Supremo Tribunal Federal • 8 julgados • 28 de fev. de 2025
São inconstitucionais — pois violam os princípios da razoabilidade, da confiança legítima, da segurança jurídica, da razoável duração do processo, da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa — as portarias do então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos pelas quais foram anulados os atos administrativos que declaravam anistia política de cabos da Aeronáutica afastados da atividade pela Portaria nº 1.104/1964 do Ministério da Justiça. Conforme jurisprudência desta Corte (1), a Administração Pública, no exercício do poder de autotutela, pode exercer o controle de legalidade e rever os próprios atos a qualquer tempo, desde que se comprove ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já percebidas. Contudo, a anulação de atos praticados pela Administração Pública não pode desconsiderar a legítima expectativa de sua validade e regularidade, assim como a segurança das relações juridicamente consolidadas pelo tempo. Na espécie, as portarias impugnadas, publicadas no Diário Oficial da União de 5 de junho de 2020, tratam da anulação de portarias expedidas pela Comissão de Anistia, entre 2002 e 2005, que declaravam a anistia política de ex-cabos da Aeronáutica, afastados no início do regime militar. O decurso de mais de dezessete anos para a revisão e anulação de ato administrativo indispensável para a subsistência do administrado, em período de grave crise sanitária reconhecido pelo Congresso Nacional (período pandêmico), além de ofender a dignidade da pessoa humana, extrapola os parâmetros de razoabilidade que devem orientar a atuação eficiente do administrador público. Ademais, a revisão dos atos concessivos de anistia de forma generalizada e sem a devida individualização da situação específica de cada anistiado contraria os princípios da segurança jurídica, do contraditório e da ampla defesa (2). Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, converteu a apreciação da medida cautelar em julgamento de mérito e julgou a arguição parcialmente prejudicada e, na parte remanescente, parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade das Portarias nºs 1.293, 1.296, 1.300, 1301, 1.307, 1.308, 1.313, 1.315, 1.329, 1.342, 1.380, 1.382, 1.387, 1.389, 1.404, 1.410, 1.416, 1.439, 1.445, 1.466, 1.476, 1.486, 1.496, 1.499, 1.503, 1.504, 1.511, 1.513, 1.521, 1.535, 1536, 1.541, 1.548, 1.550, 1.561 e 1.567, de 5.6.2020, todas do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (atual Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania), pelas quais foram anulados os atos administrativos que declaravam a anistia política de cabos da Aeronáutica afastados pela Portaria nº 1.104/1964 do Ministério da Justiça. (1) Precedente citado: RE 817.338 (Tema 839 RG). (2) Precedentes citados: MS 37.004, MS 27.185 e MS 30.780 MC (decisão monocrática).
São constitucionais — e não usurpam competência tributária, não invadem matéria reservada à lei complementar (CF/1988, art. 146, III, b) nem ofendem os princípios da proporcionalidade e da privacidade — norma de lei federal e convênio do Confaz que impõem: (i) o uso de equipamento Emissor de Cupom Fiscal (ECF) pelas empresas que exercem atividade de venda ou revenda de bens a varejo e pelas que prestem serviços; e (ii) a inclusão, no cupom fiscal, da identificação da pessoa física ou jurídica compradora, da descrição dos bens ou serviços, da data e do valor da operação. As referidas exigências constituem obrigação acessória para a União, instituída para fins de fiscalização e de arrecadação de tributos de sua competência (Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). A legislação ordinária federal não fez alusão ao ICMS ou ao ISS, e estados e municípios impuseram o uso de equipamento ECF mediante normas próprias, além daquelas estabelecidas no Convênio ECF nº 1/1998 do Confaz. Na espécie, os dispositivos impugnados não tratam de normas gerais, e sim de regras específicas de obrigações acessórias, em consonância com o CTN/1966. Ademais, em matéria tributária, os convênios podem versar sobre fiscalização e controle mútuo, admitindo-se a criação de obrigações acessórias (CF/1988, arts. 37, XXII; e 145, § 1º; e CTN/1966, arts. 96; 100, IV; e 199). Com relação às informações contidas no cupom fiscal, embora sejam sigilosas, podem ser obtidas se atendidas as condições necessárias, motivo pelo qual não há desobediência ao princípio da privacidade (1). Nesse contexto, a instituição do equipamento ECF se mostrou adequada e necessária, na medida em que facilitou a fiscalização dos tributos incidentes nas operações de venda e revenda de mercadorias e na prestação de serviços, substituindo meios ultrapassados de emissão de documentos fiscais que possibilitavam expedientes como a “omissão de vendas”. