Resolução da cessão real de uso de jazigos: retorno da titularidade, restituição e retenção proporcional
Cinge-se a controvérsia em saber se, na hipótese de concessão de direito real de uso perpétuo de jazigo em cemitério particular, a resolução contratual enseja a restituição dos valores pagos. Na jurisprudência desta Corte, nos poucos precedentes sobre o tema, definiu-se que o jus sepulchri (direito de sepultura) em cemitérios públicos é regido pelo direito público, enquanto o jus sepulchri em cemitério particular é regido pelo direito privado, aplicando-se, inclusive, o Código de Defesa do Consumidor (REsp n. 747.871/RS, Segunda Turma, DJe 18/11/2008; e REsp n. 1.090.044/SP, Terceira Turma, DJe 27/6/2011). A par das diversas classificações defendidas (enfiteuse, propriedade limitada ou resolúvel, servidão etc.), tem-se que o jus sepulchri mais se assemelha ao direito real de uso do jazigo, que pode ser cedido pelo cemitério particular ao interessado. Não se trata, todavia, de um comum direito real de uso, previsto no Código Civil. Dentre as suas diferenças, o Código prevê a sua extinção pela morte do usuário, por aplicação subsidiária do art. 1.410, enquanto a doutrina é pacífica no sentido de que uma das características essenciais do jus sepulchri é a sua transferência por ocasião do falecimento do titular, sendo admitida, ainda, a cessão onerosa entre vivos, quando se trata de jazigo vazio em cemitério particular. Como é cediço, no âmbito do direito privado, o contrato pode ser extinto antes de sua execução por causas supervenientes à sua formação, por meio da resolução ou resilição (ambas genericamente chamadas de rescisão contratual). Registra-se que a jurisprudência desta Corte reconhece a possibilidade de a própria parte inadimplente pleitear a resolução do contrato, diante da insuportabilidade das prestações (REsp n. 1.300.418/SC, Segunda Seção, DJe 10/12/2013). Essa é a hipótese do caso em discussão, tendo em vista que uma das partes, alegando não mais possuir condições de pagar as taxas pactuadas, ajuizou a presente ação, requerendo a "rescisão contratual", com a restituição ao estado anterior. Ressalta-se que as partes não divergem quanto à resolução do contrato, nem quanto à restituição da titularidade do direito real de uso do jazigo ao cemitério. A controvérsia se limita à possibilidade ou não de restituição das quantias pagas em negócio pactuado, em que o recorrente, de um lado, se comprometeu a transferir o direito real de uso perpétuo do jazigo e o recorrido, em contraprestação, se comprometeu pagar o valor equivalente na forma pactuada, além de pagar a taxa semestral de manutenção e administração. Nesse sentido, a resolução do contrato implica a restituição das partes ao status quo ante, com a restituição recíproca de todos os valores necessários para que as partes retornem ao estado anterior à avença, indenizando-se o que não puder ser restituído, além de perdas e danos. Assim, o recorrente (mantenedor do Cemitério) deve receber de volta a titularidade do direito real de uso perpétuo do jazigo, que poderá, novamente, ser transferido de forma onerosa a outrem (até mesmo por valor igual ou superior ao que foi pago pelo recorrido). No contrato em exame, o objeto é a transferência da titularidade do direito real de uso perpétuo do jazigo, de modo que o valor pago não foi correspondente a apenas um período determinado de uso, mas sim pelo uso perpétuo, o que, como visto, não se consumou. Sendo assim, se a titularidade do direito real retornará ao mantenedor do Cemitério, este deve restituir o respectivo valor pago sob pena, inclusive, de enriquecimento sem causa. Ressalte-se, contudo, que não se pode admitir que a parte use o jazigo pelo período que bem entender e obtenha a resolução do contrato com a restituição integral do valor pago, sob pena de também caracterizar enriquecimento sem causa, pelo tempo de uso gratuito do jazigo. Assim, diante da natureza desse contrato e considerando que o valor pago foi pelo uso perpétuo, a melhor forma de indenizar pelo período efetivamente usado é autorizar ao Cemitério a retenção de parte do valor pago, proporcionalmente ao tempo utilizado, a ser analisada em cada hipótese.
