Rotulagem de produtos transgênicos e competência legislativa dos entes federados

STF
994
Direito Constitucional
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 994

Comentário Damásio

Resumo

É constitucional norma estadual que dispõe sobre a obrigatoriedade de rotulagem em produtos de gêneros alimentícios destinados ao consumo humano e animal, que sejam constituídos ou produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, no percentual igual ou superior a 1%, no âmbito do Estado federado (Lei 14.274/2010 do Estado de São Paulo) .

Conteúdo Completo

É constitucional norma estadual que dispõe sobre a obrigatoriedade de rotulagem em produtos de gêneros alimentícios destinados ao consumo humano e animal, que sejam constituídos ou produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, no percentual igual ou superior a 1%, no âmbito do Estado federado (Lei 14.274/2010 do Estado de São Paulo) .

No modelo federativo brasileiro, estabelecidas pela União as normas gerais para disciplinar sobre direito à informação em matéria de rotulagem de produtos transgênicos [Lei 11.105/2005, art. 40 (2); Decreto 5.591/2005, art. 91 (3); e Decreto 4.680/2003, art. 2º (4)], compete aos Estados [Constituição Federal (CF), art. 24, V, XII e §§1º a 4º] (5), além da supressão de eventuais lacunas, a previsão de normas destinadas a complementar a norma geral e a atender suas peculiaridades locais, respeitados os critérios: (i) da preponderância do interesse local, (ii) do exaurimento dos efeitos dentro dos respectivos limites territoriais — até mesmo para se prevenir conflitos entre legislações estaduais potencialmente díspares — e (iii) da vedação da proteção insuficiente.

Nesse contexto, a regulamentação dos critérios para a obrigatoriedade do dever de rotulagem dos produtos derivados ou de origem transgênica, como o limite de percentual igual ou superior a 1%, não excede os limites da competência suplementar dos estados, no tocante a essa matéria.

Isso porque, em primeiro lugar, o diploma estadual não afeta diretamente relações comerciais e consumeristas que transcendam os limites territoriais do ente federado. Exaurem-se os efeitos diretos da incidência das suas normas no território estadual e traduzem escolhas legítimas do legislador adequadamente amparadas nos interesses do consumidor, de densificação do direito à informação clara e adequada, e da proteção e defesa da saúde, atendidos, assim, os critérios do exaurimento dentro dos limites territoriais e da preponderância do interesse local.

Em segundo lugar, não há nada na lei que represente relaxamento das condições mínimas (normas gerais) de segurança exigidas na legislação federal para o dever de informação nos rótulos dos produtos de origem transgênica. Ao contrário, o que se verifica é a implementação de critério mais protetivo e favorável ao consumidor e à proteção do direito à saúde, não comportando censura sob o prisma da vedação à proteção insuficiente.

A possibilidade de o Estado federado instituir regras de proteção efetiva ao consumidor deriva de atribuição legislativa que lhe é conferida pelo arts. 24, V e VIII, combinado com o §2º do mesmo dispositivo da CF (6), e, consequentemente, ao fazê-lo não invadiu área reservada à União, tendo em vista que a esta apenas cabe legislar sobre normas gerais de produção e consumo e responsabilidade por dano ao consumidor, cabendo à unidade federada – vez que existe legislação federal a respeito do assunto – suprir os vácuos normativos.

No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.274/2010 do Estado de São Paulo, que dispõe acerca da rotulagem de produtos transgênicos no Estado de São Paulo e dá outras providências.

Com entendimento acima exposto, o Plenário, por maioria, julgou improcedentes os pedidos formulados na ação direta de inconstitucionalidade.

(1) Lei 11.274/2010 do Estado de São Paulo: “Artigo 1º – Na comercialização de produtos destinados ao consumo humano ou animal, ou ainda utilizados na agricultura, é obrigatória a presença de informação visível para os consumidores a respeito de sua origem e procedência quando for constatada a presença de organismo transgênico em proporção igual ou superior ao limite de 1% (um por cento), com a seguinte classificação: ‘transgênico’. §1º – Nos produtos embalados ou vendados a granel, ou ainda in natura, nos rótulos das embalagens ou dos recipientes em que estão contidos deverá constar, em destaque, no painel principal e em conjunto com o símbolo definido pelo Ministério da Justiça (T), umas das seguintes expressões: I – ‘(nome do produto) transgênico’; II – ‘contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico (s)’; III – ‘produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico’. §2º – O consumidor deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes. §3º – A informação determinada no §1º deste artigo também deverá constar do documento fiscal, de modo que essa informação acompanhe o produto ou ingrediente em todas as etapas da cadeia produtiva. Artigo 2º – Os estabelecimentos que comercializem produtos transgênicos ficam obrigados a possuir local específico para exposição destes produtos. Parágrafo único - Os produtos transgênicos não poderão ser expostos de forma a confundir os consumidores, em relação a produtos semelhantes não-transgênicos. Artigo 3º – Na comercialização ou transporte de produtos transgênicos, bem como dos produtos ou ingredientes deles derivados, deverá constar, em embalagem apropriada, informação aos consumidores a respeito de sua procedência e origem e quanto à presença de organismo transgênico. Artigo 4º – Caberá ao Centro de Vigilância Sanitária, da Secretaria de Saúde, fiscalizar os estabelecimentos e empresas que comercializem os produtos transgênicos. Artigo 5º – Caberá à Coordenadoria da Defesa Agropecuária, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, fiscalizar as empresas que comercializem sementes e produtos transgênicos, assim como o transporte dos mesmos, exigindo certificado de origem e permissão de trânsito. Artigo 6º – Os produtores e fornecedores de sementes transgênicas devem manter, para efeito de fiscalização, pelo prazo de cinco anos, as notas fiscais ou comprovantes de compra e venda das sementes transgênicas. Artigo 7º – Os estabelecimentos comerciais, as empresas, os produtores e os fornecedores abrangidos por esta lei terão o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para se adequarem a seus dispositivos. Artigo 8º – Pela infração do disposto nesta lei, sem prejuízo das penalidades previstas no Código de Defesa do Consumidor e na legislação vigente, caberá aos órgãos fiscalizadores estaduais, conforme a gravidade da infração, adotar as seguintes penalidades: I – advertência; II – multa até o limite de 10.000 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESP; III - apreensão do produto; IV - suspensão da atividade; V - cancelamento da autorização para funcionamento em âmbito estadual. Artigo 9º – As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias. Artigo 10 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, aos 16 de dezembro de 2010.”
(2) Lei 11.105/2005: “Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.”
(3) Decreto 5.591/2005: “Art. 91. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM e seus derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, na forma do decreto específico.”
(4) Decreto 4.680/2003: “Art. 2º. Na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, com presença acima do limite de um por cento do produto, o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica desse produto.”
(5) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) V – produção e consumo; (…) XII – previdência social, proteção e defesa da saúde; (…) § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”
(6) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) V – produção e consumo; (...) VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (...) § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.”

Legislação Aplicável

CF, art. 3º, art. 5º, XIV, art. 22, VIII, art. 24, V, XII, §§ 1º.

Informações Gerais

Número do Processo

4619

Tribunal

STF

Data de Julgamento

09/10/2020

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