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação para declarar a constitucionalidade (i) dos arts. 61 a 63 da Lei nº 9.532/1997 (2), com a redação dada pelo art. 32 da Lei nº 11.941/2009; e (ii) do Convênio ECF nº 1/1998 do Confaz e de suas sucessivas modificações. (1) Precedentes citados: ADI 2.390, ADI 2.386, ADI 2.397, ADI 2.859 e RE 601.314 (Tema 225 RG). (2) Lei nº 9.532/1997: “Art. 61. As empresas que exercem a atividade de venda ou revenda de bens a varejo e as empresas prestadoras de serviços estão obrigadas ao uso de equipamento Emissor de Cupom Fiscal – ECF. § 1º Para efeito de comprovação de custos e despesas operacionais, no âmbito da legislação do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, os documentos emitidos pelo ECF devem conter, em relação à pessoa física ou jurídica compradora, no mínimo: a) a sua identificação, mediante a indicação do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF, se pessoa física, ou no Cadastro Geral de Contribuintes – CGC, se pessoa jurídica, ambos do Ministério da Fazenda; b) a descrição dos bens ou serviços objeto da operação, ainda que resumida ou por códigos; c) a data e o valor da operação. § 2º Qualquer outro meio de emissão de nota fiscal, inclusive o manual, somente poderá ser utilizado com autorização específica da unidade da Secretaria de Estado da Fazenda, com jurisdição sobre o domicílio fiscal da empresa interessada. Art. 62. A utilização, no recinto de atendimento ao público, de equipamento que possibilite o registro ou o processamento de dados relativos a operações com mercadorias ou com a prestação de serviços somente será admitida quando estiver autorizada, pela unidade da Secretaria de Estado da Fazenda, com jurisdição sobre o domicílio fiscal da empresa, a integrar o ECF. Parágrafo único. O equipamento em uso, sem a autorização a que se refere o caput deste artigo ou que não satisfaça os requisitos deste artigo, poderá ser apreendido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou pela Secretaria de Fazenda da Unidade Federada e utilizado como prova de qualquer infração à legislação tributária, decorrente de seu uso. (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009) Art. 63. O disposto nos arts. 61 e 62 observará convênio a ser celebrado entre a União, representada pela Secretaria da Receita Federal, e as Unidades Federadas, representadas no Conselho de Política Fazendária – CONFAZ pelas respectivas Secretarias de Fazenda.”
É inconstitucional — por violar a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, seguros e trânsito (CF/1988, art. 22, I, VII e XI) — lei estadual que exige a comunicação de perda total ao Detran local e a destruição do carro objeto do sinistro. Conforme jurisprudência desta Corte (1), o controle da baixa de registro, desmanche e venda de automóveis considerados como perda total pelas seguradoras refere-se ao trânsito e à sua segurança, na medida em que impede que veículos comercializados como sucata sejam reformados e reintroduzidos no mercado daqueles em circulação. O Código de Trânsito Brasileiro (artigos 120 a 129-B) já estabelece procedimentos em relação ao registro e à baixa de veículos, bem como inexiste lei complementar federal delegando aos entes federados competência para regular sobre a matéria (CF/1988, art. 22, parágrafo único). Ademais, em observância ao princípio da simetria, a criação de obrigações para órgão vinculado à estrutura do Poder Executivo, como o Detran, requer iniciativa do governador do estado (CF/1988, arts. 61, § 1º, II; e 84, VI, “a”). Por fim, a lei estadual impugnada ainda impõe sanção demasiadamente gravosa às empresas seguradoras de automóveis pelo descumprimento da destruição das carcaças, em desobediência aos princípios gerais da ordem econômica (CF/1988, art. 170). Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 2.026/2009 do Estado de Rondônia (2). (1) Precedentes citados: ADI 4.156, ADI 4.710, ADI 3.254 e ADI 4.704. (2) Lei nº 2.026/2009 do Estado de Rondônia: “Art. 1º Ficam as seguradoras obrigadas a comunicar ao Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN/RO todos os sinistros de veículos registrados no âmbito do Estado de Rondônia considerados perda total. Parágrafo único. As comunicações deverão ser feitas no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas após a emissão do laudo pela seguradora. I – feita a comunicação, o DETRAN/RO fará a imediata baixa na documentação do veículo, sendo vedada a reutilização do número do chassi: e II – as carcaças não poderão ser reaproveitadas. Art. 2º As seguradoras providenciarão, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, a destruição das carcaças inutilizadas pelo sistema de prensa, de modo a não possibilitar o reaproveitamento das peças. Parágrafo único. O descumprimento do disposto neste artigo ensejará a proibição de receber, a qualquer título, vantagem econômica ou patrimonial da administração pública direta e indireta. Art. 3º O Poder Executivo, no prazo de 90 (noventa dias) expedirá as instruções necessárias à fiel execução desta Lei. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.
