Dever da serventia judicial de informar à Defensoria medidas de segurança envolvendo pessoas com deficiência
Discute-se a obrigação de prestação de informações acerca de processos com medida de segurança, para tutela de inimputáveis. Sobre o tema, a Convenção de Nova Iorque (Decreto n. 6.949/2009) traz algum suporte específico. No art. 31.1, dispõe-se aos Estados-Membros a coleta de dados e informações para promoção de políticas públicas adequadas a essa população, nas quais certamente se incluem a proteção judicial no âmbito das medidas de segurança, bem como seu art. 14 afirma a necessidade de adaptações adequadas no tratamento da liberdade e segurança das pessoas com deficiência. De forma mais expressa e imediata, a Resolução Conjunta CNJ/CNMP n. 1/2009 determina a implantação de mecanismos de revisão anual das medidas de segurança impostas, nas quais deverão estar incluídas relatórios das medidas adotadas e sua quantificação, atestados de pena e medidas a cumprir, além da verificação de suas legalidades. Os relatórios são de elaboração necessária pela serventia judicial, nos termos da norma administrativa do CNJ. Portanto, não restam dúvidas que desde 2009 está o Judiciário obrigado, por seu órgão central de planejamento e coordenação, a registrar e revisar tais penas com periodicidade mínima anual. Daí o suporte à provocação da Defensoria Pública, que apenas visa obrigar o Judiciário a dar efetividade à política pública que desenhou para si próprio, pelos meios que o Poder mesmo elegeu como adequados, limitada a pretensão ao que diz respeito às medidas de segurança. A seu turno, configura-se direito líquido e certo da Defensoria Pública obter acesso a tais dados para a tutela de direitos fundamentais de seus assistidos, conforme o art. 21 da Lei de Acesso à Informação. A resolução do CNJ vige há mais de dez anos, sendo imperioso dar-lhe efetividade, ao menos no âmbito do juízo impetrado. A limitação de recursos não pode autorizar a perenização da violação de direitos fundamentais. As limitações de recursos atingem todos os órgãos do Estado. Por isso, os agentes públicos devem atuar de forma conjunta, integrada e harmoniosa, inclusive com forças-tarefa, mutirões e atividades de capacitação comuns, para, de forma sinérgica, superarem as dificuldades em prol dos direitos do cidadão, este o único sentido, fim último e maior afetado pelas dificuldades das instituições. Registre-se, por fim, que não se impõe ao juízo a remessa dos autos à Defensoria. As listagens e relatórios são suficientes para que a instituição, por seus próprios esforços, identifique, priorize e reclame sua participação nos feitos, requerendo, conforme entender necessário, a carga ou cópia dos autos, bem como as medidas judiciais que considerar devidas.
Competência da Justiça Federal nos crimes ambientais e contra a vida por rompimento de barragem
A questão referente à competência possui regramento próprio e específico (art. 95, II, art. 108 e 406, §3º, do CPP), tendo esta Corte Superior, em muitas oportunidades, se manifestado em habeas corpus sobre a competência da Justiça Federal, a fim de evitar julgamentos díspares de fatos correlatos ou até idênticos, não sendo razoável somente após longo período, com todos os desdobramentos na Justiça Estadual, demandando esforços de serventuários e peritos estaduais e federais, ter-se a certeza do interesse da União e declinar a competência. Assim sendo, a competência deve ser aferida pelos fatos da causa de pedir narrados na denúncia com todas as suas circunstâncias, que devem ser analisados e julgados pelo Judiciário, e não pelo pedido ou pela capitulação do dominis litis, que é provisória, podendo ser mudada pela sentença (arts. 383 e 384 do CPP). Com efeito, busca o MP a responsabilização penal porque não foi observada a Política Nacional de Segurança de Barragens, e, por isso, os réus não teriam garantido a observância de padrões de segurança de barragem de maneira a reduzir a possibilidade de acidentes e suas consequências, o que gerou o rompimento da barragem em Brumadinho-MG, com a morte de 270 pessoas, além de outros eventos. Importante ressaltar que há várias manifestações desta Corte Superior, segundo as quais, a atividade fiscalizatória exercida pela autarquia federal não é suficiente, por si só, para atrair a competência federal, sendo possível cogitar da competência federal apenas quando evidenciado interesse direto e específico do ente federal no crime sob apuração. No caso, há ofensa a bem e interesse direto e específico de órgão regulador federal e da União: as Declarações de Estabilidade da Barragem, apresentadas ao antigo DNPM (autarquia federal), seriam ideologicamente falsas; os acusados teriam omitido informações essenciais à fiscalização da segurança da barragem, ao não fazê-las constar do SIGBM, sistema de dados acessado pela Agência Nacional de Mineração - ANM; e danos a sítios arqueológicos, bem da União (art. 20, X, da CF), dados como atingidos pelo rompimento da barragem. Dessa forma, considerando a apuração de fatos correlatos em ambas as esferas - federal e estadual - e, ainda, os indícios de danos ambientais aos "sítios arqueológicos", é de aplicar-se o verbete n. 122 da Súmula desta Corte Superior, pelo qual, "compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal".
