Princípio da insignificância no descaminho reiterado habitualidade criminosa e discricionariedade judicial
No julgamento do REsp 1.709.029/MG, a Terceira Seção desta Corte, revendo a tese fixada no julgamento do REsp 1.112.748/TO (Tema 157) , firmou o entendimento de que incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Com efeito, a controvérsia oposta traduz um desdobramento direto daquele julgamento, na medida em que busca elucidar se o princípio da insignificância incide nos casos em que verificada a reiteração do crime de descaminho. Sobre o tema, a Terceira Seção desta Corte, firmou o entendimento no sentido de que "A reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente recomendável (EREsp 1.217.514/RS, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 16/12/2015). Ora, a reiteração da conduta é uma circunstância apta a indicar uma conduta mais reprovável e de periculosidade social relevante, inclusive porque transmite a ideia de impunidade, reduzindo o caráter de prevenção geral da norma penal, de modo que, caso verificada, tem-se por afastado, ao menos, dois dos pressupostos para reconhecimento da atipicidade material da conduta nos moldes estabelecidos pela jurisprudência, a saber: ausência de periculosidade social da ação e reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. Ressalte-se, no entanto, que é recomendável a manutenção da ressalva proposta pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca quando do julgamento do EREsp 1.217.514/RS. Isso porque, é impossível contemplar a multiplicidade de situações fáticas que podem acarretar na prática de crime descaminho, sendo certo que, a depender das circunstâncias que tangenciem a reiteração da conduta, o julgador pode compreender que o reconhecimento da atipicidade material é a medida socialmente recomendável. Mutatis mutandis, essa é a mesma compreensão que tem orientado esta Corte na análise do princípio da insignificância nos crimes de furto em que verificada a contumácia do agente. Ademais, frise-se, procedimentos pendentes de definitividade, inclusive processos administrativos fiscais, podem ser sopesados para formar a convicção no sentido da contumácia da conduta delitiva. Também, registre-se, não há base legal para aplicação do prazo preconizado no art. 64, I, do CP, ou mesmo outro marco objetivo para fins de análise da contumácia delitiva, sendo aplicáveis os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo que o juízo ordinário deve avaliar se a conduta anterior é suficiente para denotar que o agente ativo é contumaz na prática delitiva. Por fim, em se tratando de agente contumaz na prática delitiva, é desinfluente perquirir o valor do tributo não recolhido para fins de aplicação do princípio insignificância, pois a contumácia indica ser uma conduta mais gravosa e de periculosidade social relevante, de modo que a reiteração, em regra, acaba por afastar os requisitos necessários para o reconhecimento da atipicidade material da conduta. Admitir a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, no caso de reiteração da conduta, com base no montante do tributo não recolhido (inferior a vinte mil reais), teria o efeito deletério de estimular uma "economia do crime", na medida em que acabaria por criar uma "cota" de imunidade penal para a prática de sucessivas condutas delituosas. Desse modo, é de se concluir que a reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho - independentemente do valor do tributo não recolhido -, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, se concluir que a medida é socialmente recomendável. A contumácia pode ser aferida a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade, sendo inaplicável o prazo previsto no art. 64, I, do CP, incumbindo ao julgador avaliar o lapso temporal transcorrido desde o último evento delituoso à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Competência do Juízo Estadual no cumprimento de sentença para ressarcimento de honorários periciais
Inicialmente, cumpre trazer à baila o disposto no Código de Processo Civil acerca da competência para o processamento do cumprimento de sentença, o qual dispõe, em seu art. 516 e incisos, que: "O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: I - os tribunais, nas causas de sua competência originária; II - o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição; III - o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo". Referida norma consagra a regra geral de competência para os títulos judiciais e decorre do sincretismo processual, a partir do qual o reconhecimento do direito e a sua efetivação ocorrem no mesmo processo, diferindo-se apenas por fases. A norma ainda traduz princípio consagrado na parte geral do Código, segundo o qual a competência é determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta (art. 43 do CPC). Assim, em regra, o juízo que formou o título executivo é o competente para executá-lo, estando as exceções previstas no próprio artigo de lei, de modo que somente não serão executados perante o juízo que processou a ação os títulos formados a partir de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo ou, ainda, nos casos em que os bens sujeitos à constrição judicial se encontrarem em foro diverso ou se diverso for o foro atual do domicílio do executado. E, no caso em discussão, observa-se que não se enquadra em nenhuma das situações que excepcionam a regra contida no art. 516, II, do CPC, porquanto a exequente pretende efetivar o direito à percepção dos honorários periciais antecipados na lide, em razão de o vencido ser beneficiário da justiça gratuita. Nesse mesmo sentido, esta Corte vem reconhecendo a competência do Juízo Estadual para o processamento e julgamento do Cumprimento de Sentença promovido pelo INSS, relativo ao ressarcimento de honorários periciais antecipados no bojo de ação acidentária, nos seguintes julgados: CC n. 186.830/MS, relator Ministro Herman Benjamin, DJe de 12/4/2022; CC n. 186.831/MS, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), DJe de 31/3/2022; CC n. 186.837/MS, relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 28/3/2022; CC n. 186.666/MS, relator Ministro Francisco Falcão, DJe de 18/3/2022, entre outros. Dessa forma, deve ser declarado competente para o processamento e julgamento do feito, no caso, o Juízo Estadual, ora suscitado.