Nulidade de intimação por edital para alegações finais em processo administrativo ambiental exige prejuízo concreto
Percebe-se, de início, que o comando do art. 122 do Decreto n. 6.514/2008 sempre obedeceu às disposições dos arts. 28 e 44 da Lei n. 9.784/1999. Assim, tem-se que, após a instrução, sempre foi conferida oportunidade para o administrado manifestar-se no processo em alegações finais, em perfeita sintonia com o preceito do art. 44 da "lei geral" do processo administrativo em âmbito federal. Nesse sentido, o oferecimento de alegações finais constitui um ônus processual imposto ao particular pela Lei n. 9.784/1999, a qual determina a intimação do interessado para que elas sejam apresentas (art. 28), intimação esta que o art. 122 do regulamento do processo administrativo ambiental nunca deixou de estabelecer, variando no tempo, tão somente, a forma pela qual o ato processual de intimação haveria de ocorrer. Assim, o ponto central da controvérsia encontra-se relacionado em saber se a forma de intimação prevista no art. 122 do Decreto n. 6.514/2008, no período de 22/7/2008 até 11/4/2019, configuraria, em si mesma, nulidade processual por afronta aos postulados do contraditório e da ampla defesa e, em especial, por infringência aos arts. 2º e 26, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.784/1999. No âmbito da Primeira Turma, por sua vez, colhem-se duas decisões colegiadas sobre o tema, ambas no sentido do reconhecimento da nulidade processual por violação ao art. 26 da Lei n. 9.784/1999 (AgInt no AREsp n. 1.701.715/ES, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 30/8/2021, DJe de 8/9/2021 e AgInt no REsp n. 1.374.345/PR, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 16/8/2016, DJe de 26/8/2016). No entanto, à luz do Decreto n. 6.514/2008 (antes do advento do Decreto 9.760/2019) em termos de regulação do "processo administrativo próprio", previsto no art. 70, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.605/1998, tem-se que lavrado o auto de infração ambiental, o infrator era e sempre foi pessoalmente notificado para apresentar defesa; ocorrendo ou não produção de provas em fase processual de instrução, o procedimento seguia seu curso para a fase subsequente, de alegações finais, cuja intimação fazia-se pela via editalícia apenas e tão somente nos casos em que a autoridade julgadora estivesse compelida a manter ou a diminuir as sanções impostas ao infrator pelo agente autuante. Antevendo-se, portanto, a possibilidade de agravamento da penalidade em decorrência das circunstâncias do caso concreto, o próprio regulamento específico do processo administrativo ambiental estabelecia o direito à intimação pessoal para apresentação de alegações finais, densificando, assim, a garantia de ampla defesa do autuado. O que se defende então, é que o regulamento específico do processo administrativo ambiental (Decreto n. 6.514/2008) não seja declarado ilegal à luz da aplicação subsidiária a esse processo do art. 26 da Lei n. 9.784/1999, simplesmente com base em uma defesa em abstrato do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa; mas sim que tais garantias fundamentais sejam eficazmente protegidas a partir da verificação de prejuízo concreto ao administrado decorrente da intimação editalícia para a apresentação de alegações finais. Trata-se, desse modo, de interpretação das regras legais e regulamentares aplicáveis ao caso concreto que prestigia o princípio da segurança jurídica pela vertente da preservação dos atos processuais, os quais, na moderna processualística, não devem ser objeto de declaração de nulidade por vício de forma se: i) realizados sob forma diversa da prevista em lei, atingiram a finalidade que deles se esperava; ou ii) realizados sob forma diversa, não acarretaram prejuízo concreto àquele a quem aproveitaria a declaração de nulidade (pas de nullité sans grief). Dessa forma, o prejuízo à defesa do autuado, na espécie, não se presume, haja vista que a intimação ficta para a apresentação de alegações finais tinha por pressuposto a proibição de agravamento das sanções impostas ao infrator pelo agente autuante, na forma do art. 123, parágrafo único, do Decreto n. 6.514/2008. Conclui-se, portanto, que nos processos administrativos ambientais previstos no art. 70, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.605/1998, aos quais se aplicam, subsidiariamente, as disposições da Lei n. 9.784/1999, somente é admissível a declaração judicial de nulidade processual decorrente da intimação editalícia para apresentação de alegações finais, tal como prevista no art. 122, parágrafo único, do Decreto n. 6.514/2008, na redação anterior ao advento do Decreto n. 9.760/2019, se comprovado prejuízo concreto à defesa do autuado.
