Registro de técnico em contabilidade sem Exame de Suficiência até 1º de junho de 2015
De início, registre-se a existência de precedente da Primeira Turma, no julgamento do REsp 1.452.996/RS, julgado em 3/6/2014 e publicado no DJe 10/6/2014, cuja orientação estabeleceu que a implementação dos requisitos para a inscrição no Conselho Regional de Contabilidade surge no momento da conclusão do curso. Em decorrência desse mesmo raciocínio, a jurisprudência do STJ, com olhos voltados para o primado do direito adquirido, firmou-se no sentido de que o exame de suficiência criado pela Lei n. 12.249/2010 deveria ser exigido somente dos interessados que não tivessem completado o curso técnico ou superior em Contabilidade sob a égide da legislação pretérita. Contudo, após releitura hermenêutica do art. 12, caput e de seu § 2º, do Decreto-Lei n. 9.295/1946 (com as modificações implementadas pela Lei n. 12.249/2010), verifica-se a presença de manifesta intenção do legislador em estabelecer requisitos distintos para o detentor do curso de bacharelado em Ciências Contábeis (nível superior) e para aquele que se formou como técnico em contabilidade (nível médio), com vista ao registro de ambos perante o Conselho de Contabilidade. Da atual grafia do art. 12 do Decreto-Lei n. 9.295/1946, então, pode-se afirmar que, desde 1º de junho de 2015, somente obtém registro no Conselho Regional de Contabilidade os bacharéis em Ciências Contábeis (nível superior), cujo curso de graduação seja reconhecido pelo Ministério da Educação, e desde que também aprovados em específico Exame de Suficiência. A partir daquela data, portanto, os Conselhos de Contabilidade passaram a não mais deferir os registros solicitados por técnicos em contabilidade, cujo curso de nível médio, assim parece, restou inexoravelmente extinto com a nova legislação classista, ressalvadas, contudo, as hipóteses constantes da regra de transição. Por outro lado, somente aqueles profissionais que tenham completado o curso técnico em Contabilidade (nível médio) após a vigência da lei modificadora (Lei n. 12.249/2010), subordinariam-se ao requisito do Exame de Suficiência, como previsto na regra de transição prevista no alterado § 2º, do art. 12 do Decreto-Lei n. 9.295/1946. Entretanto, melhor analisando o tema, conclui-se pela impossibilidade de exigência de tal exame, mesmo em relação ao técnico formado após a edição da norma modificadora. O caput do art. 12 do Decreto-Lei n. 9.295/1946, ao estabelecer a aprovação no Exame de Suficiência como requisito para o bacharel em Ciências Contábeis obter o registro no Conselho Regional de Contabilidade, não fez qualquer referência ao técnico em contabilidade, possivelmente por se tratar de atividade em extinção. Ademais, o tão só viés gramatical do § 2º do art. 12 do Decreto-Lei n. 9.295/1946 sinalizou, em favor dos técnicos em contabilidade já registrados e aos que viessem a fazê-lo até 1º de junho de 2015, o pleno direito ao exercício da profissão, independentemente de submissão ao Exame de Suficiência, condicionante imposta somente aos bacharéis em Ciências Contábeis. De fato, o legislador foi extremamente objetivo e claro ao contemplar tal regra de transição, pois não mencionou nem deixou margem para que se considerasse a hipótese de qualquer restrição ao direito do técnico em contabilidade exercer sua profissão, desde que providenciasse seu registro no Conselho de Contabilidade nos quase cinco anos que se seguiram à edição da Lei n. 12.249/2010, que deu nova redação, repita-se, ao art. 12 do Decreto-Lei n. 9.295/1946. Desse modo, embora a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça assevere que a implementação dos requisitos para o registro no conselho profissional surge no momento da conclusão do curso, há, no caso do técnico em contabilidade, expressa autorização legislativa (art. 12, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.295/46), assegurando-lhe o direito de se registrar no Conselho Regional de Contabilidade até 1º de junho de 2015, sem exigência normativa do Exame de Suficiência, já que, a partir dessa data, não mais lhe seria permitido tal registro, salvo nos casos em que houvesse direito adquirido.
