Limites ao in dubio pro societate no recebimento da ação de improbidade administrativa
Em face dos princípios a que está submetida a administração pública (art. 37 da CF/1988) e a sua supremacia, sendo seus representantes os agentes públicos passíveis de serem alcançados pela lei de improbidade, o legislador quis impedir o ajuizamento de ações temerárias, evitando, com isso, além de eventuais perseguições políticas e o descrédito social de atos ou decisões político-administrativos legítimos, a punição de administradores ou de agentes públicos inexperientes, inábeis ou que fizeram uma má opção política na gerência da coisa pública ou na prática de atos administrativos, sem má-fé ou intenção de lesar o erário ou de enriquecimento. Não se pode ignorar, porém, que, na fase preliminar, o magistrado atua em cognição sumária, não se aprofundando no exame de mérito da pretensão sancionatória, de sorte que, se os indícios apresentados forem suficientes à instauração de dúvida quanto à existência da prática de ato ímprobo, a inicial deve ser recebida, à luz do princípio in dubio pro societate. Nesse contexto, o § 8º do art. 17 da Lei n. 8.429/1992 estabelece que, "recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita". A decisão de recebimento da petição inicial, incluída a hipótese de rejeição, deve ser adequada e especificamente motivada pelo magistrado, com base na análise dos elementos indiciários apresentados, em cotejo com a causa de pedir delineada pelo Ministério Público. Essa postura é inclusive reforçada, atualmente, pelos arts. 489, § 3º, e 927 do CPC/2015. Nessa linha, convém anotar que a decisão de recebimento da inicial da ação de improbidade não pode limitar-se à invocação do in dubio pro societate, devendo, antes, ao menos, tecer comentários sobre os elementos indiciários e a causa de pedir, ao mesmo tempo que, para a rejeição, deve bem delinear a situação fático-probatória que lastreia os motivos de convicção externados pelo órgão judicial.
Produção de prova nova pelo réu diante de fato superveniente e ampla defesa
Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de juntada de documento novo pela defesa em segundo grau de jurisdição, até mesmo após o oferecimento de razões recursais, sem que se configure inovação recursal ou preclusão. Segundo o disposto no art. 397 do CPC - aplicável, por analogia, ao processo penal, por força do art. 3º do CPP -, "É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos". Objetivamente, o fato novo surgido no Tribunal Regional Federal foi a juntada, pelo Desembargador relator da apelação, da suposta íntegra das mensagens obtidas por meio das interceptações telemáticas (BlackBerry messenger), o que gerou o confronto pericial pela defesa. É bem verdade que a "regra insculpida no art. 231 do CPP, no qual se estabelece que as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo, não é absoluta, sendo que nas hipóteses em que forem manifestamente protelatórias ou tumultuárias podem ser indeferidas pelo magistrado" (HC n. 250.202/SP, Rel. Ministra Marilza Maynard - Desembargadora convocada do TJ/SE, DJe 28/11/2013). No entanto, caberia ao Tribunal de origem demonstrar, ainda que minimamente, as razões pelas quais a prova juntada aos autos pela defesa teria caráter manifestamente protelatório ou meramente tumultuário, o que, contudo, não ocorreu. Mais ainda, a Corte regional poderia, evidentemente, até refutar, motivadamente, as conclusões apresentadas no laudo pericial trazido pela defesa, mas não simplesmente se negar a examiná-lo sob a alegação de que sua juntada aos autos teria sido intempestiva, sob pena de violação do próprio disposto no art. 93, IX, da CF, máxime quando verificado que o pedido defensivo teve como causa situação processual superveniente, gerada pelo próprio Desembargador relator da apelação criminal. Não há como se olvidar que as normas processuais referidas ajustam-se ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF) e, inclusive, ao próprio princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF), na medida em que assegura ao réu a possibilidade de requerer diligências, quando surgir a possibilidade de uma prova revelar, esclarecer ou refutar os fatos criminosos a ele imputados.
