Herança por representação não integra patrimônio do pré-morto nem responde por suas dívidas
Trata-se de discussão para saber se o patrimônio deixado pelos país de herdeiro pré-morto responde por suas dívidas. No caso, o Juízo de primeiro grau o excluiu do polo passivo da execução, considerando que já houve a partilha dos bens deixados por ele entre os seus herdeiros. Contudo, o Tribunal de origem entendeu que o espólio tinha legitimidade para figurar no polo passivo, pois ainda existiam bens sujeitos à sobrepartilha, provenientes da herança dos pais do devedor falecido. Entende-se que sobrepartilha é a repartição de bens após a partilha que deveriam ter sido alvo de arrecadação sucessória originalmente, dividindo-se em dois grupos, de acordo com o momento em que é aferida: se no curso do inventário, sobrepartilha prospectiva; se depois de encerrado, sobrepartilha retrospectiva. Assim, segundo a doutrina, "a sobrepartilha retrospectiva envolve a localização (descoberta) de bens e/ou de direitos que deveriam ter sido alvo de arrecadação sucessória originalmente, sendo necessário que se instaure novo processo em razão do inventário primitivo já ter findado". Verifica-se, assim, que o caso não trata de sobrepartilha, pois não se discute o patrimônio do de cujus que deveria ter sido alvo de arrecadação sucessória originalmente, mas sim o patrimônio herdado por representação, em que os representantes do herdeiro pré-morto recebem a mesma parte que seu ascendente receberia se estivesse vivo, nos termos dos arts. 1.851 e seguintes do Código Civil. Ensina a doutrina que "o representante ocupa o lugar do representado e sucede diretamente o autor da herança, sendo evidente que o representante atua em seu próprio nome". Assim, nem mesmo por ficção legal a herança integra o patrimônio do descendente pré-morto. Por essa razão, tal patrimônio não pode ser alcançado para pagamento das dívidas do codevedor falecido, cujo óbito ocorreu antes do de seus ascendentes.
Aplicabilidade das sanções do art. 104-A do CDC na fase consensual do superendividamento
A controvérsia cinge-se a definir se as sanções previstas no art. 104-A, § 2°, do CDC, incidem na hipótese de não comparecimento injustificado do credor à audiência de conciliação realizada na fase pré-processual do processo de repactuação de dívidas. O processo de tratamento do superendividamento divide-se em duas fases: consensual (pré-processual) e contenciosa (processual). A fase pré-processual tem início a partir de um requerimento apresentado pelo consumidor. Caso não seja obtida a conciliação na primeira fase, segue-se a instauração do processo judicial, conforme previsto no art. 104-B do CDC. Não se ignora que ninguém é obrigado a conciliar. Contudo, é salutar a imposição legal do dever de comparecimento à audiência de conciliação designada na primeira fase do processo, inclusive mediante procurador com "poderes especiais e plenos para transigir" (art. 104-A, § 2°, do CDC), sob pena de esvaziamento da finalidade do ato. Trata-se de um dever anexo do contrato celebrado entre a instituição financeira e o consumidor, que decorre do princípio da boa-fé objetiva, cujo descumprimento enseja as seguintes sanções: i) suspensão da exigibilidade do débito; ii) interrupção dos encargos da mora; iii) sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor; e iv) pagamento após o adimplemento das dívidas perante os credores presentes à audiência conciliatória.
Prazo prescricional anual para ação do segurado-beneficiário de seguro de vida contra seguradora
Trata-se de controvérsia acerca do prazo prescricional para a cobrança de seguro de vida, no qual a contratante é simultaneamente titular da apólice e beneficiária, considerando a inclusão de cobertura adicional para seu cônjuge, cuja indenização é pleiteada em razão de seu falecimento. O STJ já definiu no IAC n. 2 que "é ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador - e vice-versa - baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, "b", do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916)". O STJ distingue a hipótese na qual o beneficiário (terceiro), e não o segurado, ingressa em juízo em face da seguradora, pleiteando o adimplemento do seguro, considerando incidente o prazo prescricional decenal. Tal distinção se dá em virtude do dispositivo legal (art. 206, § 1º, II, b, do Código Civil) dizer respeito à pretensão entre segurado e segurador, não sendo aplicável a terceiros que não participaram da relação contratual (e muitas vezes dela nem tem conhecimento), figurando apenas como beneficiários. Dessa forma, não há falar em inaplicabilidade do prazo prescricional ânuo, mesmo em relação à eventual indenização pelo óbito de seu cônjuge. Isso porque, a parte autora não apenas detém a condição de favorecida, mas também figurou como parte (contratante) no seguro, tendo pleno conhecimento de sua existência e de seus termos. Não pode ser considerada, portanto, mera beneficiária, ou terceira que não participou do ajuste.
