Voto de desempate por impedimento intercorrente não configura escolha seletiva de juiz
Cinge-se a controvérsia acerca da legalidade do voto de desempate proferido pelo Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, com fulcro no art. 153, II, do Regimento Interno do aludido tribunal, que culminou na condenação do acusado pela prática do crime de corrupção ativa. No caso, proferiu voto em substituição de desembargador que, na primeira sessão realizada, a respeito das questões preliminares e analisou o mérito da causa - relativamente ao corréu - mas, por problemas de conexão com a internet , não participou integralmente da sequência do julgamento. De início, na perspectiva da norma regimental, ao menos três motivos podem ser invocados para concluir que o ato impugnado não ofende os princípios do devido processo legal, legalidade, segurança jurídica e juiz natural: a qualidade de membro do Órgão Especial; a possibilidade de convocação de todos os integrantes para a votação; a composição mínima do colegiado. Consoante o art. 8º do RITJSP, o Presidente é membro nato do Órgão Especial. Logo, na qualidade de elemento indissociável do colegiado, sua ativa participação no julgamento - nas limitadas hipóteses do regimento interno - não pode ser refutada em virtude de um resultado desfavorável ao sentenciado. Quanto à possibilidade de incidência do art. 39, § 2º, do RITJSP, observa-se em seu enunciado que, "havendo empate no Órgão Especial e tendo votado todos os seus integrantes, convocar-se-á o desembargador mais antigo que não o integre, para proferir voto de desempate". O artigo do regimento interno supracitado, efetivamente, não foi aplicado, porquanto com o voto de todos os seus integrantes - aí incluído o Presidente do Tribunal - não se fez necessário voto de desempate de outro desembargador não integrante do Órgão Especial. Ademais, em que pese a ausência superveniente de um dos desembargadores devido a uma falha técnica de conexão com a internet , o fato de remanescer a sessão de julgamento com 22 membros não viola o art. 11 do RITJSP, porquanto o referido dispositivo regimental expressamente prevê que "o Órgão Especial instalar-se-á com a presença de, no mínimo, treze desembargadores". Dessa forma, não há falar de flagrante ilegalidade se o Regimento Interno do Tribunal de origem dispõe que, excepcionalmente, o Presidente terá voto para os casos de empate, independentemente da matéria debatida (art. 153, II, do RITJSP). No caso, circunstâncias alheias à vontade dos participantes do ato culminaram na necessidade de executar uma função latente do Presidente do Tribunal Paulista, em prol da celeridade e economia processual, sem ofender o devido processo legal. Fosse outra a ratio da norma, haveria no regimento interno uma ressalva atrelada ao próprio dispositivo regimental atacado, ou de forma autônoma em outro artigo, impedindo que o voto do Presidente da Corte estadual tivesse lugar quando ausente um membro do Órgão Especial, o que não é o caso. Portanto, não se divisa nenhuma irregularidade de ordem na decisão do Órgão Especial de prosseguir o julgamento com fulcro no art. 153, II, do RITJSP, proveniente da competência privativa do Tribunal de Justiça paulista de elaborar seu regimento interno (art. 69, II, "a", da Constituição do Estado de São Paulo, art. 125, § 1º, da Constituição Federal e art. 609, caput , do Código de Processo Penal). Por fim, ressalte-se que o exercício de voto para o objetivo específico de desempatar o julgamento da sessão, previsto no Código de Processo Penal e no Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, com vigência anterior ao fato processual, não implica a ideia de um juiz convencional e seletivamente designado para concluir o processo.
Transação em ação coletiva não afasta causalidade nem transfere sucumbência ao exequente
Em regra, a sucumbência de uma das partes é suficiente para indicar quem foi o responsável pela instauração do processo e, por conseguinte, pelos custos incorridos na efetivação do direito, inclusive com honorários advocatícios. Todavia, há situações em que se verifica que a parte que deu causa à instauração do processo não foi aquela que sucumbiu. Assim, o caso atrai a aplicação do princípio da causalidade. O princípio da causalidade não se contrapõe ao princípio da sucumbência. Antes, é este um dos elementos norteadores daquele, pois, de ordinário, o sucumbente é considerado responsável pela instauração do processo e, assim, condenado nas despesas processuais. O princípio da sucumbência, contudo, cede lugar quando, embora vencedora, a parte deu causa à instauração da lide (REsp 303.597/SP). Na hipótese, o cumprimento provisório individual de sentença proferida em ação coletiva foi extinto sem atendimento da pretensão satisfativa. O título executivo judicial que propiciou, de início, a propositura da ação foi substituído, no decorrer do processo, por uma transação, realizada entre a parte executada e o legitimado extraordinário, excluindo-se o direito do exequente, que não participou da negociação e da celebração do acordo. Nesse sentido, a controvérsia consiste em verificar a quem cabe arcar com os honorários advocatícios sucumbenciais: se ao exequente, por força do princípio da sucumbência, ou à parte executada. Dentro dessas balizas, quanto ao encerramento do cumprimento de sentença sem o atendimento da pretensão satisfativa, a mera aplicação do princípio da sucumbência para o arbitramento de honorários advocatícios mostra-se de todo insuficiente. