Natureza incidental da caução para certidão fiscal na execução fiscal sem honorários
A controvérsia diz respeito à responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência na hipótese em que há extinção da ação cautelar prévia de caução diante do ajuizamento da execução fiscal. A Primeira Turma do STJ, ao julgar o AREsp 1.521.312/MS, da relatoria do eminente Ministro Gurgel de Faria, entendeu que não se pode atribuir à Fazenda a responsabilidade pelo ajuizamento da ação cautelar por não ser possível imputar ao credor a obrigatoriedade de imediata propositura da ação executiva. Ademais, a ação cautelar de caução preparatória para futura constrição possui "natureza jurídica de incidente processual inerente à execução fiscal, não guardando autonomia a ensejar condenação em honorários advocatícios em desfavor de qualquer das partes". No mesmo sentido: "(...) A questão decidida na ação ajuizada com o objetivo de antecipar a penhora na execução fiscal tem natureza jurídica de incidente processual inerente à própria execução, não guardando autonomia a ensejar condenação em honorários advocatícios em desfavor de qualquer das partes. (...)" AgInt no REsp 1.960.482/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 25/3/2022.
Prescrição trienal e termo inicial da pretensão indenizatória por atos ofensivos
1ª Tese: É trienal o prazo prescricional aplicável à pretensão de indenização fundada em atos ofensivos praticados após a rescisão do contrato de trabalho. A pretensão de indenização por danos morais fundada em atos ofensivos praticados após a rescisão do contrato de trabalho, ante a imputação da prática de crimes de apropriação indébita e de desvio de recursos, submete-se a prazo prescricional trienal. Isso, porque constata-se que a causa de pedir da ação de indenização está fundada na falsa imputação de condutas criminosas, o que teria causado danos à honra pessoal e profissional. Assim sendo, não há, de fato, que se falar em responsabilidade civil contratual, uma vez que, em que pese a relação das partes seja marcada pela prévia existência de contrato de trabalho extinto, na hipótese, busca-se indenização decorrente de suposto ato ilícito extracontratual. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, reafirmado no julgamento do Tema IAC 2, incide o prazo prescricional trienal, nos moldes do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, nas ações de indenização oriundas de responsabilidade civil extracontratual. 2ª Tese: A fluência da prescrição da pretensão indenizatória fundada na imputação de crimes dos quais se venha a ser posteriormente absolvido tem início com o trânsito em julgado da sentença na ação penal. Em regra, segundo a teoria da actio nata, considera-se nascida a pretensão no momento da violação (ou inobservância) do direito, de sorte que o prazo prescricional é contado a partir desse momento. Contudo, a regra geral cede nas hipóteses em que a própria legislação vigente estabeleça que o cômputo do lapso prescricional se dê a partir de termo inicial distinto, como ocorre, por exemplo, nas ações que se originam de fato que deva ser apurado no juízo criminal. Nessa hipótese, ao tratar das causas que impedem ou suspendem a prescrição, dispõe o Código Civil em seu artigo 200 que "Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva". A previsão do referido dispositivo legal visa a beneficiar, via de regra, as vítimas de crimes que buscam indenização de natureza civil pelos prejuízos causados pelo ato criminoso por meio do ajuizamento de ação civil ex delicto, hipóteses nas quais, muitas vezes, é necessário apurar o fato na esfera penal, principalmente no que tange à certeza e autoria do crime, anteriormente à veiculação da pretensão indenizatória. Todavia, a jurisprudência desta Corte entende que, verificada a relação de estrita dependência entre a pretensão de indenização por danos morais com o fato apurado no juízo criminal, aplicam-se analogicamente as regras do art. 200 do CC, ainda que não se trate de ação civil ex delicto - inclusive quanto ao prazo prescricional -, devendo ser afastada a inação da parte autora que aguardou o desfecho da ação na esfera penal para propor ação de reparação de danos na esfera civil, diante da possibilidade de que o trâmite simultâneo dos processos em ambas as esferas resultasse em indesejável contradição. Tendo em vista que a parte autora fundamentou sua pretensão indenizatória na ocorrência de alegados prejuízos de ordem moral em razão da imputação da prática de crimes dos quais foi posteriormente absolvida, a apuração dos supostos fatos criminosos na esfera criminal era, portanto, questão prejudicial ao ingresso do pedido indenizatório na esfera cível, fazendo incidir, por analogia, o disposto no art. 200 do CC, no que tange ao termo inicial da prescrição.
