Este julgado integra o
Informativo STF nº 1167
Comentário Damásio
Resumo
Uma vez presente o estado de mora inconstitucional — devido à inércia do Poder Legislativo em regulamentar o art. 226, § 8º da Constituição Federal de 1988, no tocante ao combate à violência doméstica ou intrafamiliar contra homens GBTI+ em relacionamentos homoafetivos ou que envolvam travestis e mulheres transexuais —, deve ser reconhecida a aplicação analógica dos dispositivos da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) para abarcar a população LGBTQIA+.
Conteúdo Completo
Uma vez presente o estado de mora inconstitucional — devido à inércia do Poder Legislativo em regulamentar o art. 226, § 8º da Constituição Federal de 1988, no tocante ao combate à violência doméstica ou intrafamiliar contra homens GBTI+ em relacionamentos homoafetivos ou que envolvam travestis e mulheres transexuais —, deve ser reconhecida a aplicação analógica dos dispositivos da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) para abarcar a população LGBTQIA+. O Estado tem o dever constitucional de punir discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (CF/1988, art. 5º, XLI e XLII) e de proteger todas as famílias, independentemente de serem heteroafetivas, contra a violência doméstica, bem como todas as pessoas, sem limitar-se ao gênero feminino (1). Isso se dá na medida em que o Estado Democrático de Direito é definido por um sentido expandido de igualdade, o qual também se materializa com o combate às desigualdades baseadas na construção social do gênero (CF/1988, art. 3º). Assim, apesar de a orientação sexual e a identidade de gênero estarem incluídas nos motivos de não discriminação consagrados nos Princípios de Yogykarta e abrangidas pela proteção dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade (CF/1988, arts. 1º, III; e 5º, caput), o Brasil vive uma situação de catástrofe concernente às violências de gênero, homofóbicas e transfóbicas. A Lei Maria da Penha reconhece que — ainda que as mulheres sejam pessoas em situação de vulnerabilidade social — a violência doméstica ou intrafamiliar não ocorre apenas em relações de homens com mulheres. A referida lei prevê sua aplicação independentemente de orientação sexual, o que abrange relações homoafetivas com pessoas do sexo ou do gênero feminino (2). Diante disso, os homens GBTI+ em relações com outros homens também merecem especial proteção do Estado contra a violência doméstica, devido à situação de vulnerabilidade social que enfrentam por causa da homotransfobia. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, concedeu a ordem do mandado de injução coletivo para: (i) reconhecer a mora legislativa e (ii) determinar a incidência da norma protetiva da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos do sexo masculino e às mulheres travestis ou transexuais nas relações intrafamiliares. (1) CF/1988: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” (2) Lei nº 11.340/2006: “Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. (...) Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”
Legislação Aplicável
CF/1988: art. 1º, III; art. 3º; art. 5º, caput, XLI e XLII e art. 226, §8º. Lei 11.340/2006: arts. 2º e 5º.
Informações Gerais
Número do Processo
4452
Tribunal
STF
Data de Julgamento
21/02/2025