Este julgado integra o
Informativo STF nº 655
Comentário Damásio
Conteúdo Completo
Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra senador da República e outro denunciado pela suposta prática dos tipos penais previstos nos artigos 149; 203, §§ 1º e 2º; e 207, §§ 1º e 2º, todos do CP, em concurso formal homogêneo. No caso, a inicial acusatória narra que, a partir de diligência realizada por grupo de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, constatara-se que os denunciados teriam, no período de janeiro e fevereiro de 2004, reduzido aproxi-madamente 35 trabalhadores a condição análoga à de escravos, inclusive com a presença de menor de idade entre eles, nas dependências de fazenda de propriedade do parlamentar e administrada pelo co-denunciado — v. Informativo 603. Salientou-se que a existência de processo trabalhista não afastaria o juízo de admissibilidade da peça acusatória, considerada a independência entre a instância trabalhista e a penal. Reiterou-se que a investigação fora realizada por grupo que contara com a atuação de auditores fiscais do trabalho, de procurador do Ministério Público do Trabalho, de delegado e de outros agentes do Departamento de Polícia Federal. Observou-se a edição de leis que alteraram a disciplina referente aos crimes relacionados à organização do trabalho e à liberdade pessoal no exercício de atividade laboral, notadamente a Lei 9.777/98 — que ampliara o rol de condutas passíveis de enquadramento em crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, inclusive com a previsão da prática do truck system (forma de pagamento de salário em mercadorias), que ocorreria no caso, pois haveria armazéns na propriedade para fornecimento de produtos e mercadorias aos trabalhadores mediante desconto dos valores no salário — e a Lei 10.803/2003 — que estendera o rol de condutas amoldadas ao delito de redução a condição análoga à de escravo. Enfatizou-se que os atos descritos atentariam contra o princípio da dignidade humana, sob o prisma do direito à liberdade e ao trabalho digno. O Min. Luiz Fux destacou inexistir responsabilidade penal objetiva, porque os denunciados estariam na posição de garantes do bem jurídico protegido. Assim, firmados os documentos contratuais com os trabalhadores, a responsabilidade sobre eles teria sido assumida pelos réus e seria compreensível na tipificação dos crimes comissivos por omissão. Entendeu-se possível a coexistência dos crimes dos artigos 149, 203 e 207, todos do CP, sem consunção. Relativamente ao delito de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149), consignou-se que a aludida fiscalização demonstraria a precária situação de labor a que os trabalhadores estariam submetidos e que cópias de lançamentos contábeis evidenciariam dívidas assumidas por vários deles no armazém mantido no local. Considerou-se que a imputação referente ao crime do art. 207 do CP, na modalidade de recrutamento de trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, não garantindo condições de seu retorno ao local de origem, também encontraria substrato probatório. Assinalou-se que a fraude descrita consistiria em promessas de salários e de outros benefícios por ocasião do contrato. Quanto ao crime descrito no art. 203 do CP, referente a frustração, mediante fraude, de direitos assegurados pela legislação trabalhista, destacou-se a lavratura de autos de infração por parte dos auditores do MTE, em face da ausência de formalização de contrato de trabalho. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Marco Aurélio, que rejeitavam a denúncia; e Cezar Peluso, Presidente, que a recebia parcialmente. O Min. Gilmar Mendes registrava que o relatório apresentado, quando da atuação fiscalizadora no local, não teria apenas noticiado fatos objetivos, mas conteria juízos subjetivos por parte de seus subscritores. Afirmava necessário distinguir o que seria irregular, a exigir corrigendas no âmbito administrativo, e o que mereceria imputação criminal. Nesse sentido, a questão resumir-se-ia na razoabilidade de se convolar em crime os fatos imputados, visto que se imaginar a estrutura de saneamento e habitação exigida para que os trabalhadores não sofressem situações degradantes, nos moldes da denúncia, poderia significar fuga da realidade. Aduzia que as condições de vida das regiões pau-pérrimas do Brasil repetir-se-iam também no trabalho, de maneira que não seria razoável qualificá-las de criminosas por essa exclusiva razão. Não obstante, reconhecia a necessidade de se combater a miséria, o subemprego e a violação aos direitos trabalhistas e sociais. O Min. Dias Toffoli reforçava inexistir coação para que os trabalhadores permanecessem no local. O Min. Marco Aurélio sublinhava que os tipos penais em questão não admitiriam forma culposa e que não se poderia cogitar de contração de dívidas, dado o exíguo período de prestação de serviços — cerca de um mês. Além disso, asseverava não haver fraude ou violência quando da suposta frustração dos direitos trabalhistas por parte dos denunciados. O Presidente, por seu turno, consignava que o requisito do dolo estaria preenchido, uma vez que existente o domínio da ação ou das ações finais por parte do parlamentar denunciado, pois dono da empresa e conhecedor da situação. Assim, recebia a denúncia apenas quanto ao delito previsto no art. 149, caput, do CP, com relação a dois atos específicos: a sujeição a condições degradantes de trabalho — especialmente as de habitação, iluminação e higiene — e a restrição à locomoção dos trabalhadores em razão de dívida com o empregador, que teria criado, ardilosamente, situação apta a torná-lo credor, por meio de salários irrisórios e de exigência de valores desproporcionais por bens necessários à subsistência.
Informações Gerais
Número do Processo
2131
Tribunal
STF
Data de Julgamento
23/02/2012