Invalidade de relações jurídicas sob Medida Provisória suspensa por liminar em ADI
O Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões, rejeitou o controle de constitucionalidade concentrado da aplicação da MP n. 242/2005, uma vez que sendo rejeitada, só restariam as relações jurídicas constituídas sob a sua a égide, relações subjetivas que deveriam ser tratadas por outros meios processuais. A referida Medida Provisória foi suspensa por decisão liminar na ADI n. 3467- 7/DF, sendo esta ação posteriormente extinta por perda de objeto, uma vez que o Congresso Nacional rejeitou a Medida Provisória por razões de inconstitucionalidade. Nesse sentido, o §11º do art. 62 da Constituição Federal de 1988 estabelece que as relações jurídicas decorrentes de atos praticados durante a vigência de uma Medida Provisória rejeitada são regidas por ela. Isso significa que os atos realizados sob o amparo da MP permanecem válidos, mesmo após a sua rejeição. No presente caso, essa determinação abrange não apenas os atos diretos resultantes da aplicação da MP, mas também os efeitos decorrentes desses atos, incluindo atos judiciais que levaram à suspensão da eficácia da MP em controle concentrado de constitucionalidade. A ausência de higidez jurídica é a marca destas relações formadas por norma jurídica afastada em controle de constitucionalidade por decisão liminar. Conforme bem pontuado pelo Tribunal de origem, no momento da edição do Ato Declaratório n. 1, do Senado Federal, em 20/7/2005, que rejeitou a MP, "vigia a medida cautelar concedida pelo STF, suspendendo a eficácia da referida norma, razão pela qual admitir-se o entendimento defendido pela autarquia, de que se perpetuariam as consequências concretas produzidas no período de vigência da MP, implicaria em verdadeira repristinação, fazendo a norma ter efeitos em momento no qual estava suspensa; repristinação essa que adviria, contraditoriamente, de sua própria revogação. Dessa forma, uma vez constatada a inconstitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal por meio de medida liminar, a qual ainda estava em vigor quando da rejeição da Medida Provisória pelo Congresso Nacional, as relações jurídicas objeto de impugnação judicial não podem ser consideradas válidas.
Indedutibilidade de repasses a correspondentes bancários na base do PIS e da COFINS
As instituições financeiras, de acordo com o art. 17 da Lei n. 4.595/1964, têm entre suas atividades a operação de intermediação financeira, a qual consiste na captação de recursos dos agentes econômicos superavitários (poupadores), remunerados com juros, para emprestá-los aos agentes deficitários (tomadores), com a cobrança de juros. Para exercer essa atividade, as instituições financeiras podem se valer da contratação de correspondentes bancários que são, em regra, pessoas jurídicas (exceto os prestadores de serviços notariais pessoa física) contratadas pela instituição financeira para atender clientes e usuários da contratante, que se responsabilizam plenamente pelo atendimento prestado aos clientes e usuários por meio da parte contratada. Desse modo, constata-se que os correspondentes, de fato, facilitam o relacionamento da instituição financeira contratante com seus clientes e usuários e a realização dos serviços mais corriqueiros de um banco. Contudo, isso não implica dizer que as despesas desembolsadas para a manutenção daqueles devem ser deduzidas da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS. Isso porque as despesas que podem ser excluídas da base de cálculo dos referidos tributos são aquelas que diretamente estão relacionadas com a intermediação financeira, a qual, por sua vez, é relação que ocorre entre a instituição financeira e o terceiro, e não entre aquela (instituição) e o correspondente O valor da remuneração paga aos correspondentes bancários, que pode ser composta por comissões, na verdade, constitui despesa administrativa decorrente da escolha da instituição bancária de se valer daqueles (os correspondentes) como um meio de prestar a atividade de intermediação financeira, optando por contratá-los em substituição à admissão direta de empregados e à expansão do número de agências e pontos de atendimento próprios. Essas últimas despesas, portanto, servem para remunerar a relação jurídica estabelecida entre a instituição financeira e o seu correspondente bancário, pelo que não se trata de despesas com a operação de intermediação financeira propriamente dita. Por isso, não podem (tais despesas) ser deduzidas da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS, pois em nada se relaciona com o ato econômico em si.
