Competência dos Tribunais de Contas para julgar atos de gestão de prefeitos municipais
Cinge-se a controvérsia acerca da aplicação do Tema de Repercussão Geral n. 1287 ao caso julgado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, o qual entendeu legítima decisão condenatória do Tribunal de Contas local, com imposição de débito e multa a parte, em razão de irregularidade na prática de ato de gestão pelo Prefeito do Município, especificamente, a compra superfaturada de um terreno. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 729.744 (Tema n. 157/STF), concluiu que compete à Câmara Municipal o julgamento das contas anuais do Prefeito. Na ocasião foi firmado o entendimento de que o Tribunal de Contas atua como auxiliar do Poder Legislativo, cabendo-lhe apenas a emissão de parecer técnico opinativo, sem força vinculante. Posteriormente, no julgamento do RE n. 848.826 (Tema n. 835/STF), a Suprema Corte decidiu que, para fins de aplicação da sanção de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC n. 64/1990, alterado pela LC n. 135/2010, a exequibilidade da decisão da Corte de Contas local sobre as contas do Prefeito, tanto as anuais (de governo) como as de gestão, depende de expressa manifestação do Poder Legislativo municipal. Mais recentemente, no julgamento do ARE n. 1.436.197, sob o rito da repercussão geral (Tema n. 1.287/STF), o Supremo Tribunal Federal delimitou que a necessidade de manifestação expressa do Poder Legislativo local sobre a aprovação das contas do Chefe do Executivo municipal restringe-se às prestações de contas anuais, as chamadas contas de governo. No que se refere às contas de gestão, a deliberação da Câmara Municipal é exigida apenas nos casos em que é analisada a inelegibilidade, para fins de registro de candidatura. Nos demais casos de atos de gestão de Prefeito, que não estejam relacionados com análise de inelegibilidade para fins de registro de candidatura (LC n. 64/1990, art. 1º, I, g), "permanece intacta - mesmo após o julgamento dos Temas n. 157 e n. 835 suprarreferidos - a competência geral dos Tribunais de Contas relativamente ao julgamento, fiscalização e aplicação de medidas cautelares, corretivas e sancionatórias, nos limites do art. 71 da Constituição, independentemente de posterior ratificação pelo Poder Legislativo" (ARE 1.436.197, trecho do voto do Rel. Min. Luiz Fux). A tese do Tema n. 1.287/STF, portanto, confirma o entendimento manifestado no acórdão proferido pela Segunda Turma desta Corte, no sentido de que os Tribunais de Contas detêm competência para julgar atos praticados por prefeitos municipais na condição de ordenadores de despesas e, inclusive, constatadas irregularidades ou ilegalidades, tem o poder-dever de aplicar sanções, no exercício das atribuições fiscalizatórias e sancionatórias.
Impossibilidade de salvo-conduto em habeas corpus para aborto sem prova médica ADPF 54 inaplicável
Em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada com o objetivo de que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo não fosse considerada crime, o Supremo Tribunal Federal conferiu interpretação conforme à Constituição, fixando o entendimento no sentido de que "Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal." (ADPF n. 54, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJe 30.4.2013). No voto condutor, o Ministro Marco Aurélio consignou que não se discutia a descriminalização do aborto, mas tão somente a possibilidade de interrupção da gravidez de feto anencéfalo. A anencefalia, doença congênita letal, pressupõe a ausência parcial ou total do cérebro para a qual não há cura e tampouco possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior. O crime de aborto atenta contra a vida, mas, na hipótese de anencefalia, o delito não se configura, pois o anencéfalo não tem potencialidade de vida. E, inexistindo potencialidade para o feto se tornar pessoa humana, não surge justificativa para a tutela jurídico-penal. O Ministro Marco Aurélio registrou, ainda, que "o feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de células e tecidos vivos, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica e (...) principalmente de proteção jurídico-penal. Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida - revela-se conduta atípica." Assim, a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal parte da premissa da inviabilidade da vida extrauterina. Assentada a premissa teórica, impossível a aplicação do entendimento ao caso em análise, porquanto, embora o feto esteja acometido de condição genética com prognóstico grave, com alta probabilidade de letalidade, não se extrai da documentação médica a impossibilidade de vida fora do útero. Portanto, inviável a aplicação, por analogia, da interpretação conforme a Constituição fixada pela ADPF n. 54 do STF. Ademais, no caso, não se identifica elementos objetivos que indiquem o risco no prosseguimento da gravidez para a gestante, o que, em tese, poderia levar à caracterização da excludente do art. 128, inciso I, do Código Penal.