Indeferimento da autodeclaração racial exclui das vagas reservadas sem afetar ampla concorrência
Cinge-se a controvérsia a debater ato atribuído a Presidente de Comissão de Heteroidentificação que, no âmbito de processo seletivo, não homologou autodeclaração como pessoa negra (preta ou parda), para fins de concorrência às vagas destinadas a afrodescendentes, eliminando o candidato do certame, apesar desse também ter sido classificado dentro das vagas destinadas à ampla concorrência. Tem-se, portanto, que a controvérsia busca aferir a existência, ou não, de compatibilidade de cláusula editalícia - que prevê a eliminação do candidato aprovado dentro das vagas destinadas à ampla concorrência pelo fato de sua autodeclaração, como pessoa negra, não ter sido homologada pela Banca Examinadora - com a regra contida no art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 12.990/2014. Em seu caput, o art. 2º da Lei n. 12.990/2014 dispõe especificamente a respeito da possibilidade de haver reservas de vagas destinadas a candidatos negros, assim considerados aqueles que se declararem pretos e pardos, motivo pelo qual a sanção contida no parágrafo único desse mesmo dispositivo - eliminação do candidato que prestar declaração falsa - se restringe à disputa por aquelas vagas reservadas, não alcançando a disputa pelas vagas destinadas à ampla concorrência. Essa interpretação é corroborada pelo art. 3º desse diploma legal, onde é dito expressamente que os candidatos autodeclarados negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas de ampla concorrência, sem qualquer referência à possibilidade de o resultado da disputa pelas vagas de ampla concorrência ser influenciado pela eliminação na disputa pelas vagas reservadas - prevista no artigo anterior. Nesse diapasão, a partir da interpretação sistemática dos referidos dispositivos legais, que claramente admitem a possibilidade de os candidatos concorrerem simultaneamente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, a sanção estabelecida no art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 12.990/2014 deve ser interpretada restritivamente apenas em relação às vagas reservadas. Via de consequência, o Edital do certame deve ser interpretado em harmonia com a regra do art. 2º, caput e parágrafo único, da Lei n. 12.990/2014, no sentido de que a não homologação da autodeclaração do candidato implica apenas sua eliminação do certame em relação às vagas reservadas. Por fim, diante do silêncio existente na Lei n. 12.990/2014, é licito associar-se a declaração falsa ali referida à ideia de falsidade ideológica, que, por sua vez, traz em si a necessidade de existência de má-fé. Nessa toada, a mera não homologação da autodeclaração do candidato pela comissão de heteroidentificação não pode ser automaticamente associada à falsidade daquela autodeclaração. Com efeito, é cediço que a natureza fluida e subjetiva de uma classificação racial é inexoravelmente marcada por pré-concepções daqueles envolvidos nesse processo ao buscarem avaliar dado indivíduo ou grupo. Tem-se, desse modo, que a eliminação do certame prevista no art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 12.990/2014 não pode ser aplicada de forma irrestrita em toda e qualquer situação de não homologação da autodeclaração realizada pelos candidatos, sob pena de ofensa ao princípio da razoabilidade. Por conseguinte, à luz do princípio da razoabilidade como equidade, não há como se desconsiderar a subjetividade das classificações raciais e, desse modo, a natural possibilidade de divergência de opiniões diante de dada situação concreta, quando uma comissão de heteroidentificação é chamada para classificar racialmente dado candidato. De igual modo, tomando-se o princípio da razoabilidade como congruência, a não homologação de uma autodeclaração não autoriza imputar a ela a pecha de falsa, sob pena, inclusive, de se estar a presumir a má-fé do candidato, o que a jurisprudência do Superior Tribunal abomina.
Dispensa de recolhimento da CONDECINE para micro e pequenas empresas do Simples Nacional
Cinge-se a controvérsia a discutir a obrigatoriedade de recolhimento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE) pelas empresas que integram o Simples Nacional. A Lei Complementar n. 123/2006 instituiu o regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições, estabelecendo a sistemática denominada Simples Nacional, em que há a simplificação do recolhimento mensal dos impostos e das contribuições devidos por microempresas e empresas de pequeno porte. Em seu art. 13, são listados os vários impostos e contribuições que serão recolhidos mediante documento único de arrecadação; enquanto o § 1º define que o recolhimento simplificado não exclui a incidência de determinados impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável. Extrai-se que a dispensa do recolhimento de determinada contribuição pelas empresas optantes pelo Simples Nacional pressupõe que (a) a contribuição não esteja listada no caput do art. 13 da LC n. 123/2006, nem excepcionada no § 1º desse mesmo artigo; e ( b) que seja uma contribuição instituída pela União. Instituída pela União no exercício de sua competência exclusiva prevista no art. 149, caput, da Constituição Federal, a CONDECINE é contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) destinada ao setor cinematográfico, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. Ao estabelecer expressamente no § 3º do art. 13 da LC n. 123/2006 a dispensa do pagamento das "demais contribuições instituídas pela União", o legislador não deu margem a interpretações. Portanto, sendo a CONDECINE uma contribuição de intervenção no domínio econômico instituída pela União, e não constando do rol de contribuições de que trata o caput, nem daquele tratado no § 1º do art. 13 da LC n. 123/2006, deve ser reconhecida a dispensa de seu recolhimento pelas microempresas e pelas empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional. Além disso, o fato de que a CONDECINE ter sido instituída anteriormente à criação do regime de arrecadação Simples Nacional corrobora para esse entendimento, pois deixa evidente a opção do legislador em não incluir essa contribuição no rol constante no art. 13 da LC 123/2006. Por outro lado, a destinação do produto da arrecadação ao Fundo Nacional da Cultura não afasta o enquadramento da CONDECINE no § 3º do art. 13 da LC n. 123/2006, pois esse dispositivo legal menciona expressamente as contribuições instituídas pela União, e não as contribuições destinadas à União. Da mesma forma, a atribuição da capacidade tributária ativa à ANCINE, para arrecadação e fiscalização da CONDECINE, não altera o fato de que a competência para instituir essa contribuição é da União, exatamente como estabelece o § 3º do art. 13 da Lei Complementar 123/2006. Destarte, deve ser afastada a obrigatoriedade de recolhimento da CONDECINE pelas empresas que integram o Simples Nacional.