Suspensão imediata do perfil de motorista de aplicativo por infração grave e recredenciamento após defesa
Cinge-se a controvérsia a definir se é possível o descredenciamento definitivo de motorista de aplicativo, sem direito ao contraditório, à ampla defesa e à notificação prévia. Nos termos do art. 5º, I, combinado com o art. 12, §2º, da Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD, entende-se que o conjunto de informações que leva ao descredenciamento do perfil profissional do motorista de aplicativo se configura como dado pessoal, atraindo a aplicação da LGPD. A transparência é o princípio da LGPD que garante aos titulares informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento de dados. O titular dos dados pessoais, que pode ser o motorista de aplicativo, possui o direito de exigir a revisão de decisões automatizadas que definam seu perfil profissional, nos termos do art. 20 da LGPD. Conjugando este dispositivo com a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, entende-se que o titular de dados pessoais deve ser informado sobre a razão da suspensão de seu perfil, bem como pode requerer a revisão dessa decisão, garantido o seu direito de defesa. Considerando que, a depender da situação fática, a plataforma de transporte individual poderá ser responsabilizada por eventuais danos causados ou sofridos por seus usuários, cabe a ela analisar os riscos que envolvem manter ativo determinado perfil de motorista. Assim, sendo o ato cometido pelo motorista suficientemente gravoso, trazendo riscos ao funcionamento da plataforma ou a seus usuários, não há óbice para a imediata suspensão do perfil profissional, com a possibilidade de posterior exercício de defesa visando ao recredenciamento. Seriam os casos, por exemplo, de comportamento inadequado do motorista em razão de assédio ou importunação sexual, racismo, crimes contra o patrimônio, agressões físicas e verbais, dentre outras questões que envolvem não somente o contratante, senão o consumidor, seu bem-estar, segurança e dignidade. Conferido o direito de defesa e ainda assim a plataforma concluir que restou comprovada a violação aos termos de conduta, não há abusividade no descredenciamento do perfil. Até porque não se afasta a possibilidade de revisão judicial da questão.
Litisconsórcio passivo necessário e habilitação do ofendido no mandado de segurança
As garantias constitucionais do devido processo legal, do exercício do contraditório e da ampla defesa, sob o prisma da defesa, também deve ser considerada sob a perspectiva do ofendido/vítima, tendo em vista o inafastável interesse no resultado advindo do processo instaurado. Nesta perspectiva, a vítima participa ativamente ao ser ouvida, ao apresentar elementos de prova ou sugerir diligências, bem como ao atuar em favor da reparação dos danos sofridos em decorrência da conduta criminosa. Nessa linha, as alterações do Código de Processo Penal, expressaram a crescente intenção do legislador de confiar papel relevante ao ofendido seja na fase inquisitorial, seja na fase acusatória da persecução penal. Noutro viés, a jurisprudência do STJ e do STF, em regra, não admitia intervenção de terceiros em ação de mandado de segurança, assim como em habeas corpus. Contudo, ao longo dos anos, o entendimento desta Corte e do Supremo Tribunal Federal passou a flexibilizar a intervenção de terceiros em sede de habeas corpus, para permitir a participação do querelante no julgamento do writ. Dessarte, se na hipótese de utilização da ação de habeas corpus, na qual se tutela o direito constitucional de locomoção, a jurisprudência excepcionalmente tem admitido a possibilidade de intervenção, a mesma compreensão pode ser aplicada ao mandado de segurança, uma vez que o direito a ser discutido se refere à tutela dos interesses legítimos da vítima, no caso, a reparação de danos. Na situação em análise, a ação constitucional na origem, ao impugnar decisão que indeferiu restituição de valores oriundo de furto milionário, ensejou a ampliação do direito de participação da vítima (Banco Central) no feito mandamental cujo propósito afeta seus interesses legítimos de ressarcimento dos danos em decorrência do crime praticado. Afastar a vítima da discussão que busca delimitar ou condicionar seu direito de participar ativamente nos feitos que afetam seus interesses viola exatamente o referido direito de participação. Ademais, diversamente do que ocorre com o habeas corpus, no mandado de segurança existe norma autorizativa de intervenção de terceiros, devendo ser afirmado, por isso, a sua admissibilidade. Nessa esteira, a observância do devido processo legal perpassa pelo atendimento do art. 24 da Lei n. 12.016/2009, materializando-se com a formação do litisconsórcio passivo necessário (art. 47 do CPC/1973 e art. 114 do CPC/2015), assegurando ao Banco Central o exercício do contraditório na defesa dos seus interesses no bojo do pedido de restituição de valores arrecadados com a alienação antecipada de bens adquiridos com produto do furto milionário do qual figura como vítima. Em um ordenamento jurídico que, proclama e fomenta a atuação do ofendido na persecução penal, não se mostra adequado obstar a sua habilitação em mandamus cujo propósito afeta esfera de interesses da vítima, de modo que é imperativa a formação do litisconsórcio passivo necessário, sob pena de nulidade.