Obrigatoriedade de liberação de honorários advocatícios contratuais até 20 por cento do patrimônio bloqueado
A controvérsia cinge-se em definir se, em caso de bloqueio universal dos bens do investigado, há discricionariedade do magistrado para decidir o numerário a ser liberado dos valores constritos para fins de pagamento de honorários advocatícios; ou se, do contrário, há obrigatoriedade de se liberar o valor integral dos honorários acordados entre as partes, desde que não ultrapassado o limite legal de 20% do patrimônio bloqueado. No caso, as instâncias ordinárias entenderam pela possibilidade de levantamento apenas parcial dos honorários advocatícios, sob a avaliação de que o momento embrionário das investigações não recomendaria a sua liberação integral, bem como sob a interpretação de que a expressão "até 20% dos bens bloqueados", contida no art. 24-A da Lei n. 8.906/1994, dava ao magistrado margem de liberdade para decidir pela liberação de porcentagem inferior. No entanto, tal compreensão reduz, em demasia, o espaço em que deveria imperar a autonomia privada das partes - contrato entre cliente e advogado -, dando ao magistrado o poder de definir o que seria ou não razoável e proporcional aos serviços prestados. Destarte, se o contrato conformado entre as partes estipula que o pagamento dos honorários deve ser integralmente satisfeito ao início da persecução penal, não há falar que o fato de as investigações estarem em estágio preliminar afastaria a possibilidade de liberação dos honorários advocatícios, pois tal aspecto insere-se plenamente na esfera de decisão dos contratantes. A importância do direito à defesa e da atividade da advocacia no Estado Democrático de Direito confere ao art. 24-A do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - EAOB a interpretação que prestigia a relação - desde que, evidentemente, lícita e isenta de indícios de fraude - estabelecida entre o advogado e o seu cliente, em relação ao pagamento dos honorários advocatícios, seja em relação ao seu valor, seja em relação à sua forma (data de vencimento, parcelamento, entre outros aspectos). A única limitação prevista pelo legislador é de que a liberação dos valores para esse propósito não pode superar o montante de 20% de todo o patrimônio bloqueado. Tal implica em dizer que os honorários advocatícios podem ser, naturalmente, inferiores a 20% dos valores constritos, sendo que, nessas hipóteses, o valor levantado há de ser integral, pois não atingido o teto legal. Se o valor dos honorários superar 20% do patrimônio universal bloqueado, a liberação encontrará limite nessa porcentagem, em face da necessidade de se também garantir, por intermédio dos bens constritos, a satisfação de interesses outros, como a reparação à vítima e à restituição dos bens ilicitamente obtidos. Portanto, não cabe ao magistrado avaliar se o momento embrionário da persecução penal justifica o pagamento do valor integral dos honorários, se tal questão foi acertada em contrato entabulado entre os particulares. Por fim, havendo indicativos concretos da ocorrência de fraude entre as partes, ou seja, possível articulação entre o cliente e o advogado para estabelecer honorários em montante fictício, como forma de contornar o bloqueio realizado sobre os bens, o magistrado poderá, de forma fundamentada, excepcionar o regramento legal e determinar o levantamento de valor inferior ao artificialmente estipulado.
Anulação judicial de atos do CARF somente por ilegalidade contrariedade jurisprudencial ou abuso de poder
Cinge-se a controvérsia acerca do manejo da Ação Popular para fins de controle de atos da Administração Pública. Na hipótese, a referida Ação foi proposta por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, buscando a anulação de acórdão proferido no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, o qual negou provimento a recurso administrativo aviado pela Fazenda Nacional, mantendo, consequentemente, decisão exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento - DRJ. A ação popular tem por fundamento axiológico a participação da sociedade civil nos afazeres estatais, direito cuja consagração ganhou contornos mais expansivos com a promulgação da atual Constituição da República. Notadamente, em seu art. 1º, parágrafo único, há a outorga aos membros do corpo social a prerrogativa de atuarem diretamente na tomada de decisões públicas, emprestando, assim, maior legitimidade às ações do Estado. Nessa conjuntura, a ordem constitucional