Este julgado integra o
Informativo STF nº 1140
Comentário Damásio
Resumo
Encontram-se presentes os requisitos para a concessão da medida cautelar, pois: (i) há plausibilidade jurídica no que se refere à alegada usurpação da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF/1988, art. 22, XXIV); e (ii) há perigo da demora na prestação jurisdicional, consubstanciado nos riscos sociais ou individuais que a execução provisória das leis questionadas geram imediatamente e nas prováveis repercussões decorrentes da manutenção de suas eficácias.
Conteúdo Completo
Encontram-se presentes os requisitos para a concessão da medida cautelar, pois: (i) há plausibilidade jurídica no que se refere à alegada usurpação da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF/1988, art. 22, XXIV); e (ii) há perigo da demora na prestação jurisdicional, consubstanciado nos riscos sociais ou individuais que a execução provisória das leis questionadas geram imediatamente e nas prováveis repercussões decorrentes da manutenção de suas eficácias. A competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional impede que leis estaduais, distritais ou municipais estabeleçam regras gerais sobre ensino e educação e tratem de currículos, conteúdos programáticos, metodologias de ensino ou modos de exercício da atividade docente. Aos entes federativos subnacionais compete apenas editar regras e condições específicas para a adequação da lei nacional à realidade local (CF/1988, arts. 24, IX, §§ 1º ao 4º; e 30, II) (1). Na espécie, as leis municipais impugnadas, ao disporem sobre a proibição da “linguagem neutra” ou “dialeto não binário” nas escolas e na Administração Pública em geral, extrapolaram a competência suplementar reconhecida aos municípios (2). Desse modo, houve uma inequívoca ingerência do Poder Legislativo municipal no currículo pedagógico das instituições de ensino vinculadas ao Sistema Nacional de Educação e, por conseguinte, submetidas à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), a qual impõe a observância dos princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, além do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e da promoção humanística, científica e tecnológica do País. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, em apreciação conjunta, referendou a decisão que suspendeu os efeitos da Lei nº 1.528/2021 do Município de Águas Lindas de Goiás/GO (3), bem como a decisão que suspendeu os efeitos da Lei nº 2.342/2022 do Município de Ibirité/MG (4). (1) CF/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação; (...) § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. (Vide Lei nº 13.874, de 2019); § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. (Vide Lei nº 13.874, de 2019); § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. (Vide Lei nº 13.874, de 2019); § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. (Vide Lei nº 13.874, de 2019) (...) Art. 30. Compete aos Municípios: (...) II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;” (2) Precedentes citados: ADPF 457, ADPF 526, ADPF 460, ADPF 467 e ADPF 461. (3) Lei nº 1.528/2021 do Município de Águas Lindas de Goiás/GO: “Art. 1º. Fica vedado o uso da "linguagem neutra", do "dialeto não binário" ou de qualquer outra que descaracterize o uso da norma da Língua Portuguesa na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas, em documentos oficiais das instituições de ensino, em editais de concursos públicos, assim como em ações culturais, esportivas, sociais ou publicitárias que percebem verba pública de qualquer natureza, no âmbito do Município de Águas Lindas de Goiás. Parágrafo único. Nos ambientes formais de ensino e educação, é vedado o emprego de linguagem que, corrompendo as regras gramaticais, pretendam se referir a gênero neutro, inexistente na língua portuguesa. Art. 2º. Fica garantido aos estudantes do Município de Águas Lindas de Goiás o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Art. 3º. O disposto no artigo anterior aplica-se a todas as instituições de ensino no Município de Águas Lindas de Goiás, público ou privadas. Art. 4º. A violação do direito do estudante estabelecido no artigo 2º desta Lei, acarretará sanções às instituições de ensino privadas e aos profissionais de educação que concorrerem em ministrar conteúdos adversos aos estudantes, prejudicando direta ou indiretamente seu aprendizado à língua portuguesa. Art. 5º. As Secretarias responsáveis pelo ensino básico, deverão empreender todos os meios necessários para valorização da língua portuguesa culta em suas políticas educacionais, fomentando iniciativas de defesa aos estudantes na aplicação de qualquer aprendizado destoante das normas e orientações legais de ensino. Art. 6º. Fica o Poder Executivo autorizado a firmar convênio com instituições públicas e privadas voltadas à valorização da língua portuguesa no Município de Águas Lindas de Goiás. Art. 7º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.” (4) Lei nº 2.342/2022 do Município de Ibirité/MG: “Art. 1º Fica garantido aos integrantes da comunidade escolar das instituições públicas e privadas de competência do município de Ibirité o direito ao aprendizado e vivência da língua portuguesa de acordo com a norma culta de ensino estabelecida com base no Vocabulário da Língua Portuguesa (VOLP) e no Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa, de 16 de dezembro de 1990, ratificado pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Art. 2º Ficam terminantemente proibidos às instituições formais públicas e privadas de ensino, a aplicação e o ensino, ainda que eventual, da denominada ‘LINGUAGEM NEUTRA’ ou ‘DIALETO NÃO BINÁRIO’ ou de qualquer outra que descaracterize a norma culta da Língua Portuguesa na matriz curricular, material didático, atividades e exercícios escolares avaliativos ou não, impressos ou digitais, em reuniões escolares, plantões pedagógicos, simpósios, congressos, seminários, palestras, workshops, oficinas, encontros para formação continuada de professores e demais categorias profissionais, em todas as possíveis atividades pedagógicas, culturais, desportivas, assistenciais, filantrópicas, publicitárias, permanentes ou transitórias, presenciais ou à distância, bem como em editais de concursos públicos e seleções simplificadas e seus respectivos programas e avaliações, convocações, instruções normativas, circulares, notas técnicas e documentos oficiais, no âmbito deste Município. Parágrafo único. Para efeito desta Lei, entende-se por ‘LINGUAGEM NEUTRA’ a modificação da partícula e/ou do conjunto de padrões linguísticos determinantes do gênero das palavras na Língua Portuguesa, seja na modalidade escrita ou falada. Modificação essa que vise a anular e/ou a indeterminar na linguagem o masculino e/ou feminino. Art. 3º É vedado à administração pública municipal de Ibirité o uso e a promoção da ‘LINGUAGEM NEUTRA’ dentro e fora dos limites do município, bem como a contribuição direta ou indireta para sua difusão por meio da disponibilização de recursos humanos, financeiros e materiais. Art. 4º A violação de qualquer norma preconizada nesta Lei por parte de agentes públicos acarretará sanções administrativas, sem prejuízo de eventuais responsabilizações civis e penais. Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por sufrágio popular, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública. Art. 5º A violação de qualquer norma preconizada nesta Lei por parte de instituições privadas de ensino acarretará nas seguintes sanções, isoladas ou cumuladas, sem prejuízo de eventuais responsabilizações civis e penais: I - Advertência; II - Multa de dez a cem salários mínimos; III - Suspensão da licença de funcionamento; IV - Cassação do alvará de funcionamento; V - Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, pelo prazo de dez anos. Art. 6º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.”
Legislação Aplicável
CF/1988: Arts. 22, XXIV; 24, IX, §§ 1º ao 4º e 30, II Lei nº 9.394/1996 Lei nº 2.342/2022 do Município de Ibirité/MG Lei nº 1.528/2021 do Município de Águas Lindas de Goiás/GO
Informações Gerais
Número do Processo
1155
Tribunal
STF
Data de Julgamento
10/06/2024