Competência da Justiça do Trabalho em demandas com matéria previdenciária dependente da trabalhista
Não se aplica à hipótese a decisão do STF no RE n. 586.453/SE. Isso porque, no caso dos autos, foi ajuizada a reclamação trabalhista contra a Caixa Econômica Federal e a Fundação dos Economiários Federais, visando a reimplantação do auxílio-alimentação pago em pecúnia, bem como a complementação da aposentadoria, a fim de que reflita a inclusão da parcela salarial no benefício. Não se discute aqui valor pago por entidade de previdência privada (benefício previdenciário). A ação foi ajuizada e distribuída, inicialmente, ao Juízo da Vara do Trabalho, ao argumento de que a causa de pedir é previdenciária, de modo que a solução da controvérsia deve ser julgada no âmbito da Justiça comum. Depois, os autos foram encaminhados ao Juízo de Direito da Vara Cível. Este, ao suscitar o presente conflito, entendeu que a solução da controvérsia trabalhista, com o reconhecimento do direito de receber o auxílio-alimentação, consubstancia-se prejudicial em relação ao exame da demanda previdenciária. A jurisprudência desta Corte pacificou orientação no sentido de que a competência para processamento e julgamento é definida em razão do pedido e da causa de pedir e, no caso concreto, a causa de pedir envolve relação tanto trabalhista quanto previdenciária, uma vez que a reclamação trabalhista foi ajuizada visando a reimplantação do auxílio-alimentação, ante a natureza salarial da verba, estando, portanto, integrada ao contrato de trabalho. Assim, embora o reclamante também pretenda a complementação da aposentadoria, em demanda autônoma, previdenciária, direcionada contra a FUNCEF, fica evidenciado que a demanda trabalhista é primária e de seu resultado depende, inclusive, a questão previdenciária. Desse modo, é competente a Justiça laboral para, dentro dos seus limites de jurisdição e dos limites impostos pela própria parte autora, apreciar e julgar a controvérsia.
Inclusão de TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS de energia elétrica
A questão controvertida nos feitos que foram afetados ao julgamento no rito dos Recursos Repetitivos tem por escopo definir se os encargos setoriais correlacionados com operações de transmissão e distribuição de energia elétrica - especificamente a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) -, lançados nas faturas de consumo de energia elétrica, e suportados pelo consumidor final, compõem a base de cálculo do ICMS. Inicialmente, merecem atenção as referências, tanto na disciplina constitucional (art. 34, § 9º, do ADCT) como na infraconstitucional (arts. 9º, § 1º, II, e 13, I, e § 2º, II, "a", da LC 87/1996), a expressões que, de modo inequívoco, indicam como sujeitas à tributação as "operações" (no plural) com energia elétrica, "desde a produção ou importação até a última operação". Tal premissa revela-se de essencial compreensão, pois o sistema nacional da energia elétrica abrange diversas etapas interdependentes, conexas finalisticamente, entre si, como a geração/produção (ou importação), a transmissão e a distribuição. Nesse sentido, as atividades essenciais da indústria de energia elétrica, conforme a disciplina jurídica vigente no território nacional, são: produção/geração, transmissão e distribuição de eletricidade. A atividade que dá início ao processo é a geração, quando ocorre a produção de eletricidade por meio de fontes diversas (hidrelétrica, eólica, etc.). Posteriormente, dá-se a transmissão, ou seja, a propagação de eletricidade, que ocorre em alta tensão, por longa distância. No atual modelo jurídico em vigor o transmissor não compra ou vende energia elétrica, limitando-se a disponibilizar as instalações em alta voltagem e a respectiva manutenção. Os usuários dos sistemas de transmissão, por sua vez, celebram Contrato de Uso do Sistema de Transmissão - CUST; definem no contrato a quantidade de uso contratada e efetuam o pagamento do montante contratado, mediante a aplicação da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão - TUST. Finalmente, a distribuição de energia elétrica abrange (a) a disponibilização de instalações que propagarão energia elétrica, em baixa tensão, normalmente a curtas distâncias, aos consumidores a ela conectados; e (b) a comercialização de energia elétrica à parte dos usuários conectados à sua rede. Nesse contexto, existem dois diferentes ambientes em que se dá a comercialização de energia elétrica. O primeiro é o Ambiente de Contratação Livre - ACL, no qual ocorre a comercialização por livre negociação entre os agentes vendedores (geradores ou terceiros comerciantes) e os agentes compradores - denominados consumidores livres (em regra, indústrias de grande porte, que consomem elevada quantidade de energia elétrica no processo produtivo) -, nos termos do art. 1º, § 3º, da Lei 10.848/2004. No ACL, a atividade da distribuidora se resume à disponibilização de sua rede, na forma de Contratos de Uso do Sistema de Distribuição - CUSD celebrados com os usuários, com a incidência da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição - TUSD. De outro lado, no Ambiente de Contratação Regulada - ACR, a distribuidora disponibiliza a sua rede aos usuários - os quais são denominados consumidores cativos (consumidores residenciais e empresas de pequeno ou médio porte) -, mediante pagamento de tarifa (TUSD), como vendedora de energia elétrica. Além da TUST e da TUSD, comumente denominadas "tarifas de fio", a fatura de consumo de energia elétrica prevê a incidência da "Tarifa de Energia" (TE), que é referente ao valor da operação de compra e venda da energia elétrica a ser consumida pelo usuário. É importante esclarecer que todos os encargos acima