alberga uma plêiade de instrumentos implementadores da atuação direta do cidadão na proteção de interesses coletivos. Além dessas hipóteses, em densificação ao primado da soberania popular, faculta-se ao legislador a criação de órgãos públicos compostos por membros da sociedade civil para deliberação sobre as mais distintas políticas públicas, orientação já acolhida pelo Supremo Tribunal Federal em precedente vinculante (cf. ADPF n. 623/DF, Relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 22.5.2023, DJe 18.7.2023). Dentre os conselhos deliberativos legalmente instituídos como corolários da democracia participativa, o Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais - CARF destaca-se pela sua composição deliberativa paritária e imanente função de decidir acerca dos litígios tributários de alçada federal, cujas decisões foram dotadas de caráter definitivo, sejam elas favoráveis ou contrárias aos interesses do Fisco, como se verifica dos regramentos previstos nos arts. 42, II e III, 43 e 45 do Decreto n. 70.235/1972 Consoante a dicção dos arts. 142 e 145, I, do Código Tributário Nacional, uma vez constituído o crédito tributário pelo lançamento - ato administrativo vinculado mediante o qual se procede à identificação dos sujeitos da relação tributária, bem como à apuração do valor a ser pago a título de tributo, de modo a conferir exigibilidade ao correspondente crédito -, faculta-se ao contribuinte ou ao responsável a apresentação de impugnação tendente a modificar, a alterar ou a extinguir a exigência fiscal. No âmbito federal, a insurgência apresentada em face do lançamento inaugura a fase litigiosa do contencioso tributário, cabendo a órgãos integrantes da Administração Pública, compostos por representantes dos contribuintes, deliberação definitiva acerca da matéria. Tal processo administrativo fiscal federal é regulado pelos arts. 14 e 25 do Decreto n. 70.235/197, de modo que o julgamento dos recursos apresentados pelos sujeitos passivos incumbe, em primeira instância, às Delegacias da Receita Federal de Julgamento - DRJ, e, em segunda instância, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, órgão colegiado e paritário integrante da estrutura do Ministério da Fazenda. A despeito de sua composição paritária, o CARF constitui órgão componente da estrutura administrativa da União - estando, por isso, jungido ao princípio da legalidade -, razão pela qual suas decisões são imputadas diretamente à pessoa jurídica da qual é parte integrante. À falta de previsão normativa em sentido diverso, porquanto seus julgados não são passíveis de revisão por nenhum outro órgão administrativo, atribuindo-se, por isso, primazia às deliberações tomadas em ambiente dialógico entre membros do corpo social e servidores públicos efetivos. A par disso, a instituição, no âmbito da Administração Pública Federal, de estrutura hierárquica para a solução dos conflitos fiscais e na qual o CARF figura como instância máxima, privilegia a resolução extrajudicial de litígios, viabilizando, em consequência, (i) o célere encerramento de contendas tributárias em ambiente consensual e (ii) o incremento da cultura de estímulo à desjudicialiazação, diretrizes fundantes da Política Judiciária de Tratamento à Alta Litigiosidade do Contencioso Tributário aprovada pela Resolução CNJ n. 471/2022 (art. 2º, VI e VII). Assim, conquanto não se olvide sua natureza administrativa - legitimando, por tal razão, o manejo de ação popular por qualquer cidadão visando à invalidação de ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco -, eventual controle judicial de suas conclusões deve considerar o papel reservado ao indicado colegiado na estrutura da Administração Pública Federal, especialmente quando do escrutínio das teses jurídicas levadas em conta para a consolidação do juízo hermenêutico acerca da interpretação da legislação tributária, de modo a somente afastar as conclusões alcançadas se eivadas de manifesta ilegalidade, contrárias a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorridas em desvio ou abuso de poder. Exegese diversa teria o condão de tornar irrelevante a participação da sociedade civil na tomada de decisões pelo Poder Público e supérfluo o principal mecanismo extrajudicial de solução de controvérsias tributárias federais, uma vez que acórdãos exonerativos do dever de pagar tributos sempre estariam sujeitos à revisão por instância distinta, independentemente de quaisquer outras indagações substantivas.
