Execução fiscal contra espólio: dever da Fazenda Pública de identificar representante legal
No caso, a execução fiscal foi extinta sem resolução do mérito por não ter o credor indicado o representante do espólio. Com efeito, mesmo intimado para informar o juízo sobre a situação do inventário e o nome do representante do espólio, ou mesmo do cônjuge supérstite, o exequente não realizou as providências para o cumprimento da determinação. Quanto ao ponto, estabelecem os artigos 75, VII; e 618, I, do Código de Processo Civil/2015 que o espólio será representado em juízo, ativa e passivamente, pelo inventariante. Na pendência de nomeação deste, o patrimônio ficará na posse e será judicialmente representado pelo administrador provisório, como disciplinam os artigos 613 e 614 do CPC/2015. Ademais, segundo o art. 1º da Lei n. 6.830/1980, a execução judicial para cobrança de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios será regida, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. Dito isso, estabelece o art. 319, II, do CPC/2015 que a petição inicial indicará "os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu". O objetivo da regra é permitir a citação do réu ou de seu representante legal, ato necessário para a composição da relação processual. Incumbe ao autor, portanto, informar os dados para que a comunicação processual seja realizada. Coerente com essa lógica é o que está disposto no art. 6º da Lei n. 6.830/1980. O pedido de citação do réu também é exigido pela Lei de Execução Fiscal. É incumbência da parte informar os dados elementares para que o ato seja realizado, como o são o seu nome e o nome de seu representante legal. No caso, não se prescindiu do mínimo para a realização do ato citatório na execução fiscal. Por conseguinte, sendo o espólio representado pelo inventariante ou pelo administrador provisório, não está a Fazenda Pública desobrigada de identificar o representante legal na inicial da execução fiscal, porque o requerimento da citação e o fornecimento das informações básicas para que ela se realize são obrigações impostas ao autor não apenas pelo Código de Processo Civil, mas também pela Lei de Execução Fiscal.
Impenhorabilidade do bem de família da Lei 8009 de 1990 frente ao CPC
Discute-se se a proteção legal conferida pelos artigos 1º e 5º da Lei n. 8.009/1990 ao bem de família teria sido tacitamente revogada pelo Código de Processo Civil. A tese de que esses dispositivos foram revogados contraria o próprio Código de Processo Civil, que admite a convivência com outras declarações legais de impenhorabilidade ao estabelecer, antes de apresentar o seu próprio rol, que "não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis" (art. 832). Além de contrariar esse dispositivo, o entendimento de que o art. 833 do CPC teria exaurido as hipóteses de impenhorabilidade também é incompatível com a tradição jurídica brasileira, na qual o bem de família foi sempre regulado por outros diplomas e normas, como o Código Civil de 1916 (art. 70 e seguintes), o Código Civil de 2002 (art. 1.711 e seguintes) e a Lei n. 8.009/1990. Por outro lado, o fato do CPC ter afirmado em seu art. 833, I, que são impenhoráveis os bens "declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução" não implica a revogação tácita do art. 5º, caput e parágrafo único, da Lei n. 8.009/1990, que, cuidando de hipótese diversa, declara a impenhorabilidade do bem de família de menor valor, quando outro não for indicado no registro público. O bem de família voluntário, que encontra previsão no art. 1.711 do CC e no art. 833, I, do CPC, mantém com o bem de família legal (Lei n. 8.009/1990) relação de coexistência e não de exclusão. Assim, o fato do imóvel não estar registrado como bem de família não o torna penhorável, haja vista o que estabelecem os artigos 1º e 5º da Lei n. 8.009/1990.
Artigo 249 do ECA aplicado a todos por descumprimento de ordens tutelares e judiciais
A controvérsia reside em determinar quais são os sujeitos ativos da infração administrativa prevista no art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA: "Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar". Sob o enfoque da proteção integral da criança e do adolescente, é possível extrair do referido artigo duas situações distintas: (i) o descumprimento de deveres decorrentes de poder familiar, tutela ou guarda; e (ii) o descumprimento de determinações da autoridade judiciária ou do Conselho Tutelar. O primeiro trecho do dispositivo legal claramente exige uma qualidade especial do sujeito ativo, dirigindo-se aos pais, tutores ou guardiães. Contudo, a segunda parte aborda uma infração de âmbito mais amplo: o descumprimento de determinações emitidas por autoridade judiciária ou pelo Conselho Tutelar. Essa infração não se limita às figuras parentais ou aos tutores, uma vez que as ordens judiciais ou do Conselho Tutelar podem ser destinadas a qualquer pessoa ou entidade que, de alguma forma, tenha responsabilidade ou envolvimento na proteção ou cuidado de crianças e adolescentes. De fato, o entendimento de que o art. 249 do ECA deve se restringir exclusivamente a pais, guardiães e tutores seria contrário à finalidade do Estatuto, que busca garantir a proteção integral dos direitos da criança e do adolescente, podendo ser aplicadas sanções àqueles que, independentemente de seu status familiar, deixem de cumprir determinações específicas voltadas a proteger esse direito. Além disso, a interpretação restritiva do referido dispositivo poderia criar lacunas na responsabilização de agentes que têm papel relevante no cumprimento de decisões judiciais e do Conselho Tutelar, como instituições educacionais, entidades assistenciais ou autoridades administrativas, que também podem estar sujeitas a tais determinações e, em caso de descumprimento, deveriam igualmente ser responsabilizadas. Portanto, o art. 249 do ECA deve ser interpretado de forma abrangente, aplicando-se a qualquer pessoa física ou jurídica que desrespeite ordens da autoridade judiciária ou do Conselho Tutelar, reforçando a proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes, sem limitar-se à esfera familiar, de guarda ou tutela.