referidos são suportados, efetivamente, pelo consumidor final da energia elétrica, sendo irrelevante definir a natureza jurídica da TUST e da TUSD (se taxa ou preço público), porquanto o presente objeto litigioso pode ser assim definido: constituindo tais cobranças a remuneração por serviço alegadamente intermediário e inconfundível com a compra e venda de energia elétrica (pois a transmissão e a distribuição de energia elétrica não constituem circulação jurídica da aludida mercadoria), seria possível a sua inclusão na base de cálculo do ICMS? No Superior Tribunal de Justiça, a resposta ao questionamento acima costumeiramente se dava no sentido de definir que a TUSD (estendendo-se o mesmo raciocínio para a TUST) não integra a base de cálculo do ICMS sobre o consumo de energia elétrica, "uma vez que o fato gerador ocorre apenas no momento em que a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida. Assim, tarifa cobrada na fase anterior do sistema de distribuição não compõe o valor da operação de saída da mercadoria entregue ao consumidor". O entendimento acima, que vinha sendo construído, ao que parece, a partir do precedente contido no REsp 222.810/MG (Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, DJ 15.5.2000, p. 135), foi modificado pelo julgamento, na Primeira Turma do STJ, do REsp 1.163.020/RS (Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe 27.3.2017), quando se definiu que "O ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração, transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas - entre elas a referente à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) - compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar n. 87/1996". Com efeito, os pronunciamentos do STJ a respeito da inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS-Energia Elétrica valeram-se de precedentes anteriores que examinaram tema conexo, mas absolutamente distinto, isto é, se a contratação de potência de energia (energia contratada, mas não consumida) está incluída no conceito de fato gerador da energia elétrica, para efeito de incidência do ICMS. Em momento algum, nos aludidos precedentes iniciais, houve enfrentamento específico a respeito da inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS. É no presente caso, contudo, que se debate o que se deve entender pela expressão "tarifa correspondente à energia efetivamente consumida", isto é, se abrange somente a "Tarifa de Energia" (TE) - em relação à qual não há dissídio entre as partes - ou também a TUST e a TUSD, como integrantes das operações feitas "desde a produção até a operação final", de efetivo consumo da energia. Assim, uma coisa é a remuneração do serviço público (de transmissão e distribuição de energia elétrica) por tarifa (respectivamente, TUST e TUSD), como instrumento de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contratos firmados para atividades empresariais que, por razões de política de gestão do sistema de energia elétrica, foram desmembradas da geração da energia elétrica, bem como analisar se tal tipo de serviço constitui "circulação de mercadoria" (fato gerador do ICMS). Questão absolutamente diversa é definir se o repasse de tais encargos ao consumidor final, na cobrança da fatura de consumo de energia elétrica, deve compor a base de cálculo do ICMS. Dessa forma, o entendimento concernente à alegada autonomia dos contratos relativos à transmissão e distribuição de energia elétrica, como situação autônoma e desvinculada do consumo, revela-se de todo inútil e equivocado para os fins de solução da lide. Inútil porque não se está a discutir a incidência de ICMS sobre tal fato (celebração de contrato), ou sobre a prestação de serviço - transmissão e distribuição de energia elétrica. Equivocada (a premissa) porque não se revela logicamente concebível afirmar que a transmissão e distribuição de energia elétrica possam ser qualificadas como autônomas, independentes, pois a energia elétrica é essencialmente produzida ou gerada para ser consumida, se parte dessa mercadoria, circunstancialmente, não for consumida, tal situação dirá respeito à própria não ocorrência do fato gerador do ICMS. Sendo assim, mostra-se incorreto concluir que, apurado o efetivo consumo da energia elétrica, não integram o valor da operação, encontrando-se fora da base de cálculo do ICMS, os encargos relacionados com situação que constitui antecedente operacional necessário (a transmissão e a distribuição, após a prévia geração da energia elétrica que foi objeto de compra e venda). Tal raciocínio não condiz com a disciplina jurídica da exação que, seja no ADCT (art. 34, § 9º), seja na LC 87/1996 (art. 9º, § 1º, II), quando faz referência ao pagamento do ICMS sobre a energia elétrica, conecta tal situação (isto é, o pagamento do tributo) à expressão "desde a produção ou importação até a última operação", o que somente reforça a conclusão de que se inclui na base de cálculo do ICMS, como "demais importâncias pagas ou recebidas" (art. 13, § 1º, II, "a", da LC 87/1996), o valor referente à TUST e ao TUSD - tanto em relação aos consumidores livres como, em sendo o caso, para os consumidores cativos. Ressalte-se, por fim, que a única hipótese que, em princípio, justificaria a tese defendida pelos contribuintes, seria aquela em que fosse possível o fornecimento de energia elétrica diretamente pelas usinas produtoras ao consumidor final, sem a necessidade de utilização das redes interconectadas de transmissão e distribuição de energia elétrica - hipótese em que, a rigor, nem sequer seriam por ele devidos os pagamentos (como efetivo responsável ou a título de ressarcimento, conforme previsão em lei, regulamentação legal ou contratual) de TUST e TUSD.
