Roubo com simulacro e grave ameaça impede substituição por penas restritivas de direitos
A controvérsia consiste em definir se configurado o delito de roubo, cometido mediante emprego de simulacro de arma, é possível substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, nos termos do art. 44, I, do Código Penal. O crime de roubo tutela dois bens jurídicos distintos, o patrimônio e a integridade física, abrangendo, em determinados casos, a liberdade individual da vítima, contudo, no Código Penal, o legislador classificou o tipo penal como delito contra o patrimônio. Na doutrina, a conduta típica é classificada como roubo próprio, quando o agente toma para si patrimônio alheio, valendo-se de violência, grave ameaça ou qualquer outro meio capaz que impeça a vítima de resistir ou defender-se; e roubo impróprio, quando o agente usa da violência ou grave ameaça para garantir a impunidade do crime ou a posse da res furtiva, não para tê-la para si. Segundo a doutrina, "grave ameaça consiste na intimidação, isto é, coação psicológica, na promessa, direta ou indireta, implícita ou explícita, de castigo ou de malefício. A sua análise foge da esfera física para atuar no plano da atividade mental. Por isso mesmo sua conceituação é complexa, porque atuam fatores diversos como a fragilidade da vítima, o momento (dia ou noite), o local (ermo, escuro etc.) e a própria aparência do agente". A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não se mostra diferente, existindo diversos julgados no mesmo sentido, afirmando que a utilização do simulacro configura grave ameaça e que "exercida mediante simulação de porte de arma é circunstância que está englobada pela elementar do tipo e não extrapola a reprovabilidade já ínsita ao delito de roubo" (AgRg no HC n. 687.887/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 13/12/2021). Portanto, a utilização do simulacro de arma de fogo para prática do crime de roubo, configura, sim, grave ameaça nos termos do art. 157 do Código Penal, subsumindo-se ao disposto no art. 44, I, do Código Penal, impedindo a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Exclusão do ICMS-ST do contribuinte substituído da base de cálculo do PIS e Cofins
Quanto ao tema o Supremo Tribunal Federal decidiu, em caráter definitivo, por meio de precedente vinculante, que os conceitos de faturamento e receita, contidos no art. 195, I, "b", da Constituição Federal, para fins de incidência da Contribuição ao PIS e da COFINS, não albergam o ICMS (RE n. 574.706/PR, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017, DJe 02/10/2017), firmando a seguinte tese da repercussão geral: "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS" (Tema 69). No tocante ao ICMS-ST, contudo, a Suprema Corte, nos autos do RE n. 1.258.842/RS, reconheceu a ausência de repercussão geral sobre o tema, firmando a seguinte tese: "É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à inclusão do montante correspondente ao ICMS destacado nas notas fiscais ou recolhido antecipadamente pelo substituto em regime de substituição tributária progressiva na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS" (Tema 1.098). Nesse cenário, constitui missão do Superior Tribunal de Justiça definir sobre a exclusão do ICMS-ST da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS, à luz tanto da legislação infraconstitucional quanto das diretrizes traçadas pelo Supremo Tribunal Federal quanto do julgamento do Tema 69 da repercussão geral. O regime de substituição tributária - que concentra, em regra, em um único contribuinte o dever de pagar pela integralidade do tributo devido pelos demais integrantes da cadeia produtiva - constitui mecanismo especial de arrecadação destinado a conferir, sobretudo, maior eficiência ao procedimento de fiscalização, não configurando incentivo ou benefício fiscal, tampouco implicando aumento ou diminuição da carga tributária. O substituído é quem pratica o fato gerador do ICMS-ST, ao transmitir a titularidade da mercadoria, de forma onerosa, sendo que, por uma questão de praticidade contida na norma jurídica, a obrigação tributária recai sobre o substituto, que, na qualidade de responsável, antecipa o pagamento do tributo, adotando técnicas previamente estabelecidas na lei para presumir a base de cálculo. Os contribuintes (substituídos ou não) ocupam posições jurídicas idênticas quanto à submissão à tributação pelo ICMS, sendo certo que a distinção entre eles encontra-se tão somente no mecanismo especial de recolhimento, de modo que é incabível qualquer entendimento que contemple majoração de carga tributária ao substituído tributário tão somente em razão dessa peculiaridade na forma de operacionalizar a cobrança do tributo. A interpretação do disposto nos arts. 1º das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003 e 12 do Decreto-Lei n. 1.598/1977, realizada especialmente à luz dos princípios da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da livre concorrência e da tese fixada em repercussão geral (Tema 69 do STF), conduz ao entendimento de que devem ser excluídos os valores correspondentes ao ICMS-ST destacado da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS devidas pelo substituído no regime de substituição progressiva. Diante da circunstância de que a submissão ao regime de substituição depende de lei estadual, a indevida distinção entre ICMS regular e ICMS-ST na composição da base de cálculo das contribuições em tela concederia aos Estados e ao Distrito Federal a possibilidade de invadir a competência tributária da União, comprometendo o pacto federativo, ao tempo que representaria espécie de isenção heterônoma. Assim, para fins do recurso repetitivo, firma-se a tese no sentido de que "o ICMS-ST não compõe a base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS, devidas pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva".
