Constitucionalidade da contribuição ao INCRA como CIDE após EC 33/2001
A Segunda Turma do STJ, com fundamento na jurisprudência firmada à época - no sentido da impossibilidade da cobrança da contribuição ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -INCRA, incidente sobre a folha de salários das empresas, a partir de setembro de 1989, em face de sua extinção, pelo art. 3º, § 1º, da Lei n. 7.787/1989 -, negou provimento ao Recurso Especial do INCRA, ensejando a interposição do Recurso Extraordinário. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 630.898/RS, em 8/4/2021, sob o regime de repercussão geral, firmou a compreensão no sentido de que "é constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao INCRA devida pelas empresas urbanas e rurais, inclusive após o advento da EC n. 33/2001". Como se vê, o STF, sob o regime de repercussão geral, concluiu que a contribuição destinada ao INCRA, incidente sobre a folha de salários, é devida também pelas empresas urbanas, mesmo após o advento da EC 33/2001, pelo que firmou entendimento de que não fora ela extinta, seja pela Lei n. 7.787/1989, seja pelas Leis n. 8.212/1991 e n. 8.213/1991, citando, inclusive, julgamento do STJ, de 2008, que concluiu que "resta inequívoca dessa evolução, constante do teor do voto, que: (a) a Lei n. 7.787/1989 só suprimiu a parcela de custeio do Prorural; (b) a Previdência Rural só foi extinta pela Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, com a unificação dos regimes de previdência; (c) entretanto, a parcela de 0,2% (zero vírgula dois por cento) - destinada ao INCRA - não foi extinta pela Lei n. 7.787/1989 e tampouco pela Lei n. 8.213/1891, como vinha sendo proclamado pela jurisprudência desta Corte".
Intimação pessoal para complementação de custas iniciais e alcance do art. 290 CPC
A Corte de origem concluiu que, por se tratar de ausência de complementação das custas iniciais, a hipótese não estaria enquadrada no art. 290 do Código de Processo Civil, que estabelece o prazo de 15 dias para o pagamento das custas e despesas após a intimação da parte autora na pessoa de seu advogado, sob pena de cancelamento da distribuição do feito. Fundamentou o acórdão recorrido tratar-se o presente caso de abandono da causa por falta de promoção de atos ou diligências próprias do autor do feito, devendo-lhe aplicar a previsão do § 1º do art. 485 do CPC, que prevê a intimação pessoal para oportunizar a regularização no prazo de 5 dias. O referido entendimento está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, que é assente quanto à necessidade de intimação pessoal do advogado no caso de recolhimento parcial das custas ou despesas iniciais, sendo prescindível apenas nos casos de ausência completa de recolhimento. Confira-se: "1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que a intimação pessoal do autor da ação é exigência apenas para a complementação das custas iniciais, de modo que, em relação às custas iniciais (em que não é feito recolhimento algum de custas processuais), aplica-se a regra estabelecida no art. 290 do CPC/2015 (correspondente ao art. 257 do CPC/1973). (...) (AgInt no REsp 1.842.026/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 29/11/2021, DJe de 1/12/2021)".