Incidência de contribuição previdenciária sobre 13º proporcional do aviso prévio indenizado
De início, consigna-se que se trata da definição de questão de direito que prescinde da análise de dispositivos constitucionais, mas sim e apenas da interpretação de comandos emergentes de preceitos de natureza legal (arts. 22 e 28 da Lei 8.212/1991). Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal recusou a submissão da matéria ao regime da repercussão geral, destacando, para tanto, a inexistência de questão constitucional a ser enfrentada (Tema 754/STF). O tema tangencia o quanto já decidido por este Tribunal Superior por ocasião do julgamento do REsp 1.230.957/RS, oportunidade em que a Primeira Seção, debruçando-se sobre a natureza jurídica de diversas verbas trabalhistas, fixou teses jurídicas acerca da incidência de contribuição previdenciária sobre elas (Temas Repetitivos 478/STJ, 479/STJ, 737/STJ, 738/STJ, 739/STJ e 740/STJ). No leading case em questão evidentemente não se cuidou da rubrica de que ora se cuida (décimo terceiro proporcional ao aviso prévio indenizado), razão pela qual o presente recurso especial foi afetado a julgamento pela Primeira Seção, a fim de que, também para tal verba, seja edificado precedente de caráter vinculante, conferindo-se segurança jurídica à relação entre os contribuintes com o Fisco no tocante à incidência da contribuição previdenciária patronal. Examinada que seja a jurisprudência do STJ acerca da questão de direito posta, não se faz necessária maior digressão sobre ela, haja vista que a submissão da controvérsia ao regime dos recursos repetitivos parece ter por escopo, precipuamente, reafirmar-se sob esse especial regime jurídico de formação de precedentes vinculantes a sedimentada jurisprudência persuasiva de ambas as Turmas de Direito Público do STJ, a dizer que, à luz da interpretação dos arts. 22, I, e § 2º, e 28, § 9º, da Lei n. 8.212/1991, incide a contribuição previdenciária patronal sobre os valores pagos ao trabalhador a título de décimo terceiro proporcional ao aviso prévio indenizado, incidência essa que decorre da natureza remuneratória da verba em apreço.
Condenação de terceiro por gestão fraudulenta em instituição financeira exige dolo específico
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o crime do art. 4º da Lei n. 7.492/1986, por ser delito próprio (e não de mão própria) admite o concurso de terceiros, sendo possível a condenação de pessoas que não são gestores de instituição financeiras ou que são a eles são equiparados, segundo o rol previsto no art. 25 da mesma Lei, pois as elementares se comunicam ao terceiro que, dolosamente, adere e concorre para a prática delitiva em conjunto com o agente que detém a condição especial exigida pelo tipo penal. No caso, o acusado não era gestor (ou equiparado) da instituição financeira, mas a sua condenação ocorreu na modalidade de concurso de pessoas porque teria concorrido, juntamente com os corréus que eram gestores do banco, para a prática do crime de gestão fraudulenta dessa instituição. A condenação exige que haja a demonstração concreta, por meio de elementos de provas, de que o terceiro tinha ciência de que os atos para os quais estava dolosamente concorrendo tinham por finalidade a gestão fraudulenta da instituição financeira. Não pode estar lastreada em presunções ou meros indícios, mas demanda prova concreta de que o agente praticou as elementares do tipo penal, ou no caso de condenação em razão concurso de pessoas, de que o agente aderiu, expressa e dolosamente, ao cometimento do delito pelo co-autor. No caso não há qualquer elemento concreto de prova, demonstrando que o sentenciado, enquanto administrador da sua empresa, que não era instituição financeira, tinha ciência de que as transações por ela realizadas, algumas com o banco, objetivavam a execução de fraudes na gestão desta instituição bancária. A condenação está fundamentada na simples condição de dirigente da sua empresa, na presunção de que, como administrador experiente no ramo imobiliário e financeiro, deveria ter conhecimento de que os valores pagos no imóvel, que posteriormente foi oferecido como garantia de mútuo contratado com o banco, estaria acima dos praticados no mercado e de que a transação por ele realizada seria de risco para a sua própria empresa (e não de risco para a instituição financeira), bem assim de que sua empresa não teria lastro para arcar com os pagamentos do empréstimo tomado, além do fato de não ter registrado as transações imobiliárias no registro de imóveis e recolhido o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis - ITBI. Além disso, mesmo se que as instâncias ordinárias tivessem indicados prova concreta da existência desses fatos, diriam respeito à gestão do acusado em relação à própria empresa por ele dirigida, não configurando, por si só, uma adesão voluntária e dolosa à gestão fraudulenta praticada pelos corréus no Banco Econômico S.A., crime pelo qual foi condenado. Sem indicação dessas provas, a absolvição é medida que se impõe.