Impossibilidade de imposição judicial da execução invertida à Fazenda Pública no procedimento comum
Cinge-se a controvérsia a definir se é possível a determinação judicial à Fazenda Pública, de adoção da prática jurisprudencial da execução invertida no cumprimento de sentença, com a consequente apresentação de demonstrativo de cálculos e valores a serem pagos. O procedimento denominado "execução invertida" consiste na modificação do rito processual estabelecido no Código de Processo Civil, ofertando à parte executada (devedor) a possibilidade de apresentação dos cálculos e valor devido à parte exequente (credor). Não há previsão legal de tal mecanismo processual, sendo ele uma construção jurisprudencial. No âmbito do STJ, em observância mesmo aos princípios do CPC, a construção jurisprudencial da "execução invertida" tem como fundamento basilar a "conduta espontânea" do devedor. Para tanto, tal espontaneidade e voluntariedade em antecipar-se na apresentação dos cálculos da execução, e por decorrência, acelerar o processo atendendo deste modo outro princípio processual (tempo razoável do processo), gera a recompensa da não condenação em honorários advocatícios. A técnica processual acima possui relevância e legitimidade nas causas previdenciárias, notadamente aquelas em curso nos Juizados Especiais. Tanto assim que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 219, disciplinou: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - ADEQUAÇÃO. Cumpre ao Supremo, ante o objetivo da ação nobre que é a de descumprimento de preceito fundamental, o implemento de visão interpretativa generosa, contribuindo para a eficácia do Direito, a racionalização dos trabalhos judiciários, alfim, a manutenção da paz social. JUIZADOS ESPECIAIS - EXECUÇÃO - CÁLCULOS. A interpretação teleológico-sistemática da ordem jurídica, calcada na Constituição Federal como documento maior da República, conduz a placitar-se a óptica segundo a qual incumbe ao órgão da Administração Pública acionado, à pessoa jurídica de direito público, apresentar os cálculos indispensáveis à solução rápida e definitiva da controvérsia, prevalecendo o interesse primário - da sociedade - e não o secundário - o econômico da Fazenda Pública. Os interesses secundários não são atendíveis senão quando coincidirem com os primários, únicos que podem ser perseguidos por quem axiomaticamente os encara e representa - Celso Antônio Bandeira de Mello - Curso de Direito Administrativo 2010, página 23. (ADPF 219, Relator(a): Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 20/5/2021, Processo eletrônico DJe-200 divulg. 6-10-2021 public. 7-10-2021). Conquanto abrangente, por tratar-se de ação constitucional, o precedente acima possui nuanças próprias, dentre as quais os próprios limites de aplicabilidade do precedente jurisprudencial: decisões proferidas pelos Juizados Especiais. Nesse contexto, em que pese a importância e realce dos princípios que regem o microssistema dos juizados especiais, não há possibilidade de imposição automática de tais princípios, e por decorrência seus efeitos, para o âmbito dos processos ordinários (comuns). No campo do processo civil, ordenado pelo Código de Processo Civil, outros princípios e vetores de julgamento sobressaem, como por exemplo: princípio da cooperação e comportamento processual probo (boa-fé). No caso em exame, o Tribunal a quo deveria ter intimado previamente a parte executada ofertando-lhe a possibilidade de cumprimento espontâneo da sentença. Caberia então a parte decidir pela apresentação ou não dos cálculos e valores devidos. Não o fazendo, assumiria por sua conta própria a responsabilidade da condenação em honorários advocatícios, decorrentes da execução (princípio da causalidade). Tal procedimento prévio de intimação da Fazenda Pública possui substrato na jurisprudência do STJ. Recomendável, deveras, que a Fazenda Pública adotasse, principalmente na seara previdenciária, o procedimento de antecipação voluntária na demonstração dos cálculos para execução. Desse modo, cumpriria o princípio da celeridade processual, bem como se desvencilharia de custos para o erário com condenações em honorários advocatícios (princípio da causalidade). Contudo, repita-se, tal procedimento, com base na jurisprudência do STJ, possui a característica primordial da espontaneidade da parte executada, não cabendo imposições cogentes da autoridade judicial.