É inconstitucional — pois viola a competência da União para legislar sobre direito penal (CF/1988, art. 22, I) e sobre normas gerais de licitação e contratação (CF/1988, art. 22, XXVII) — lei estadual que estabelece sanções a ocupantes comprovadamente ilegais e invasores de propriedades privadas rurais e urbanas no âmbito de seu território. Na espécie, a lei estadual impugnada fixa, aos ocupantes comprovadamente ilegais e invasores de propriedades privadas rurais e urbanas no âmbito de seu território, as seguintes vedações: (i) receber auxílio e benefícios de programas sociais do estado; (ii) tomar posse em cargo público de confiança; e (iii) contratar com o poder público estadual. Nesse contexto, a norma amplia sanções para delitos já previstos no Código Penal (violação de domicílio e esbulho possessório), o que implica em desrespeito às regras do regime de repartição constitucional de competências (1). Ademais, a vedação de contratar com o poder público estadual se afasta da garantia constitucional da isonomia, já que não se traduz em exigência voltada a assegurar o cumprimento de obrigação. Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei nº 12.430/2024 do Estado de Mato Grosso (2).
É constitucional — por ser consentânea com a norma geral editada pela União e seu regulamento (Lei Complementar nº 206/2024, art. 2º, § 2º; e Decreto nº 12.118/2024), e por observar os princípios da Administração Pública (CF/1988, art. 37, caput, XXI e § 4º) — lei estadual que, exigindo o devido controle por parte dos órgãos de fiscalização, (i) prevê o repasse integral de recursos de fundo público de natureza especial para plano de investimentos em ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes da calamidade pública; e (ii) autoriza o Poder Executivo a participar, com esses recursos, de fundo financeiro de natureza privada criado e mantido por instituição financeira controlada pelo estado, desde que as finalidades legais sejam preservadas. É constitucional — por ser consentânea com a norma geral editada pela União e seu regulamento (Lei Complementar nº 206/2024, art. 2º, § 2º; e Decreto nº 12.118/2024), e por observar os princípios da Administração Pública (CF/1988, art. 37, caput, XXI e § 4º) — lei estadual que, exigindo o devido controle por parte dos órgãos de fiscalização, (i) prevê o repasse integral de recursos de fundo público de natureza especial para plano de investimentos em ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes da calamidade pública; e (ii) autoriza o Poder Executivo a participar, com esses recursos, de fundo financeiro de natureza privada criado e mantido por instituição financeira controlada pelo estado, desde que as finalidades legais sejam preservadas. A possibilidade de repasse de recursos do fundo público é permitida quando a destinação desses valores é integralmente direcionada ao plano de investimentos em ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes da calamidade pública (1). Também é válida a participação, com recursos advindos desse fundo especial, em fundo financeiro de natureza privada criado e mantido por instituição financeira controlada pelo estado, desde que atendidas as finalidades legais. Além de inexistirem óbices nesse sentido na norma geral, a autorização dessa medida não altera a natureza pública dos recursos. Na espécie, a lei estadual impugnada preserva as finalidades legais (art. 4º), bem como prevê mecanismos adequados de controle externo pelos órgãos fiscalizatórios, de modo compatível com o que estabelece o texto constitucional (2). Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou improcedente a ação para declarar a constitucionalidade dos arts. 5º, parágrafo único, e 8º, ambos da Lei nº 16.134/2024 do Estado do Rio Grande do Sul (3). (1) Lei Complementar nº 206/2024: “Art. 2º Na ocorrência de eventos climáticos extremos dos quais decorra estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional, mediante proposta do Poder Executivo federal, nos termos do disposto no art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), em parte ou na integralidade do território nacional, é a União autorizada a postergar, parcial ou integralmente, os pagamentos devidos, incluídos o principal e o serviço da dívida, das parcelas vincendas com a União dos entes federativos afetados pela calamidade pública, e a reduzir a 0% (zero por cento), nos contratos de dívida dos referidos entes com a União a que se refere o § 1º, a taxa de juros de que trata o inciso I do caput do art. 2º da Lei Complementar