Incidência do ITBI e momento do fato gerador na aquisição de imóvel por FII
Discute-se sobre a incidência de Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) em Município sobre as operações de aquisição de imóveis para o patrimônio de Fundo de Investimento Imobiliário com emissão de novas quotas. A figura dos Fundos de Investimento Imobiliários é prevista na Lei n. 8.668/1993, que apresenta ao instituto algumas características peculiares. Segundo o referido diploma legal, o Fundo de Investimento Imobiliário é figura jurídica despersonificada, caracterizada pela comunhão de recursos para o fim específico de aplicação em empreendimentos imobiliários (art. 1°) e constituída sob a forma jurídica de condomínio fechado incidente sobre um patrimônio, o qual é distribuído aos quotistas, em frações, na medida de suas quotas individuais (títulos com natureza de valores mobiliários negociáveis no mercado) (arts. 2° e 3°). A administração e a gestão do fundo (condomínio) e de seu patrimônio são designadas à entidade com características específicas, que adquirirá, em nome do fundo e em caráter fiduciário, os bens e direitos inerentes à atividade (arts. 5° e 6°), os quais, somados aos seus frutos e rendimentos, não se confundem ou se comunicam com o patrimônio da administradora (art. 7°). Cabe à entidade administradora a gestão e a administração dos bens por ela adquiridos em caráter fiduciário em nome do condomínio, designando-se a ela a atribuição exclusiva de dispor diretamente deste patrimônio conforme o interesse do fundo (art. 8°). É o que se extrai da norma constante do art. 9° da Lei, que determina que a disposição dos bens e direitos integrantes do patrimônio do fundo, assim como a aquisição de novos bens a serem incorporados ao seu patrimônio, deve ser efetivada diretamente pela própria administradora. Dito isso, verifica-se que, embora os bens adquiridos à universalidade de bens e vinculados à atividade do fundo sejam de propriedade de cada um dos titulares das quotas do condomínio - os quais gozarão dos direitos a elas inerentes na medida de suas quotas individuais -, não podem estes quotistas exercer diretamente qualquer direito real sobre os imóveis e empreendimentos integrantes deste patrimônio (arts. 8° e 13, I). Anote-se, ainda, que a propriedade fiduciária averbada no registro do imóvel em nome da entidade administradora é apenas o meio jurídico pelo qual se instrumentaliza o exercício da atribuição designada pela lei à administradora do fundo. Nesse ponto, pode-se assumir a relação jurídica fiduciária firmada entre os quotistas do fundo e a administradora como uma relação jurídica fundada na confiança (fidúcia), com natureza de mandato oneroso (arts. 653 e 658, parágrafo único, do CC/2002 e art. 10, IV, da Lei n. 8.668/1993) e com algumas especificações, como o fato de se firmar ex lege (art. 5° da Lei n. 8.668/1993 e art. 657 do CC/2002), concedendo ao administrador poderes definidos na própria lei (art. 661 do CC/2002 e arts. 8°, 9°, 10, 11 e 12 da Lei n. 8.668/1993) e instrumentalizada pelo regulamento e pela obrigatória averbação no registro imobiliário da propriedade fiduciária (arts. 10 e 11, e §§, da Lei n. 8.668/1993 e art. 653, parte final, e 654 do CC/2002). A averbação da propriedade fiduciária sobre o bem imóvel identifica o negócio jurídico fiduciário firmado entre o condomínio de quotistas (o fundo) e a administradora, por determinação legal e sem natureza de garantia (art. 1.368-A do CC/2002), mas com a finalidade específica de instrumentalizar a administração e disposição dos bens e direitos dos titulares das quotas. Do exposto, no que interessa à controvérsia submetida ao julgamento, tem-se que a aquisição de imóvel para o patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário, operacionalizada pela emissão de novas quotas do condomínio e efetivada diretamente pela administradora do fundo, configura, a toda evidência, transferência a título oneroso de propriedade de imóvel, caracterizadora de fato gerador do ITBI na forma do art. 35 do CTN e 156, II, da Constituição Federal, ainda que instrumentalizada pela averbação da propriedade fiduciária em nome da administradora no registro imobiliário, momento em que se efetiva a obrigação tributária devida na operação.