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de, em regra, não considerar o próprio exequente, seja no cumprimento de sentença ou no processo de execução, como sendo aquele que deu causa à instauração do processo, simplesmente pelo fato de não ter obtido, ao final, a satisfação de seu crédito. Considera-se que o não adimplemento da obrigação contida no título é o fato que dá causa ao ajuizamento da medida executória. Assim, o credor dá início ao cumprimento ou promove a execução porque teve seu patrimônio desfalcado - e o faz devido à falta de satisfação da obrigação pelo devedor. A provisoriedade do título que dá embasamento ao cumprimento de sentença faz com que o exequente, em regra, assuma o risco da reforma do título judicial. Embora a atitude do legitimado extraordinário afete a esfera jurídica do exequente, não é possível lhe atribuir a causa do encerramento da ação, e nem é razoável que suporte o risco de que a parte executada e a própria instituição voltada a defender seus interesses acabem por encerrar acordo que fulmine sua pretensão, obrigando-lhe ainda a cobrir os custos da sucumbência. Assim, em resumo: (i) se o cumprimento individual e provisório de sentença extinto foi ajuizado antes da publicação de homologação de acordo coletivo, deve ser aplicado o princípio da causalidade em favor do poupador; e (ii) se o cumprimento individual e provisório de sentença extinto foi ajuizado no dia da homologação de acordo coletivo ou posteriormente a essa data, deve ser aplicado o princípio da sucumbência, arbitrando-se honorários sucumbenciais em favor dos patronos da instituição financeira, pela proposição de execução carente de título executivo judicial, mesmo que provisório.
Legitimidade passiva do fiador no cumprimento de sentença da ação renovatória locatícia
A controvérsia consiste em definir se os fiadores de contrato de locação que não participaram da fase de conhecimento na ação renovatória podem ser incluídos no polo passivo do cumprimento de sentença. Como regra, o Código de Processo Civil não admite a modificação do polo passivo com a inclusão, na fase de cumprimento de sentença, daquele que esteve ausente à ação de conhecimento, sem que ocorra a violação dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. No que tange à inclusão do fiador na fase de cumprimento de sentença, o art. 513, § 5º, do CPC/2015 é categórico ao afirmar que "o cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento". A norma positiva o entendimento jurisprudencial desta Corte de Justiça, consolidado na Súmula 268/STJ: "O fiador que não integrou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução do julgado". Esse entendimento, todavia, não se aplica às ações renovatórias de locação comercial. Isso porque, além dos requisitos da petição inicial dispostos na legislação processual civil (art. 319 do CPC/15), a Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/1991) prevê documentos específicos que devem instruir a ação renovatória. Para o ajuizamento da ação renovatória é preciso que o autor da ação instrua a inicial com indicação expressa do fiador - seja quem já garantia o contrato que se pretende renovar, seja terceira pessoa que passará a garanti-lo - e com documento que ateste que este aceita todos os encargos da fiança. A declaração atesta a anuência dos fiadores com a renovação do contrato e, justamente por isso, permite que sejam incluídos no cumprimento de sentença, ainda que não tenham participado do processo na fase de conhecimento. Destarte, excepcionalmente, admite-se a inclusão do fiador no polo passivo do cumprimento de sentença, caso o locatário não solva integralmente as obrigações pecuniárias oriundas do contrato que foi renovado - ou, como na espécie, ao pagamento de alugueres decorrentes de ação renovatória. Por fim, destaca-se que, na ação renovatória, o encargo que o fiador assume não é o valor objeto da pretensão inicial, mas o novo aluguel que será arbitrado judicialmente, até mesmo porque "se ao final da ação renovatória uma nova avença será estabelecida entre locador e locatário, é imperioso que a fiança prestada no contrato que se pretende renovar continue a vigorar em relação ao novo pacto estipulado em sentença, afinal, a fiança é contrato que não admite a interpretação extensiva" (REsp 682.822/RS, Sexta Turma, DJe 3/11/2009).
Reconvenção com terceiro em litisconsórcio não o inclui no polo passivo da ação principal
A reconvenção tem natureza jurídica de ação e é autônoma em relação à demanda principal (art. 343, § 2º, do CPC/2015). Por meio dela, o réu deixa de ocupar uma posição simplesmente passiva no processo e passa a formular pretensão contra o autor, pleiteando um bem da vida. O CPC/2015 inovou no procedimento relativo à reconvenção ao prever que ela deve ser apresentada na própria contestação e não mais de forma autônoma (art. 343, caput ), como ocorria durante a vigência do CPC/1973. Apesar disso, a reconvenção continua sendo uma ação autônoma. Além da ampliação objetiva, a reconvenção também pode ocasionar a ampliação subjetiva, por meio da inclusão de um sujeito que até então não participava do processo (art. 343, §§ 3º e 4º, do CPC/2015). O art. 343, §§ 3º e 4º, do CPC/2015 autoriza que a reconvenção seja proposta contra o autor e um terceiro ou pelo réu em litisconsórcio com terceiro. Nessa hipótese, o juiz deve examinar cada um dos pleitos, vale dizer, o pedido formulado na inicial e o pedido deduzido na reconvenção, de forma autônoma, sem que haja a indevida atribuição de obrigações à parte que não compõe a relação processual. Ante a autonomia e a independência da reconvenção, a ampliação subjetiva do processo promovida pela reconvenção não modifica os polos da ação principal, de modo que as questões debatidas na ação ficam restritas às partes que já integravam os polos ativo e passivo da demanda, não se estendendo ao terceiro, que apenas é parte da demanda reconvencional.