nº 148, de 25 de novembro de 2014, pelo período de até 36 (trinta e seis) meses, nos termos estabelecidos em ato do Poder Executivo federal. (...) § 2º Os valores equivalentes aos montantes postergados em decorrência do disposto no caput deste artigo, calculados com base nas taxas de juros originais dos contratos ou nas condições financeiras aplicadas em função de regime de recuperação fiscal, deverão ser direcionados integralmente a plano de investimentos em ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes da calamidade pública e de suas consequências sociais e econômicas, por meio de fundo público específico a ser criado no âmbito do ente federativo”. (2) CF/1988: “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (...) Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.” (3) Lei nº 16.134/2024 do Estado do Rio Grande do Sul: “Art. 5º O Governador do Estado designará o gestor do FUNRIGS, definirá o órgão com competências de secretaria executiva e de apoio técnico e administrativo e regulamentará o seu funcionamento. Parágrafo único. O gestor do Fundo de que trata o ‘caput’ poderá, ouvido o Conselho de que trata o art. 6, para a melhor consecução de suas finalidades, repassar recursos para outros fundos estaduais, para fundos municipais ou o repasse a órgãos ou entidades do Estado competentes para o planejamento e a execução, direta ou indireta, das ações, projetos ou programas de que trata o art. 4.º (...) Art. 8º Fica o Poder Executivo autorizado a participar, com os recursos do Fundo de que trata o art. 3º, de fundo financeiro de natureza privada criado e mantido por instituição financeira controlada pelo Estado, desde que suas finalidades observem o disposto no art. 4º Parágrafo único. O gestor do fundo de que trata o ‘caput’ poderá contratar obras e serviços para atender às suas finalidades.”
"1. É inconstitucional a incidência do ISS a que se refere o subitem 14.05 da Lista anexa à LC nº 116/03 se o objeto é destinado à industrialização ou à comercialização; 2. As multas moratórias instituídas pela União, Estados, Distrito Federal e municípios devem observar o teto de 20% do débito tributário." É inconstitucional — por invadir a competência tributária da União — a incidência do ISS em operação de industrialização por encomenda, realizada em materiais fornecidos pelo contratante, quando configurar etapa intermediária (e não uma atividade finalística) do ciclo produtivo de mercadoria. A Lei Complementar nº 116/2003, ao não ressalvar os objetos destinados à industrialização ou à comercialização no subitem 14.05 (1), descaracterizou o critério material do ISS e invadiu competência constitucional atribuída à União, provocando um efeito cumulativo relevante em imposto sobre a produção (2). Nesse contexto, a industrialização por encomenda não se sujeita ao ISS se verificado que o bem retorna à circulação ou a uma nova e posterior industrialização, na medida em que esse processo industrial representa tão somente uma fase do ciclo econômico da encomendante. Ademais, a observância ao teto de 20% do débito tributário para as multas moratórias instituídas pelos entes da Federação é providência que objetiva uniformizar a questão, de modo a conferir efetividade às normas constitucionais protetivas do sujeito passivo e evitar o efeito confiscatório (3). Na espécie, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais manteve a sentença para assentar a validade da cobrança do ISS devido pelo contribuinte nos meses de abril a dezembro de 2004, relativamente à prestação de serviços de corte longitudinal e transversal de bobinas de aço no contexto da industrialização por encomenda. Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 816 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário e fixou as teses anteriormente citadas. Relativamente à primeira tese fixada, o Tribunal atribuiu eficácia ex nunc à decisão, a fim de que se produza efeitos a partir da publicação da ata deste julgamento, nos exatos termos dispostos nela e nas respectivas ressalvas. (1) Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003: “14 – Serviços relativos a bens de terceiros. (...) 14.05 – Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer. 14.05 - Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, plastificação, costura, acabamento, polimento e congêneres de objetos quaisquer. (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016)” (2) Precedentes citados: ADI 4.389 MC, RE 606.960 AgR-AgR e ARE 839.976 AgR. (3) Precedente citado: RE 582.461 (Tema 214 RG).