Licitude do compartilhamento por cessão civil de direitos econômicos de atleta por entidade desportiva
A controvérsia busca definir a diferença entre direitos federativos e direitos econômicos e se o compartilhamento dos últimos por meio de cessão civil pela entidade de prática desportiva a terceiro importaria violação dos arts. 27-B, 27-C e 28, inciso II, da Lei n. 9.615/1998. Os direitos federativos estão relacionados ao vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva, acessório ao vínculo empregatício, e são constituídos com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, como dispõe o art. 28, § 5º, da Lei n. 9.615/1998. São indivisíveis, embora possam ser transferidos a título oneroso ou gratuito, na última hipótese, como ocorre nos casos de empréstimo de atletas, regulado pelo art. 39 da referida lei. Os direitos econômicos decorrem da obrigatoriedade de se estabelecer cláusula indenizatória nos contratos de trabalho desportivo, podendo tal cláusula ser juridicamente enquadrada como expectativa de direito. Não se nega que sejam as cláusulas indenizatória e compensatória desportivas devidas exclusivamente à entidade de prática desportiva ou ao atleta. O que ocorre é que esses direitos são tratados nessas operações como expectativa de direitos, em momento antecedente aos requisitos que os constituem como devidos, e que podem ou não ocorrer. Nesse aspecto, a negociação de tal expectativa de direitos se dará nas hipóteses do art. 28, I, "a", da Lei n. 9.615/1998, ou seja, quando houver transferência do atleta durante a vigência do contrato de trabalho desportivo, sendo denominada nesse mercado como "direitos econômicos". Ao tempo dos fatos, os chamados direitos econômicos eram negociados tanto com clubes como com investidores e outros interessados, em operações relativas à transferência do vínculo desportivo, mas que tinham por objeto o futuro e incerto recebimento da indenização prevista na cláusula indenizatória, obrigatória por força da lei para essa espécie de contrato de trabalho. Como o atleta e a nova entidade de prática desportiva empregadora são solidariamente responsáveis pelo pagamento da cláusula indenizatória desportiva, conforme § 2º do art. 28 da Lei n. 9.615/1998, o interesse em operações dessa natureza decorre exatamente do contexto do mercado envolvido. Os atletas originalmente vinculam-se desportivamente a entidades que realizam sua formação e, com o passar do tempo e o desenvolvimento de seus talentos, a expectativa de que a cláusula indenizatória alcance cifras expressivas torna a expectativa desse direito de recebê-la altamente atrativa aos clubes. Assim, embora os clubes sejam os titulares do direito ao recebimento dos valores previstos na cláusula indenizatória, o mercado desportivo organizou-se de modo a tornar a expectativa desse direito um ativo relevante e negociável. Evidente que a própria lógica do negócio parece desvirtuar a razão pela qual são previstas cláusulas indenizatórias. É dizer, o próprio clube supostamente prejudicado pelo descumprimento contratual é que na maioria das vezes negocia a transferência do vínculo federativo do atleta antes do término do contrato de trabalho e, por consequência, os direitos econômicos correspondentes. Ainda que atualmente esses negócios só possam ser entabulados entre entidades de prática desportiva, contexto diverso daquele existente na época da operação, o certo é que não há vedação legal à cessão de direitos econômicos. Portanto, no caso, a cessão de crédito sobre 10% (dez por cento) dos direitos econômicos relacionados com a operação, ou seja, percentual sobre a expectativa do valor que seria recebido a título de cláusula indenizatória em razão da transferência do vínculo desportivo do atleta para o clube estrangeiro continuou hígida, sendo válida e eficaz em relação ao clube recorrente, sem que se possa falar em violação dos arts. 27-B, 27-C e 28, inciso II, da Lei n. 9.615/1998.