Seguradora sujeita à arbitragem e cobertura do risco no seguro garantia
O cerne da controvérsia versa acerca da transmissão automática ou não de cláusula arbitral, prevista em contrato de transporte marítimo, às seguradoras sub-rogadas, em caso de ação regressiva de ressarcimento. A sub-rogação prevista no art. 786 do Código Civil (CC) - que estabelece que, "paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano" - possui natureza jurídica de sub-rogação legal, pois independe de previsão contratual, à luz do disposto no art. 346, III, do CC. A quase totalidade dos contratos de seguro de dano repete a referida disposição legal, o que, por si só, não transforma a natureza jurídica da sub-rogação legal em convencional. Com efeito, a sub-rogação legal não implica titularização da posição contratual do segurado pelo segurador, pois, apesar de relacionados, o contrato de seguro e o contrato segurado são independentes, autônomos e, mais, referem-se a obrigações distintas, ainda que equivalentes no montante indenizatório. No contrato objeto de seguro garantia há a obrigação principal inadimplida e demais pactos acessórios decorrentes da avença, no contrato de seguro há tão somente um interesse protegido: o risco de descumprimento do contrato assegurado, que o segurador assume em troca dos prêmios pagos e do poder de buscar o ressarcimento pela apólice indenizada. Deve ser afastada a submissão à cláusula arbitral como efeito direto e automático da sub-rogação legal, haja vista ser possível a existência de sub-rogação convencional ou, ao menos, a consideração da referida cláusula no risco a ser garantido nos casos de seguro garantia, ainda que de forma implícita. A diferenciação proposta mostra-se essencial em razão da necessidade de a submissão de determinado conflito à jurisdição arbitral ser fruto da autonomia das partes, nos termos do art. 3° da Lei n. 9.307/96, bem como da ineficácia de "qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo". Entendimento diverso possibilitaria obrigar a seguradora a se submeter ao compromisso arbitral decorrente de cláusula compromissória celebrada posteriormente à contratação da apólice securitária, não considerada no cálculo do risco predeterminado (arts. 757, caput, 759, 765 e 766 do Código Civil). Por outro lado, notadamente nos casos de seguro garantia não há como se afastar o conhecimento prévio da seguradora da existência de cláusula compromissória no contrato de transporte marítimo de cargas objeto da apólice securitária. Como consequência da sub-rogação legal, há transferência de "todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores", a teor do disposto no art. 349 do CC. Trata-se, portanto, de instituto de natureza mista, material e processual, dado que são transferidas também "as ações que competiriam ao segurado". Desse modo, tendo sido submetido o contrato previamente à seguradora, a fim de que analisasse os riscos provenientes do contrato garantido, entre os quais foi ou deveria ter sido considerada a cláusula compromissória, inafastável o entendimento de que tal cláusula deve ser considerara como um dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco predeterminado (arts. 757, caput, e 759 do CC). A previsão do art. 786, § 2°, do CC, de que "é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo", refere-se aos atos praticados posteriormente à celebração do contrato de seguro e/ou sem o conhecimento da seguradora, justamente em virtude da exigência legal de ciência prévia para se estipular os riscos predeterminados garantidos. Não há como incidir a mencionada regra quando a disposição contratual integra a unidade do risco objeto da própria apólice securitária, dado que elemento objetivo a ser considerado nos cálculos atuariais efetuados pela seguradora e objeto da autonomia das partes. Nessa senda, em razão da presunção de paridade e simetria entre as partes contratantes, bem como à luz do princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, nos termos dos arts. 421, caput e parágrafo único, e 421-A, aquiescendo a seguradora em garantir o contrato de transporte marítimo internacional, com previsão originária de cláusula compromissória, igualmente não há que se falar em violação à voluntariedade prevista na Lei de Arbitragem. Afastar a sub-rogação na cláusula arbitral, previamente exposta à aprovação da seguradora e de conhecimento de todos, implicaria submeter as partes do contrato de transporte marítimo ao arbítrio da contraparte na livre escolha da jurisdição aplicável à avença, pois dependente única e exclusivamente da seguradora escolhida pelo consignatário da carga. Dessa forma, a despeito de a sub-rogação legal em favor da seguradora não importar transmissão automática de cláusula compromissória, a ciência prévia da seguradora a respeito de sua existência no contrato objeto de seguro garantia resulta na submissão à jurisdição arbitral.