estabelecida por Portaria do Ministério das Comunicações, limitando-se a determinar que "os dirigentes das fundações e sociedades civis autorizadas a explorar o Serviço deverão manter residência na área da comunidade atendida". Em suma, não há previsão legal impondo a residência dos dirigentes das rádios comunitárias na área de alcance da antena transmissora, bastando que esteja na mesma comunidade beneficiada pelo serviço.