Legalidade da busca e apreensão veicular pela PRF em flagrante transporte injustificado de valores
A controvérsia versa sobre a suposta prática do crime de lavagem de capitais, uma vez que a Polícia Rodoviária Federal encontrou em interior de automóvel a quantia de R$ 1.215.000,00 (um milhão e duzentos e quinze mil reais). A defesa busca o trancamento do inquérito policial, aos argumentos de ilegalidade da busca e apreensão realizada no veículo pelos policiais rodoviários federais, ilegalidade da apreensão do automóvel, valores em dinheiro e celular, bem como ausência de justa causa para a instauração da investigação. O trancamento de inquérito policial ou ação penal pela via eleita é medida excepcional, cabível apenas quando demonstrada, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a manifesta ausência de provas da existência do crime e indícios de autoria. No caso, o próprio investigado informou aos policiais que dispunha de uma quantia em dinheiro no interior do veículo, tendo os agentes rodoviários federais agido dentro do dever de fiscalização regular, inerente às funções legais. Dessa forma, em se tratando do flagrante de transporte de vultosa quantia em dinheiro e não tendo o investigado logrado justificar o motivo de tal conduta, não há que se falar em ausência de justa causa para as investigações.
Diárias indenizatórias por deslocamento de policial federal fora da circunscrição funcional
A controvérsia consiste em saber se os deslocamentos praticados por policiais federais dentro dos limites da circunscrição a qual vinculados constituem exigência permanente do cargo ou atividade de natureza excepcional (eventual ou transitória). É que, no primeiro caso, aplica-se a restrição ao pagamento prevista no art. 58, §§ 2º e 3º da Lei n. 8.112/1990, enquanto na segunda hipótese valeria a regra do caput do referido dispositivo: Art. 58. O servidor que, a serviço, afastar-se da sede em caráter eventual ou transitório para outro ponto do território nacional ou para o exterior, fará jus a passagens e diárias destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinária com pousada, alimentação e locomoção urbana, conforme dispuser em regulamento. (Redação dada pela Lei n. 9.527, de 10/12/1997). A Constituição estabelece (art. 144, §1º) as atribuições da polícia federal, estando a quase totalidade delas associadas à possibilidade de deslocamentos para além do espaço físico em que localizada a sede de cada departamento de polícia. As apurações de crimes de repercussão interestadual ou internacional, o combate ao tráfico internacional de drogas, a polícia marítima, aérea e de fronteiras são atividades que, de regra, reclamam a permanente disponibilidade do agente para atuação além da unidade física a qual o policial federal está vinculado, ainda que o deslocamento não se opere diariamente. A bem da verdade, a prática de missões, operações, cumprimento de mandados, que exige constante deslocamento, compõe a rotina policial, sendo os serviços de natureza exclusivamente burocrática ou de escritório a exceção àquela regra. Assim, não há violação ao art. 58, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.112/1990 o ato normativo da União que tenha limitado o pagamento das diárias apenas aos deslocamentos que ultrapassem a área de atuação dos servidores, no caso, a circunscrição oficial da sua unidade de lotação. Afinal, apenas o exercício das funções fora do seu âmbito de atuação pode ser considerado eventual e transitório e, como tal, ensejar o pagamento das diárias, a título de indenização por despesas extraordinárias.
Pirâmide financeira: identificação isolada de algumas vítimas não tipifica estelionato penal
A controvérsia em cinge-se à configuração de crime único e à ocorrência de bis in idem, diante da imputação nos arts. 171 do Código Penal e 2º, IX, da Lei n. 1.521/1951 (estelionato e crime contra a economia popular, respectivamente). Sobre o tema, importante distinção entre os aspectos material e processual do ne bis in idem reside nos efeitos e no momento em que se opera essa regra. Sob a ótica da proibição de dupla persecução penal, a garantia em tela impede a formação, a continuação ou a sobrevivência da relação jurídica processual, enquanto que a proibição da dupla punição impossibilita tão somente que alguém seja, efetivamente, punido em duplicidade, ou que tenha o mesmo fato, elemento ou circunstância considerados mais de uma vez para se definir a sanção criminal. No caso em análise, a descrição das circunstâncias fáticas que permeiam os ilícitos imputados - crime contra a economia popular e estelionatos - são semelhantes, pois mencionam a prática de "golpe" em que ele e os coacusados induziriam as vítimas em erro, mediante a promessa de ganhos financeiros muito elevados, com o intuito de levá-las a investir em suposta empresa voltada a realizar apostas em eventos esportivos. A diferença está na identificação dos ofendidos nos estelionatos. Entretanto, nas hipóteses de crime contra a economia popular por pirâmide financeira, a identificação de algumas das vítimas não enseja a responsabilização penal do agente pela prática de estelionato.