Viola os princípios da separação dos Poderes e da legalidade (CF/1988, arts. 2º e 5º, II) interpretação judicial que estende norma trabalhista para obrigar terceiro que não tem vínculo trabalhista direto com empregadas em fase de amamentação a estabelecer e manter creche em benefício delas. A Justiça Trabalhista, ao ampliar, sem fundamento legal, o âmbito de aplicação da norma contida no § 1º do art. 389 da CLT/1943 (1) para hipóteses nela não previstas, atuou indevidamente como legislador positivo (2). Na espécie, o Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública a fim de requerer a condenação de shopping center na obrigação de (i) construir e manter creche destinada à amamentação dos filhos das empregadas das lojas nele estabelecidas; e de (ii) realizar o pagamento de quantia a título de danos morais coletivos. Em primeiro grau de jurisdição, a demanda foi julgada parcialmente procedente para condenar o centro comercial a adotar “as medidas necessárias” ao integral cumprimento das disposições contidas nos §§ 1º e 2º do art. 389 da CLT/1943. A decisão foi mantida nas demais instâncias. A ausência de vínculo laboral entre o shopping center e as empregadas das lojas nele estabelecidas é incontroversa. O dispositivo legal que amparou o pedido inicial volta-se exclusivamente para os empregadores, motivo pelo qual é descabida a imposição de obrigações trabalhistas a atores alheios à relação empregatícia. Ademais, fixar obrigação sem expressa previsão legal configura afronta ao princípio da livre iniciativa e implica intervenção indevida na liberdade do shopping de dirigir e administrar seu empreendimento (3). Com base nesses entendimentos, a Segunda Turma, por maioria, negou provimento ao agravo regimental para manter a decisão monocrática que julgou improcedente a ação civil pública.
Uma vez presente o estado de mora inconstitucional — devido à inércia do Poder Legislativo em regulamentar o art. 226, § 8º da Constituição Federal de 1988, no tocante ao combate à violência doméstica ou intrafamiliar contra homens GBTI+ em relacionamentos homoafetivos ou que envolvam travestis e mulheres transexuais —, deve ser reconhecida a aplicação analógica dos dispositivos da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) para abarcar a população LGBTQIA+. O Estado tem o dever constitucional de punir discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (CF/1988, art. 5º, XLI e XLII) e de proteger todas as famílias, independentemente de serem heteroafetivas, contra a violência doméstica, bem como todas as pessoas, sem limitar-se ao gênero feminino (1). Isso se dá na medida em que o Estado Democrático de Direito é definido por um sentido expandido de igualdade, o qual também se materializa com o combate às desigualdades baseadas na construção social do gênero (CF/1988, art. 3º). Assim, apesar de a orientação sexual e a identidade de gênero estarem incluídas nos motivos de não discriminação consagrados nos Princípios de Yogykarta e abrangidas pela proteção dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade (CF/1988, arts. 1º, III; e 5º, caput), o Brasil vive uma situação de catástrofe concernente às violências de gênero, homofóbicas e transfóbicas. A Lei Maria da Penha reconhece que — ainda que as mulheres sejam pessoas em situação de vulnerabilidade social — a violência doméstica ou intrafamiliar não ocorre apenas em relações de homens com mulheres. A referida lei prevê sua aplicação independentemente de orientação sexual, o que abrange relações homoafetivas com pessoas do sexo ou do gênero feminino (2). Diante disso, os homens GBTI+ em relações com outros homens também merecem especial proteção do Estado contra a violência doméstica, devido à situação de vulnerabilidade social que enfrentam por causa da homotransfobia. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, concedeu a ordem do mandado de injução coletivo para: (i) reconhecer a mora legislativa e (ii) determinar a incidência da norma protetiva da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos do sexo masculino e às mulheres travestis ou transexuais nas relações intrafamiliares. (1) CF/1988: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” (2) Lei nº 11.340/2006: “Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. (...) Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”