Direito à portabilidade de carências após resilição unilateral de plano de saúde coletivo
A Resolução CONSU n. 19/1999, que trata sobre a absorção do universo de consumidores pelas operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde que operam ou administram planos coletivos que vierem a ser liquidados ou encerrados, dispõe em seu art. 1º que "as operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde, que administram ou operam planos coletivos empresariais ou por adesão para empresas que concedem esse benefício a seus empregados, ou ex-empregados, deverão disponibilizar plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar ao universo de beneficiários, no caso de cancelamento desse benefício, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência". O art. 3º da referida Resolução, no entanto, faz a ressalva de que tal disposição se aplica somente às operadoras que mantenham também plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar. Registra-se que, no âmbito jurisdicional, a edição da súmula n. 608 pelo STJ reforça a tese de que a ANS, no exercício de seu poder normativo e regulamentar acerca dos planos e seguros de saúde coletivos - ressalvados, apenas, os de autogestão -, deve observar os ditames do CDC. Ademais, se, de um lado, a Lei n. 9.656/1998 e seus regulamentos autorizam a operadora do seguro de saúde coletivo por adesão a não renovar o contrato; de outro lado, o CDC impõe que os respectivos beneficiários, que contribuíram para o plano, não fiquem absolutamente desamparados, sem que lhes seja dada qualquer outra alternativa para manter a assistência a sua saúde e de seu grupo familiar. Dessa forma, a interpretação puramente literal do art. 3º da Resolução CONSU n. 19/1999 agrava sobremaneira a situação de vulnerabilidade do consumidor que contribuiu para o serviço e favorece o exercício arbitrário, pelas operadoras de seguro de saúde coletivo, do direito de não renovar o contrato celebrado por adesão, o que não tolera o CDC, ao qual estão subordinadas. O diálogo das fontes entre o CDC e a Lei n. 9.656/1998, com a regulamentação dada pela Resolução CONSU n. 19/1999, exige uma interpretação que atenda a ambos os interesses: ao direito da operadora, que pretende se desvincular legitimamente das obrigações assumidas no contrato celebrado com a estipulante, corresponde o dever de proteção dos consumidores (beneficiários), que contribuíram para o seguro de saúde e cujo interesse é na continuidade do serviço. Assim, na ausência de norma legal expressa que resguarde o consumidor na hipótese de resilição unilateral do contrato coletivo pela operadora, há de se reconhecer o direito à portabilidade de carências, permitindo, assim, que os beneficiários possam contratar um novo plano de saúde, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito.
Remição de pena por estudo e cômputo de horas excedentes de frequência escolar
O art. 126 da Lei de Execuções Penais (LEP) prevê duas hipóteses de remição da pena: por trabalho ou por estudo. No caso de frequência escolar, prescreve o inciso I do § 1º do art. 126 da LEP que o reeducando poderá remir 1 dia de pena a cada 12 horas de atividade, divididas, no mínimo, em 3 dias. É certo que, para fins de remição da pena pelo trabalho, a jornada não pode ser superior a oito horas (STF, HC 136.701, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 31.07.2018). No entanto, no caso de superação da jornada máxima de 8 horas, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que "eventuais horas extras devem ser computadas quando excederem a oitava hora diária, hipótese em que se admite o cômputo do excedente para fins de remição de pena" (HC 462.464/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 28.09.2018). O inciso II do art. 126 da Lei de Execuções Penais limita-se a referir que a remição ali regrada ocorre à razão de "1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho". Diferentemente, para o caso de estudo, a jornada máxima está prevista na LEP, ao descrever que a remição é de "1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias" (que resulta média máxima de 4 horas por dia). Todavia, a circunstância de a LEP limitar apenas as horas de estudos não pode impedir a equiparação com a situação da remição por trabalho. A mens legis que mais se aproxima da intenção ressocializadora da LEP é a de que tal detalhamento, no inciso II, seria na verdade despiciendo, porque o propósito da norma foi o de reger-se pela jornada máxima prevista pela legislação trabalhista. Não é possível interpretar o art. 126 como se o legislador tivesse diferenciado as hipóteses de remição para impedir que apenas as horas excedentes de estudo não pudessem ser remidas - o que, a propósito, não está proibido expressamente para nenhuma das duas circunstâncias.
Astreintes no processo penal: imposição a terceiros e execução pelo juízo criminal
1ª Tese: É possível a fixação de astreintes em desfavor de terceiros, não participantes do processo, pela demora ou não cumprimento de ordem emanada do Juízo Criminal. Inicialmente, vale lembrar que as normas de processo civil aplicam-se de forma subsidiária ao processo penal. Nesse sentido, observe-se o teor do art. 3º do Código de Processo Penal. A jurisprudência desta Corte, seguindo a doutrina majoritária, admite a aplicabilidade das normas processuais civis ao processo penal, desde que haja lacuna a ser suprida. Importante ressaltar que a lei processual penal não tratou, detalhadamente, de todos os poderes conferidos ao julgador no exercício da jurisdição. multa cominatória surge, no direito brasileiro, como uma alternativa à crise de inefetividade das decisões, um meio de se infiltrar na vontade humana até então intangível e, por coação psicológica, demover o particular de possível