Imposto de Renda à alíquota de 15% sobre multa rescisória em contrato de afretamento
O art. 1º, inciso I, da Lei n. 9.481/1997, ao dispor "sobre a incidência de imposto de renda na fonte sobre rendimentos de beneficiários residentes ou domiciliados no exterior", estabeleceu alíquota zero (0%) para o imposto de renda retido pela fonte pagadora, na hipótese de residentes ou domiciliados no exterior auferirem receitas decorrentes de afretamento de embarcações marítimas. A Lei n. 9.430/1996, por sua vez, ao tratar da tributação das multas, vantagens ou indenizações por rescisão de contrato, estabelece a incidência do imposto de renda com a alíquota de quinze por cento (15%), desde que não seja paga para fins de indenização trabalhista ou destinadas a reparar danos patrimoniais. Este último dispositivo veicula verdadeira norma antielisiva específica, o que se evidencia sobretudo pelo fato de que o legislador impôs a incidência do imposto inclusive se o beneficiário do pagamento for pessoa isenta, a menos que, na forma do § 5º, seja comprovado o caráter trabalhista ou de reparação de danos patrimoniais. O objetivo da norma é evitar que sejam embutidos no pagamento de contratos - principalmente os sujeitos à tributação privilegiada, outras despesas, a título de multas ou indenizações rescisórias, que não correspondam efetivamente à causa do contrato propriamente dito, isto é, à atividade ou serviço favorecidos pela ausência de tributação. Analisando os dispositivos em conflito, chega-se à conclusão de que sobre a multa por rescisão antecipada do contrato de afretamento deve mesmo incidir o imposto, à alíquota de 15%. Em primeiro lugar, porque a referida receita não integra o conceito de "receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos" de que trata a Lei n. 9.481/1997. De fato, nem toda receita prevista em um contrato de afretamento necessariamente se caracterizará como "receita de afretamento", sendo preciso avaliar sua pertinência e seu objeto no contexto contratual. No caso, não se trata de uma receita de afretamento, mas, sim, uma compensação obtida pela não realização integral de um afretamento, conforme inicialmente previsto. Ou seja, aquela receita da pessoa jurídica estrangeira, embora decorrente de um contrato de afretamento, não foi paga por uma prestação positiva na exploração e produção de petróleo e gás, mas, sim, pela frustração parcial dessa prestação. É inequívoco que, ainda que a receita derive do contrato de afretamento, trata-se efetivamente de "multa ou qualquer outra vantagem paga ou creditada por pessoa jurídica, ainda que a título de indenização, a beneficiária pessoa física ou jurídica, inclusive isenta, em virtude de rescisão de contrato", conforme fixado pela origem, se amoldando aos termos do caput do art. 70 da Lei n. 9.430/1996. À luz do princípio da especialidade, a multa por rescisão contratual devida no contexto de um afretamento, ainda que fosse considerada "receita decorrente do afretamento", deve se submeter à alíquota de 15% do art. 70 da Lei n. 9.430/1996 (norma antielisiva), e não à alíquota zero do art. 1º, inciso I, da Lei n. 9.481/1997 (norma que insere favor fiscal). Assim, é da natureza da norma antielisiva específica (regra de prevenção à elusão), estabelecer hipóteses de incidência específicas que alcancem situações vulneráveis a manobras evasivas (ou elisivas que o legislador considere indesejáveis), determinando de antemão um tratamento mais rigoroso ou mesmo fixando desde já a incidência específica da tributação, justamente para prevenir tais flancos. Na presente hipótese, ainda que se considerasse a referida "taxa de compensação" uma receita decorrente do afretamento, a norma antielisiva seria a norma especial deste conflito aparente de normas (entre alíquota zero por receita de afretamento versus alíquota de 15% por rescisão de contrato). Nesse contexto, se as normas que estabelecem isenção (assim como as que estabelecem alíquota zero), fossem consideradas normas especiais, o artigo 70 da Lei n. 9.430/1996 jamais seria aplicável às pessoas jurídicas ou às receitas isentas do imposto. Ou, quando muito, a regra seria eficaz apenas em relação às isenções já existentes antes de sua vigência - sendo todas as normas isentivas posteriores especiais em relação a ela. Solução que, não condiz com a vocação de uma norma antielisiva. Tal entendimento tornaria inócua a previsão do artigo 70 da Lei n. 9.430/1996, de que a incidência atinge "a beneficiária pessoa física ou jurídica, inclusive isenta".