Remição de pena por EAD exige instituição de ensino credenciada no SISTEC do MEC
Nos termos do art. 126, § 2º, da Lei de Execução Penal e da Resolução n. 391 do Conselho Nacional de Justiça (publicada no DJe/CNJ n. 120/2021, de 11/5/2021), a remição de pena em virtude de estudo realizado pelo apenado na modalidade capacitação profissional à distância deve atender os requisitos previstos nos arts. 2º e 4º da mencionada resolução, dentre os quais (1) demonstração de que a instituição de ensino que ministra o curso à distância é autorizada ou conveniada com o poder público para esse fim; (2) demonstração da integração do curso à distância realizado ao projeto político-pedagógico (PPP) da unidade ou do sistema prisional; (3) indicação da carga horária a ser ministrada e do conteúdo programático; (4) registro de participação da pessoa privada de liberdade nas atividades realizadas. No caso, a entidade educacional não está cadastrada junto à unidade prisional, tampouco está devidamente autorizada ou conveniada com o Poder Público para tal fim. Não há, outrossim, evidência de que a entidade, emissora do certificado do curso, seja credenciada junto ao Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (SISTEC) do Ministério da Educação para ofertar os cursos realizados pelo apenado, não sendo possível aferir se a certificação possui respaldo das autoridades educacionais competentes, na forma do art. 129 da LEP. Ademais, frise-se, a afirmação genérica de que a entidade de ensino está cadastrada junto ao Ministério da Educação não supre a referida exigência. Vale lembrar que, ainda que concluídos os cursos na modalidade a distância, a remição em decorrência do estudo exige, para cada dia de pena remido, a comprovação de horas de estudo, que, dada a sistemática da lei de execução penal, encontrando-se o apenado sob a custódia do Estado, deve preceder de fiscalização e autenticidade do cumprimento dos requisitos legais. Contudo, embora a orientação jurisprudencial disponha que o apenado não pode ser prejudicado pela inércia do Estado na fiscalização, no caso, não se cuida de falha na fiscalização. Na verdade, o que se verifica é a efetiva ausência de prévio cadastramento da entidade de ensino com a unidade prisional e o poder público para a finalidade pretendida, conforme expressamente consignado pelo Juízo das Execuções Penais.
Continuidade normativo-típica na Lei de Improbidade Administrativa após abolição da violação genérica
Haverá abolição da figura típica da Lei de Improbidade Administrativa quando a conduta anteriormente tipificada sob a antiga redação do art. 11 da LIA se tornar irrelevante para os fins da referida Lei e não quando tenha sido disciplinada por dispositivo legal diverso, ou seja, os novéis incisos do art. 11 da Lei n. 8.429/1992. No caso, a instância originária reconheceu que o réu, "de maneira dissimulada, tentava eternizar seu mandato fazendo promoção pessoal para o presente e futuro, na medida em que remete a população local à realização de obras, campanhas de órgãos públicos etc, pela pessoa física do Prefeito e não pela Prefeitura Municipal, numa verdadeira confusão intencional". Tal conduta está agora explicitamente prevista como ímproba no inciso XII do art. 11 da LIA, segundo o qual haverá improbidade administrativa quando houver a prática "no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos". Além disso, não é demais relembrar os termos do § 1º do art. 37 da Constituição Federal: "A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos." Dessa forma, não obstante a abolição da genérica hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios administrativos anteriormente prevista no caput do art. 11 da Lei n. 8.249/1992, a novel previsão, entre os seus incisos, da conduta considerada no acórdão como violadora dos princípios da moralidade e da impessoalidade evidencia verdadeira continuidade típico-normativa.
Regra específica da execução assegura legitimidade do cessionário na cessão de crédito
A controvérsia cinge-se sobre a existência de legitimidade ou não do cedente para propor, em nome próprio, o cumprimento de sentença relativo a diferenças decorrentes da mora no cumprimento do crédito cedido. O Tribunal de origem, compreendeu que, apesar de a cessão vir registrada no acordo promovido com o devedor, homologado em juízo, a legitimidade das partes não se alteraria pela alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, e que o art. 42 do CPC/1973 permitiria que a autora cedente, na condição de substituta processual, perseguisse o crédito gerado pelo atraso no adimplemento da obrigação. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, ao apreciar o REsp 1.091.443/SP, julgado na forma do art. 543-C do CPC/73 (Recurso Especial Repetitivo), esclareceu que "Em havendo regra específica aplicável ao processo de execução (art. 567, II, do CPC), que prevê expressamente a possibilidade de prosseguimento da execução pelo cessionário, não há falar em incidência, na execução, de regra que se aplica somente ao processo de conhecimento no sentido da necessidade de anuência do adversário para o ingresso do cessionário no processo (arts. 41 e 42 do CPC)" (relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 2/5/2012, DJe de 29/5/2012), não havendo, portanto, como reconhecer a legitimidade do cedente originário para propor a execução do título judicial formado em âmbito de transação judicialmente homologada. Dessa forma, existindo regra específica que traz a possibilidade de prosseguimento da execução pelo cessionário, cabe a ele a legitimidade para pleitear valores supervenientes, decorrentes do inadimplemento do devedor em relação ao objeto da transação homologada judicialmente, para pôr fim à ação ordinária, devendo, assim, ser afastada a aplicação do art. 42 do CPC/73.