predisposição de descumprir determinada obrigação. Assim, quando não houver norma específica, diante da finalidade da multa cominatória, que é conferir efetividade à decisão judicial, imperioso concluir pela possibilidade de aplicação da medida em demandas penais. Note-se que essa multa não se confunde com a multa por litigância de má-fé, esta sim refutada pela jurisprudência pacífica desta Corte. É importante observar que o poder geral de cautela, com previsão no Código de Processo Civil, também tem incidência no processo penal. Tanto é assim que, quanto à aplicabilidade desse poder no processo penal, é possível encontrar precedentes recentes do Plenário da Suprema Corte (alguns, mesmo, posteriores à Lei n. 12.403/2011). Nos termos do entendimento do STF, ao juiz somente foi obstado o emprego de cautelares inominadas que atinjam a liberdade de ir e vir do indivíduo. No âmbito desta Corte, também se veem precedentes em idêntico sentido. Ademais, a teoria dos poderes implícitos também é um fundamento autônomo que, por si só, justificaria a aplicação de astreintes pelos magistrados. No ponto, poderia surgir a dúvida quanto à aplicabilidade das astreintes a terceiro não integrante da relação jurídico-processual . Entretanto, é curioso notar que, no processo penal, a irregularidade não se verifica quando imposta a multa coativa a terceiro. Haveria, sim, invalidade se ela incidisse sobre o réu, pois ter-se-ia clara violação ao princípio do nemo tenetur se detegere. Na prática jurídica, não se verifica empecilho à aplicação ao terceiro e, na doutrina majoritária, também se entende que o terceiro pode perfeitamente figurar como destinatário da multa. Ademais, não é exagero lembrar, ainda, que o Marco Civil da Internet traz expressamente a possibilidade da aplicação de multa ao descumpridor de suas normas quanto à guarda e disponibilização de registros conteúdos. Por fim, vale observar, a propósito, a existência de dispositivos expressos, no próprio Código de Processo Penal, que estipulam multa ao terceiro que não colabora com a justiça criminal (arts. 219 e 436, § 2º). 2ª Tese: É possível ao juízo criminal efetivar o bloqueio via Bacen-Jud ou a inscrição em dívida ativa dos valores arbitrados a título de astreintes. Inicialmente, esclarece-se que sobre a possibilidade do bloqueio de valores por meio do Bacen-Jud ou aplicação de outra medida constritiva sobre o patrimônio é relevante considerar dois momentos, ou seja, primeiramente, a determinação judicial de cumprimento, sob pena de imposição de multa e, posteriormente, o bloqueio de bens e constrições patrimoniais. No primeiro momento, o contraditório é absolutamente descabido. Isso porque, de início, não se pode presumir que o intimado, necessariamente, descumprirá a determinação judicial. Por isso, a priori, não existem interesses conflitantes. Não há partes contrárias. Assim sendo, não há sentido e nem lógica em exigir contraditório nessa fase ou falar em um procedimento específico. Por outro lado, quando do bloqueio de bens e a realização de constrições patrimoniais, o magistrado age em razão do atraso do terceiro que, devendo contribuir com a Justiça, não o faz. Nesse segundo momento, é possível cogitar-se em contraditório, pois, supondo-se que o particular se opõe à ordem do juiz, haveria duas posições antagônicas a autorizá-lo. Contudo, a urgência no cumprimento da medida judicial determinada, agravada pela mora do indivíduo ou pessoa jurídica recalcitrante, demonstra que o contraditório prévio é de todo desaconselhável. Nada impede, não obstante, que seja a ampla defesa e o contraditório postergado e aplicado no segundo momento, caso necessário. Não há lógica nem necessidade do contraditório e de um procedimento específico desde o início. Uma vez intimada a pessoa jurídica para o cumprimento da ordem judicial, o que se espera é a sua concretização. No entanto, caracterizada a mora no seu cumprimento, o magistrado não pode ficar à mercê de um procedimento próprio à espera da realização da ordem, que pode não ser cumprida. Em razão da natureza das astreintes e do poder geral de cautela do magistrado, este deve ter uma maneira para estimular o terceiro ao cumprimento da ordem judicial, sobretudo pela relevância para o deslinde de condutas criminosas. Fica-se, então, na ponderação entre esses valores: de um lado, o interesse da coletividade, que pode ser colocado a perder pelo descumprimento ou mora; do outro, o patrimônio eventualmente constrito, que, inclusive, pode ser posteriormente liberado. Ressalte-se que no julgamento do RMS 55.109/PR, o STJ já decidiu que "Ao determinar o bloqueio dos valores o juiz não age como o titular da execução fiscal, dando início a ela, mas apenas dá efetividade à medida coercitiva anteriormente imposta e não cumprida, tomando providência de natureza cautelar. E isso se justifica na medida em que a mera imposição da multa, seu valor e decurso do tempo parecem não ter afetado a disposição da empresa recorrente em cumprir a ordem judicial". Pontua-se, desse modo, que precedentes desta Corte entendem pela viabilidade da utilização do bloqueio via Bacen-Jud, sendo que o mesmo entendimento pode ser aplicado na hipótese da inscrição do débito na dívida ativa. Destaque-se ainda que a utilização do Bacen-Jud é medida mais gravosa do que a inscrição direta do débito em dívida ativa, de modo que não se verifica impossibilidade também na sua aplicação. Por fim, é importante enfatizar não haver um procedimento legal específico, nem tampouco previsão de instauração do contraditório. Como visto, por derivar do poder geral de cautela, cabe ao magistrado, diante do caso concreto, avaliar qual a melhor medida coativa ao cumprimento da determinação judicial, não havendo impedimento ao emprego do sistema Bacen-Jud.