Imprescritibilidade da nulidade de registro de marca na CUP exige notoriedade e má-fé
Cinge-se a controvérsia sobre a necessidade de se considerar não somente a má-fé, mas também a notoriedade da marca, para fins de definir se é ou não imprescritível o pleito de nulidade do registro. Sobre a necessidade de se considerar ambos os elementos, para fins de dizer se é ou não imprescritível o referido pleito de nulidade, as duas Turmas que compõem a Segunda Seção já se manifestaram no sentido de que "a Lei n. 9279/96 (art. 174) estabelece a prescrição quinquenal para a pretensão de nulidade do registro, tendo a Convenção da União de Paris de 1883 - CUP (art. 6 bis, 3) excepcionado a regra ao determinar que não haverá prazo para se anular as marcas registradas com má-fé", consignando-se ainda que "(t)ratando-se de marca notória, em razão do amparo protetivo diferenciado da norma - para fins de imprescritibilidade da ação anulatória -, basta ao requerente a demonstração de que a marca reivindicada era notoriamente conhecida, ao tempo do registro indevido, para obter, em seu favor, a inversão do ônus da prova da má-fé em face do requerido, anterior registrador e, como reverso, a boa-fé do reivindicante" (REsp n. 1.306.335/RJ, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/4/2017, DJe de 16/5/2017). No caso, o Tribunal de origem, considerando as peculiaridades da espécie, deixou assente não estarem demonstrados os requisitos legais (CUP) para que fosse reconhecida a imprescritibilidade da pretensão das autoras de adjudicação ou nulidade de marcas. Assentou que, embora o signo seja reprodução ou imitação suscetível de produzir confusão de marca registrada em país signatário da CUP, a marca não era notória no Brasil, entre o público em geral, no início dos anos setenta, e considerou a peculiaridade de que a má-fé do grupo réu, ainda que constatada, tem sua eficácia, no caso em discussão, suspensa, durante os trinta longos anos em que as partes, autoras e rés, mantiveram relacionamento comercial harmônico. A má-fé foi, portanto, foi afastada pelas instâncias ordinárias, tendo em vista que as partes mantiveram um acordo comercial ao longo de trinta anos, não podendo, pois, as autoras, com tal comportamento, dele se beneficiarem. Assim, teria havido uma atuação contraditória com as pretensões deduzidas na presente ação, por terem as autoras, anteriormente, se relacionado por três décadas com os réus, auferindo, logicamente, lucro dessa relação empresarial, para, depois de tanto tempo assentindo, em última ratio, com a utilização da sua marca, postular a sua adjudicação ou, alternativamente, a nulidade dos registros efetivados pelos réus. O que a decisão na origem afirmou é que não pode alguém se beneficiar da má-fé da parte contrária, se com esta manteve relação contratual que lhe teria sido anuente e benéfica, justamente pelo lapso temporal em relação ao qual a referida má-fé é alegada para viabilizar a pretensão agora posta em juízo. O ordenamento jurídico repudia esse proceder contraditório, tendo o STJ inúmeros pronunciamentos sufragando a aplicação de vedação do venire contra factum proprio. Assim, não há como acolher a alegação de que a imprescritibilidade é objetiva e não comportaria análise do comportamento das partes acerca de tal questão, uma vez que má-fé é dolo, ou seja, vontade de agir, e tem total relação com o comportamento da parte, sendo certo que a má-fé é requisito expressamente previsto no art. 6º, bis, item 3, da CUP, ao dispor que: "(3) não será fixado prazo para requerer o cancelamento ou a proibição de uso de marcas registradas ou utilizadas de má fé".