Aplicação da LGPD e do Marco Civil da Internet aos dados da B3
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD (Lei n. 13.709/2018), conforme dispõe o seu art. 3º, se aplica a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, desde que configurada ao menos uma das seguintes hipóteses: I) a operação de tratamento seja realizada no território nacional; II) a atividade de tratamento tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de bens ou serviços ou o tratamento de dados de indivíduos localizados no território nacional; ou III) os dados pessoais objeto do tratamento tenham sido coletados no território nacional. Em seu art. 5º, X, a LGPD conceitua "tratamento" como "toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência difusão ou extração". A doutrina especializada no tema, por sua vez, afirma que as hipóteses previstas na lei não são cumulativas, ou seja, a subsunção da conduta a uma única atividade daquelas enumeradas no art. 5º é suficiente para o enquadramento no conceito de tratamento de dados, de modo que, por exemplo, armazenar dados pessoais sem utilizá-los, pode ser enquadrado como tratamento de dados. Registra-se, ainda, que dado pessoal, nos termos do art. 5º, I, da LGPD, consiste em "informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável". Desse modo, a B3, ao manter um sistema que armazena e utiliza dados dos investidores referentes à sua identificação pessoal (p.ex. nome, CPF, e-mail e número de telefone), realiza operação de tratamento de dados pessoais, razão pela qual se submete às normas previstas na LGPD, inclusive às obrigações nela previstas. Ademais, a B3 se enquadra também no conceito de provedor de aplicação de internet, em razão da sua função de administrar e fornecer uma plataforma virtual de uso exclusivo dos investidores, que é acessada por dispositivos conectados à internet, incidindo, no âmbito dessa atividade, as normas previstas no Marco Civil da Internet.
Agravante do art. 61 II e em tortura-castigo contra descendente sem bis in idem
O elemento fundamental do delito de tortura, delineado no art. 1°, inciso II (tortura-castigo), da Lei n. 9.455/1997, não deve ser confundido com a agravante genérica do art. 61, inciso II, e (contra descendente), do Código Penal. O dispositivo legal em questão diz que constitui crime de tortura "submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo." Nota-se que o tipo penal descrito no art. 1°, II, da Lei n. 9.455/1997 caracteriza-se como um crime específico, uma vez que requer uma condição especial do agente, ou seja, é um delito que somente pode ser perpetrado por uma pessoa que tenha a vítima sob sua guarda, poder ou autoridade. Já a agravante prevista no art. 61, II, alínea e, do Código Penal diz respeito à prática do crime contra um descendente, independentemente de estar ou não sob a guarda, poder ou autoridade do autor do delito. Essa circunstância objetiva não constitui um elemento essencial do tipo penal que resultou na condenação do acusado. A finalidade dessa agravante é majorar a pena daqueles que violam o dever legal e moral de apoio mútuo entre parentes. No caso, observa-se uma maior censurabilidade na conduta do réu, uma vez que ele perpetrara o crime de tortura contra sua própria filha adolescente, o que contraria sua função de garantidor, que impõe o dever de zelar pelo bem-estar e proteção da menor. Portanto, a agravante descrita no art. 61, II, alínea e, do Código Penal, prevê a prática do crime contra descendente, que pode ou não estar sob aguarda, poder ou autoridade do autor do delito de tortura castigo previsto no art. 1°, II, da Lei n. 9.455/1997, não se confundido com elementar do tipo, bem como não caracterizando bis in idem.