Legitimidade da cassação de aposentadoria de membro do Ministério Público por falta grave pretérita
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade da aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria a membro do Ministério Público, em razão de prática de falta grave enquanto em atividade. O Supremo Tribunal Federal (STF) possui entendimento firmado de que "A impossibilidade de aplicação de sanção administrativa a servidor aposentado, a quem a penalidade de cassação de aposentadoria se mostra como única sanção à disposição da Administração, resultaria em tratamento diverso entre servidores ativos e inativos, para o sancionamento dos mesmos ilícitos, em prejuízo do princípio isonômico e da moralidade administrativa, e representaria indevida restrição ao poder disciplinar da Administração em relação a servidores aposentados que cometeram faltas graves enquanto em atividade, favorecendo a impunidade." (ADPF-AgR 418/DF, relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 15/4/2020, DJe 30/4/2020). Por sua vez, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admite a conversão da pena de demissão em cassação de aposentadoria, uma vez que "entender diversamente seria atribuir à aposentação o indesejável e absurdo caráter de sanatório geral, de perdão irrestrito. Se a lei previu a perda da função pública do agente em atividade, a simples aposentação não é escudo para a perda do vínculo com a Administração" (AgInt no REsp 1.757.796/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 5/9/2019). Ademais, entende ainda o STJ que "a interpretação restritiva do art. 208, parágrafo único, da Lei Complementar n. 75/1993, defendida pela parte impetrante, resultaria em tratamento privilegiado para o Promotor de Justiça aposentado, pois ausente critério legítimo de distinção com os Promotores de Justiça da ativa. A diferença entre as situações - o momento em que se encontra o servidor público em sua carreira, isto é, se mais ou menos próximo da aposentadoria quando do cometimento da infração disciplinar - é arbitrário e não justifica soluções jurídicas díspares [...]. Representaria, além disso, indevida restrição ao poder disciplinar da Administração em relação a servidores aposentados que cometeram faltas graves enquanto em atividade, favorecendo a impunidade" (RMS 72.062/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 18/12/2023). Dessa forma, quando a falta grave praticada por membro do Ministério Público, ainda em atividade, somente for constatada durante sua aposentadoria, a penalidade cabível é a cassação da aposentadoria, uma vez que, se o ato ilícito fosse conhecido à época de sua prática e fosse aplicada a pena de demissão, o promotor perderia o cargo e sequer teria direito à aposentadoria.
Suspensão da execução de título extrajudicial até cumprimento integral de acordo de pagamento
A lei processual permite às partes a celebração de negócio jurídico processual, que pode envolver modificação de prazos ou mesmo a suspensão do andamento do feito. A suspensão do trâmite possui limitação temporal a depender do tipo de processo, podendo as partes convencionarem a suspensão do feito - no âmbito do processo de conhecimento - por até seis meses, ou - em processo de execução - até o fim do prazo para cumprimento da obrigação constituída no acordo. O interesse de agir decorrente da celebração de negócio jurídico processual de suspensão de processo executivo está no incentivo ao cumprimento do acordo pela parte contra a qual a condição de retomada do curso da ação corre, o devedor e executado - além da preservação do crédito exequendo no seu montante original e seus consectários decorrentes do reestabelecimento da mora quanto ao título extrajudicial original. Equivocou-se o Tribunal de Origem ao entender que a celebração de acordo entre as partes antes da citação do executado não autoriza a suspensão de execução de título extrajudicial e, consequentemente, retira o interesse do exequente no prosseguimento da execução, permitindo a extinção do feito sem julgamento de mérito por ausência do referido pressuposto processual. A simples notícia de acordo firmado entre as partes, em princípio, não implica em suspensão automática do curso processual, salvo se houver no acordo a celebração de negócio jurídico processual específico do sobrestamento do processo.