Competência judicial para impor ao Poder Público estudos ambientais e sociais
Cinge-se a controvérsia acerca do manejo de Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Estado, tendo em vista a negativa de Município em responder requisição do Parquet que solicitou informações sobre a existência de um diagnóstico socioambiental, com mapeamento de áreas de risco e espaços territoriais especialmente protegidos, a fim de evitar ou, ao menos, minorar danos ambientais e à população que vive nessas localidades. Após o juiz de primeiro grau ter julgado a demanda procedente e determinado a apuração das localidades consideradas áreas urbanas consolidadas, áreas de risco e de relevante interesse ecológico, dentre outros, o Tribunal de Justiça do Estado deu provimento à Apelação do Município por considerar que a execução em si desse trabalho é incumbência que deve antes passar pelo crivo de governo, a quem o constituinte alçou independência. A intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas deve ser vista como exceção, pois sempre se espera que a Administração Pública desempenhe suas funções voluntariamente. Contudo, a Lei n. 13.465/2017, a qual dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, procura tutelar bem jurídico da mais alta relevância: o direito à cidade ambiental e socialmente sustentável, de modo a evitar que parte da população - que em razão de uma expansão urbana desordenada, foi obrigada a construir suas moradias de maneira irregular, muitas vezes em áreas de alto risco - permaneça vulnerável a enchentes, deslizamentos, desmoronamentos e outros desastres naturais tão noticiados nos últimos anos. A referida Lei disciplinou a regularização fundiária de assentamentos irregulares em Áreas de Preservação Permanente e outros espaços territoriais especialmente protegidos, possibilitando a proteção física e jurídica dos moradores e, assim, promovendo a justiça ambiental. Densificou o dever fundamental dos municípios de "ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes", previsto no art. 182 da Constituição Federal. Para tanto, instituiu, nos arts. 11, §§ 2º e 3º, e 39, o dever de elaboração de estudos técnicos para instruir a regularização fundiária de núcleos urbanos informais situados em Área de Preservação Permanente ou em área de unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais, bem como em áreas de riscos geotécnicos, de inundações ou de outros riscos especificados em lei. Na mesma linha, a Lei 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, estabelece como deveres dos municípios "identificar e mapear as áreas de risco de desastres" (art. 8º, VI); "vistoriar edificações e áreas de risco e promover, quando for o caso, a intervenção preventiva e a evacuação da população das áreas de alto risco ou das edificações vulneráveis" (art. 8º, VII); e manter a população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos, bem como sobre protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações emergenciais em circunstâncias de desastres (art. 8º, IX). Sendo a defesa do meio ambiente urbanístico, da segurança e da saúde públicas um dever fundamental do Estado, a atividade dos órgãos estatais na sua promoção é compulsória, especialmente quando os instrumentos para alcançar tal objetivo estão detalhadamente previstos em lei. O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado que a obrigação de preservação dos espaços territoriais especialmente protegidos é objetiva e solidária, sendo dever do Poder Público e da coletividade protegê-la para as presentes e futuras gerações. A propósito: REsp 1.071.741/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 16/12/2010; AREsp 1.756.656/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 21/10/2022; AgInt no REsp 1.205.174/PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 1/10/2020. Nesse contexto, deve-se fazer a releitura e atualização do princípio da indisponibilidade do interesse público. Nele e por ele, retira-se da órbita da representação estatala possibilidade de negociar com o interesse público. Nesse diapasão, a indisponibilidade tanto é dos bens jurídicos material e individualmente considerados, como, no plano formal, das amarras e garantias de natureza procedimental que balizam a atuação do Administrador, por meio de comportamentos de dar, não-fazer ou fazer. Ademais, o STJ possui entendimento firme de que, na hipótese de demora do Poder competente, o Poder Judiciário poderá determinar a implementação de políticas públicas de interesse social, sem que haja invasão da discricionariedade ou afronta à reserva do possível. Com efeito, "o controle jurisdicional de políticas públicas se legitima sempre que a 'inescusável omissão estatal' na sua efetivação atinja direitos essenciais inclusos no conceito de mínimo existencial" (AgInt no REsp 1.304.269/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 20/10/2017). O Pretório Excelso também consolidou o posicionamento de ser lícito ao Poder Judiciário determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos Poderes (AI 739151 AgR, Relatora Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 27-05-2014, Acórdão Eletrônico DJe-112 DIVULG 10-06-2014 PUBLIC 11-06-2014) No caso, o Ministério Público não busca criar políticas públicas, objetiva-se tão somente que o Poder Público realize estudo para identificar núcleos urbanos informais consolidados, áreas de risco e áreas de relevante interesse ecológico, de modo que seja tutelado, por meio da Ação Civil Pública - ACP, além do próprio meio ambiente, também a segurança e saúde das pessoas em situação de vulnerabilidade ambiental. Dessa forma, tendo-se em vista que os princípios da prevenção e da precaução não toleram a omissão do Poder Público diante da segregação socioespacial urbana que leva milhares a se estabelecerem em locais de risco e em áreas especialmente protegidas, não se pode admitir, em nome da discricionariedade administrativa, que o Estado postergue ou simplesmente não atue para a proteção da segurança, da saúde ou mesmo da vida de parte da população de baixa renda e do meio ambiente urbanístico sadio. Importante ressaltar a distinção quanto ao julgado no REsp 1.880.546/SC, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 16/11/2021, no qual, apesar de ter reconhecido o dever dos municípios de promoverem o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, como corolário do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; bem como a possibilidade de controle judicial das políticas públicas nas hipóteses de inescusável omissão estatal, a eminente Relatora, Ministra Assusete Magalhães, concluiu incidir, naquele caso, a Súmula 7/STJ. Já no presente caso, o Tribunal de origem nada disse de concreto sobre da (in)capacidade financeira do Município para suportar o cumprimento da sentença que lhe fora desfavorável, pautando-se, genericamente, na suposta inviabilidade de o Poder Judiciário determinar a realização do diagnóstico socioambiental, uma vez que caberia ao Município avaliar a conveniência de sua realização ante as outras demandas que deve atender.