Cumprimento definitivo da parcela incontroversa e coisa julgada progressiva no CPC 2015
A nova lei processual se aplica imediatamente aos processos em curso (ex vi do art. 1.046 do CPC/2015), respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, enfim, os efeitos já produzidos ou a se produzir sob a égide da nova lei. Haja vista que o processo é constituído por inúmeros atos, o Direito Processual Civil orienta-se pela Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de determinar qual a lei que o regerá (princípio do tempus regit actum). Esse sistema está expressamente previsto no art. 14 do CPC/2015. Com base nesse princípio e em homenagem à segurança jurídica, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça interpretou o art. 1.045 do Código de Processo Civil de 2015, após concluir que o novo Código entrou em vigor no dia 18.3.2016, elaborou uma série de enunciados administrativos sobre regras de direito intertemporal (vide Enunciados Administrativos n. 2 e 3 do STJ). Esta Corte de Justiça estabeleceu que a lei que rege o recurso é aquela vigente ao tempo da publicação do decisum. Assim, se a decisão recorrida for publicada sob a égide do CPC/1973, este Código continuará a definir o recurso cabível para sua impugnação e a regular os requisitos de sua admissibilidade. A contrario sensu, se a intimação se deu na vigência da lei nova, será ela que vai regular integralmente a prática do novo ato do processo, o que inclui o cabimento, a forma e o modo de contagem do prazo. A sistemática do Códex Processual, ao albergar a coisa julgada progressiva e autorizar o cumprimento definitivo de parcela incontroversa da sentença condenatória, privilegia os comandos da efetividade da prestação jurisdicional e da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/1988 e 4º do CPC/2015), bem como prestigia o próprio princípio dispositivo (art. 2º do CPC/15).
Reconhecimento judicial de obrigação contratual alimentar a clérigo inativo sem interferência estatal
A côngrua (católica) ou prebenda (evangélica) é uma verba de caráter alimentar que uma organização religiosa (cristã) paga a seus ministros de confissão religiosa (padre ou pastor) com finalidade de prover seu sustento. A obrigatoriedade do pagamento da côngrua que justifica o controle judicial pode ser compreendida pela evolução histórica de seu caráter tributário/fiscal para moral/natural e, em determinadas situações, contratual/civil. O caráter contratual da côngrua passa a existir quando a entidade prevê seu pagamento (i) de forma obrigatória, (ii) fundamentado em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal. A regra do art. 44, § 2°, do CC confere às organizações religiosas liberdade de funcionamento, que não é absoluta, pois está sujeita a reexame pelo judiciário da compatibilidade de seus atos com seus regulamentos internos e com a lei. Quando a côngrua assume caráter contratual, seu eventual inadimplemento pode ser apreciado pelo Poder judiciário sem que implique em interferência indevida do poder público no funcionamento da organização religiosa. Caso em que a organização religiosa havia reconhecido a obrigatoriedade do pagamento vitalício de "côngrua de jubilação" em decorrência da entrada em inatividade de seu pastor, com previsão estatutária e registro formal do ato deliberativo interno, e implementação do pagamento por quase vinte anos, deixando de pagar diferenças devidas nos últimos anos de vida do jubilado. O Tribunal de origem considerou que o inadimplemento não era razoável pelo comportamento contraditório da devedora em reconhecer a obrigação, pagar por longo tempo, e negar o dever de pagamento por entender que o adimplemento era mera liberalidade, razão pela qual entendeu violados os princípios da boa-fé e da proteção da confiança nas relações contratuais. Em outras palavras, o Tribunal de origem considerou que a côngrua teve seu pagamento (i) previsto de forma obrigatória (ii) em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal. Estão preenchidos, portanto, os elementos que permitem o controle judicial do inadimplemento de uma obrigação de caráter contratual. Portanto, o reconhecimento pelo poder judiciário de obrigação (de natureza contratual), assumida por pessoa jurídica de direito privado (igreja evangélica) de pagar verba de natureza alimentar (côngrua) a preposto (pastor) após ato de inativação (jubilamento) previsto em normativo interno (estatuto) e formalizada em ato interno (ata) - com base em regramentos internos e com princípios de direito contratual - não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas, afigurando-se ausente a violação ao art. 44, § 2º, do CC.