Requisito subjetivo da saída temporária avaliado em todo o período de execução penal
Nos termos do art. 123 da LEP, a autorização da visita periódica ao lar "será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos: I - comportamento adequado; II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente; III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena". No caso, o Tribunal estadual fundamentou o indeferimento do benefício de saída temporária com base no histórico penal que registra várias faltas disciplinares de natureza grave e média, incluindo fuga registrada, anteriormente, quando no gozo do mesmo benefício de saída temporária e, também, com base no parecer desfavorável da Comissão Técnica de Classificação. Dessa forma, tanto as faltas graves consistentes em evasões, fugas, flagrante quanto o registro de comportamento evidenciam que a conduta do apenado durante a execução penal não atende aos parâmetros necessários para demonstrar seu senso de disciplina e responsabilidade, bem como a compatibilidade do benefício com os objetivos da pena imposta. Com relação ao tema, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a autorização para saídas temporárias leva em consideração o comportamento do sentenciado no cumprimento da pena. Nessa esteira, esta Corte tem entendido que "Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado" (AgRg no HC 734.258/SC, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 10/6/2022).
Compra de imóvel na planta diferença mínima de metragem não autoriza resolução contratual
A controvérsia está em saber se a diferença de metragem entre aquela que foi definida no contrato de compra e venda, quando o imóvel ainda estava na planta, e a que consta no registro da matrícula do imóvel e na promessa de compra e venda conceitua-se como venda ad mensuram de forma a incidir o disposto no art. 500, § 1º, do Código Civil. Inicialmente, anota-se que, se admite, na hipótese, a utilização do Código de Defesa do Consumidor para amparar, concretamente, o investidor ocasional (figura do consumidor investidor), pois ele não desenvolve a atividade de investimento de maneira reiterada e profissional. No entanto, a aplicação do referido diploma legal não tem o condão de enquadrar a compra e venda sub judice na qualificação "ad mensuram". É de se concluir, pelos demonstrativos e provas, relacionados aos fatos que o negócio envolveu coisa delimitada (sala comercial), sem apego as suas exatas medidas, o que caracteriza, inequivocadamente, uma compra e venda "ad corpus". Em se tratando de imóvel urbano, obviamente o comprador adquiriu o bem como um todo, ou como coisa certa e determinada. Logo, é possível concluir que as medidas do imóvel foram meramente enunciativas, e não decisivas como fator da aquisição. Outrossim, o simples fato de ter sido uma compra na planta não altera a situação, porquanto as medidas constantes no instrumento particular de promessa de compra e venda eram somente enunciativas, ou seja, o que sobreleva é o bem em si (sala comercial), e não propriamente a metragem, até porque não restou demonstrado que o preço foi calculado com base na área de construção. Doutrinariamente, a venda "ad mensuram" é a hipótese em que as partes estipulam "o preço por medida de extensão, situação em que a medida passa a ser condição essencial ao contrato efetivado (...) Como exemplo de venda ad mensuram, pode ser citado o caso de compra e venda de um imóvel por metro quadrado (m²)". Em que pese a segunda parte do § 1º do art. 500 do Código Civil ressalvar, ao comprador, o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio, no caso, não há evidências de que o negócio não teria sido realizado pela ínfima diferença a menor na metragem que, aliás, de modo algum inviabiliza ou prejudica a utilização do imóvel para o fim esperado. Cumpre salientar que o fato de incidir o direito consumerista na relação sub judice não significa a procedência da pretensão de resolver do negócio jurídico, com a devolução dos valores pagos e com a aplicação da multa contratual, pois não se está diante de efetivo vício, ou defeito de qualidade, ou quantidade do produto capaz de abalar o equilíbrio do contrato e prejudicar o consumidor. Com efeito , é até possível dizer que a mínima diferença em discussão nem sequer reúne condições para caracterizar efetivo "vício de quantidade" do produto, uma vez que está aquém da margem fixada pela lei. Não é demasiado anotar que o contrato firmado entre as partes prevê, no seu parágrafo segundo da cláusula décima sétima, que serão toleradas pequenas diferenças nas dimensões do projeto, consoante, expressamente, asseverado na sentença. Assim, perfeitamente aceitável a diferença, no caso, irrisória da área do imóvel, não havendo que se falar em qualquer descumprimento contratual capaz de ensejar o pagamento da multa pelo seu rompimento.
