Este julgado integra o
Informativo STF nº 477
Comentário Damásio
Conteúdo Completo
Por entender presentes indícios de autoria e materialidade, o Tribunal recebeu, em parte, denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República contra 40 pessoas acusadas da suposta prática dos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica, peculato, corrupção passiva e ativa (CP, artigos 288, 299, 312, 317 e 333, respectivamente), lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, V, VI e VII), gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas (Lei 7.492/86, artigos 4º, 22 e parágrafo único), todos ligados ao esquema denominado “Mensalão”. Inicialmente, o Tribunal resolveu questões de ordem apresentadas pela Presidente, Min. Ellen Gracie, a fim de garantir o bom andamento dos trabalhos, no sentido de: a) nomear um defensor substituto a um dos acusados, verificada a ausência de comparecimento de advogado constituído, para o só efeito de representação no ato de apreciação da denúncia, com base na regra inscrita no art. 261, segundo a qual nenhum acusado será processado ou julgado sem defensor, e na prerrogativa do art. 265, ambos do CPP; b) indeferir o pedido de adiamento da sessão formulado por um dos causídicos, ante a falta de razoabilidade; c) indeferir, da mesma forma, o requerimento formulado pelo Procurador-Geral da República de alargar o prazo para sustentação oral; d) conceder prazo em dobro, para sustentação oral, a defensor de dois acusados, estendendo idêntico tratamento aos demais denunciados; e) indeferir requerimento formulado por defensor de um acusado relativamente à ordem do julgamento, haja vista que o procedimento sugerido ocasionaria mais tumulto processual e delonga, não encontrando, ademais, amparo legal. No que se refere à penúltima questão de ordem, o Min. Marco Aurélio divergiu para votar no sentido da observância do prazo simples, considerando o fato de ter-se, na espécie, denúncia formalizada contra acusados com defensor único. O Tribunal, por maioria, ainda superou o reparo feito pelo Min. Marco Aurélio em questão de procedimento, o qual, tendo em conta a notícia de que um dos envolvidos não apresentara defesa prévia, entendia que, assim como se procedera quanto à sustentação oral, deveria ter havido, naquele caso, designação dativa, para não ficar o acusado indefeso no procedimento. O Tribunal, da mesma forma, afastou todas preliminares levantadas pelos advogados dos denunciados referentes à: a) incompetência do Supremo para julgar acusados sem prerrogativa de foro perante esta Corte, por estar preclusa a matéria, uma vez que já decidida anteriormente em questão de ordem; b) precipitação no oferecimento da denúncia, em violação ao devido processo legal, porquanto a decisão sobre o momento de oferecê-la seria de alçada única do autor da ação penal; c) não apresentação do relatório policial, por se tratar de peça dispensável; d) nulidade das decisões proferidas na 1ª instância, pois, quando da atuação do magistrado de 1º grau, no sentido da quebra do sigilo bancário e fiscal, não havia indício da participação de nenhum agente político ou autoridade detentora da prerrogativa de foro nos fatos que foram objeto da investigação policial; e) ilicitude de provas existentes nos autos, já que todas legalmente colhidas. No que tange à preliminar autonomamente suscitada de ilicitude da prova do Banco Central do Brasil - BACEN de relatórios bancários por requisição exclusiva do Procurador-Geral da República, independentemente de ordem judicial, manifestaram-se pela ilicitude dessa prova os Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ellen Gracie. Considerou-se, todavia, esta preliminar prejudicada, na medida em que os referidos documentos não foram obtidos exclusivamente por aquela fonte, mas por formas regulares de que¬bra de sigilo, ou seja, através da CPMI dos Correios e por decisão judicial do Min. Nelson Jobim, então Presidente do STF e, posteriormente, do próprio relator. No mérito, o Tribunal, na parte em que recebeu a denúncia feita contra dois dos acusados quanto à suposta prática do crime de evasão de divisas, esclareceu não ser possível a aplicação do princípio da consunção, suscitado pela defesa, que afirmava que o crime de manter depósitos no exterior fora perpetrado como meio para a consecução do delito de sonegação fiscal (Lei 8.137/90). Entendeu-se que não teriam sido atendidos os requisitos necessários à aplicação desse princípio — as normas incriminadoras devem tutelar o mesmo bem jurídico e o crime-meio deve ser menos gravoso do que o crime-fim —, tendo em vista que a Lei 7.492/86 protege a política cambial brasileira, enquanto a Lei 8.137/90 tutela a política fiscal, e o crime de evasão de divisas é mais grave que o delito de sonegação fiscal. Afastou-se, também, a alegação de que, ainda que os fatos pudessem constituir crime contra a ordem tributária, teria ocorrido a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei 9.249/95, em razão do recolhimento dos impostos pelo denunciado. Considerou-se que a denúncia não imputara aos denunciados o crime de sonegação fiscal e que a mencionada extinção de punibilidade não poderia ser estendida ao crime de evasão de divisas. Por fim, não se acolheu o argumento de que não haveria incidência do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, porque a conta existente no exterior para movimentação das divisas não pertenceria a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil. Asseverou-se que a conta, em princípio criada para o cometimento do delito, seria titularizada por pessoa jurídica de propriedade do denunciado, verdadeiro beneficiário dos valores depositados, residente e domiciliado no território nacional. O Tribunal, na parte em que rejeitou a denúncia, relativamente a um dos acusados, quanto ao crime de falsidade ideológica — que decorreria da circunstância de ter ele se utilizado, supostamente, de expediente fraudulento, fazendo constar sua exclusão do quadro de sócios de empresa, e nele incluir sua esposa, a qual seria, na verdade, sua “testa-de-ferro” —, concluiu que a denúncia não teria descrito em que consistiria o dolo específico da conduta do denunciado, ou seja, não demonstrara de que modo ele pretendia prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Legislação Aplicável
CP, artigos 288, 299, 312, 317 e 333; Lei 9.613/98, art. 1º, V, VI e VII; Lei 7.492/86, artigos 4º, 22 e parágrafo único.
Informações Gerais
Número do Processo
2245
Tribunal
STF
Data de Julgamento
28/08/2007