Responsabilidade civil de shopping center e estacionamento por roubo na cancela em via pública
Pragmaticamente, incide o regramento consumerista no percurso relacionado com a prestação do serviço e, notadamente, quando o fornecedor dele se vale no interesse de atrair o consumidor. Assim, na hipótese de se exigir do consumidor determinada conduta para que usufrua do serviço prestado pela fornecedora, colocando-o em vulnerabilidade não só jurídica, mas sobretudo fática, ainda que momentaneamente, se houver falha na prestação do serviço, será o fornecedor obrigado a indenizá-lo. Nessa linha de raciocínio, quando o consumidor, com a finalidade de ingressar no estacionamento de shopping center, tem de reduzir a velocidade ou até mesmo parar seu veículo e se submeter à cancela - barreira física imposta pelo fornecedor e em seu benefício - incide a proteção consumerista, ainda que o consumidor não tenha ultrapassado referido obstáculo e mesmo que este esteja localizado na via pública. Nessa hipótese, o consumidor se encontra, de fato, na área de prestação do serviço oferecido pelo estabelecimento comercial. Por conseguinte, também nessa área incidem os deveres inerentes às relações consumeristas e ao fornecimento de segurança indispensável que se espera dos estacionamentos de shoppings centers. Esta Corte analisou situação parecida, na qual o consumidor que se encontrava dentro de estacionamento de shopping center, ao parar na cancela para sair do referido estabelecimento, foi surpreendido pela abordagem de indivíduos com arma de fogo que tentaram subtrair seus pertences (REsp 1.269.691/PB, Quarta Turma, DJe 5/3/2014). Da mesma maneira como sucede com a saída, o consumidor também está sujeito a tal vulnerabilidade ao ingressar no estabelecimento. É necessário que aquele, a fim de utilizar o serviço oferecido pela recorrente, permaneça - ainda que por pouco tempo - desprotegido ao esperar a emissão do ticket e o levantamento da cancela. Inclusive, a única razão para que o consumidor permaneça desprotegido, aguardando a abertura da cancela, é, justamente, para ingressar no estabelecimento do fornecedor. Logo, não pode o shopping center buscar afastar sua responsabilidade por aquilo que criou para se beneficiar e que também lhe incumbe proteger, sob pena de violar até mesmo o comando da boa-fé objetiva e o princípio da proteção contratual do consumidor. Em síntese, o shopping center e o estacionamento vinculado podem ser responsabilizados por defeitos na prestação do serviço não só quando o consumidor se encontra efetivamente dentro da área assegurada, mas também quando se submete à cancela para ingressar no estabelecimento comercial. No que tange especificamente à responsabilidade de shoppings centers, este Superior Tribunal de Justiça, "conferindo interpretação extensiva à Súmula n. 130/STJ, entende que estabelecimentos comerciais, tais como grandes shoppings centers e hipermercados, ao oferecerem estacionamento, ainda que gratuito, respondem pelos assaltos à mão armada praticados contra os clientes quando, apesar de o estacionamento não ser inerente à natureza do serviço prestado, gera legítima expectativa de segurança ao cliente em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores" (EREsp 1.431.606/SP, Segunda Seção, DJe 2/5/2019) - com exceção da hipótese em que o estacionamento representa "mera comodidade, sendo área aberta, gratuita e de livre acesso por todos". Com efeito, não cabe dúvida de que a empresa que agrega ao seu negócio um serviço visando à comodidade e à segurança do cliente deve responder por eventuais defeitos ou deficiências na sua prestação. Afinal, serviços dessa natureza não têm outro objetivo senão atrair um número maior de consumidores ao estabelecimento, incrementando o movimento e, por via de consequência, o lucro, devendo o fornecedor, portanto, suportar os ônus respectivos. Nos termos expostos, pode-se concluir que o shopping center que oferece estacionamento responde por roubo perpetrado por terceiro à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estabelecimento, uma vez que gerou no consumidor expectativa legítima de segurança em troca dos benefícios financeiros que percebera indiretamente.