Anulação de nomeação e posse de Conselheiro de Contas municipal via ação civil pública
Trata-se de ação civil pública, em que a Corte de origem declarou inepta a petição inicial, ao fundamento de que o pedido de anulação da nomeação e posse do demandado não teria atacado o Decreto Legislativo que materializou sua escolha para o cargo de Conselheiro da Corte de Contas do Município. No entanto, ao contrário do que entendeu o Tribunal estadual, o vício que, em tese, macularia o Decreto Legislativo, não se circunscreve a esse ato isoladamente, pois a alegada falta de idoneidade moral e de reputação ilibada do réu contamina, em tese, também aos subsequentes atos administrativos do respectivo iter para a ocupação do cargo, de feição complexa, alcançando, pois, as próprias nomeação e posse para a vaga de Conselheiro do Tribunal de Contas do Município, por isso que não há falar em inépcia da inicial. Portanto, a obrigação de se declarar a prática de ato nulo, causador de dano à moralidade administrativa e à coletividade, não está circunscrita ao Decreto Legislativo, cuja eventual nulidade acarretará na também invalidade dos atos subsequentes e imprescindíveis à complexa conformação do ato final, que se ultima com a nomeação e posse do indicado para o cargo. Já no que respeita à proclamada impossibilidade jurídica do pedido, ao analisar a matéria, a Corte de origem decidiu que a pretensão inicial seria juridicamente impossível, visto que, "tratando-se de requisitos subjetivos, somente o próprio Poder Legislativo tinha legitimidade para apreciá-los, sendo defeso ao Poder Judiciário interferir, sob pena de ofensa à regra constitucional da Separação dos Poderes". Todavia, certo é que a indicação e a nomeação de Conselheiro para uma Corte de Contas não constitui ato administrativo puramente discricionário, fruto do livre arbítrio do poder político, haja vista que os requisitos da idoneidade moral e da reputação ilibada consubstanciam exigências normativas que vinculam a escolha política tanto do Poder Legislativo, ao indicar o nome para o cargo, como do Poder Executivo, ao proceder à respectiva nomeação. De outra parte, é cediço que a idoneidade moral e a reputação ilibada, na espécie examinada, constituem conceitos que estão imbricados com o da moralidade administrativa e, embora indeterminados, possuem densidade mínima a permitir o seu escrutínio judicial. Destarte, a escolha e nomeação de Conselheiro para o Tribunal de Contas, como qualquer outro ato administrativo, deve se pautar em critérios de elevado padrão moral e ético, nos termos do art. 37 da Constituição Federal, cujo controle será objetivamente realizado por meio de dados concretos, ou seja, aptos a aferir a adequação da conduta do agente frente ao império da lei e da Constituição.
Compensação da pena de prestação pecuniária com reparação dos danos ao mesmo beneficiário
Inicialmente, em uma interpretação teleológica, tem-se que o art. 45, § 1º, do Código Penal previu uma ordem sucessiva de preferência entre os beneficiários elencados. Havendo vítima determinada, impõe-se que o valor estipulado para prestação pecuniária seja a ela destinado. Nesse contexto, é necessário o estudo particularizado dos institutos da prestação pecuniária (art. 45, § 1º, do CP) e da reparação dos danos causados pela infração (art. 387, IV, do CPP) para determinar se é possível a compensação. O art. 45, § 1º, do Código Penal prevê que a prestação pecuniária tem natureza de pena (restritiva de direitos), contudo, possui finalidade nitidamente reparatória (cível), ao dispor que "(...) consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social (...)". A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a referida pena restritiva de direitos guarda correspondência com o prejuízo causado pelo delito, o que reforça seu caráter reparatório. Por sua vez, o art. 387, IV, do Código de Processo Penal visa assegurar a reparação cível dos danos causados pela infração penal, representando nítida antecipação efetuada pelo juiz criminal. Assim, explicitada a natureza jurídica dos institutos, em razão da finalidade reparatória presente em ambas disposições legais e, ainda, diante da coincidência de beneficiários (vítima), impõe-se a dedução do montante fixado a título de reparação de danos - art. 387, IV, do Código de Processo Penal, do que foi estipulado a critério de prestação pecuniária substitutiva - art. 45, § 1º, do Código Penal, que prevê: "(...) O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários". Ressalta-se, por fim, que o valor fixado para reparação dos danos - art. 387, IV, do CPP - refere-se a um valor mínimo, nada impedindo que a vítima requeira valor superior no âmbito cível.
Validade da cláusula de IFPD em seguro de vida condicionada à perda da existência independente
Cinge-se a controvérsia a verificar a legalidade da cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente total por doença (IFPD ou IPD-F) em contrato de seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à perda da existência independente do segurado. Na Invalidez Funcional Permanente Total por Doença (IFPD), a garantia do pagamento da indenização é no caso de invalidez consequente de doença que cause a perda da existência independente do segurado, ocorrida quando o quadro clínico incapacitante inviabilizar de forma irreversível o pleno exercício das suas relações autonômicas (art. 17 da Circular SUSEP n. 302/2005). Na cobertura de Invalidez Laborativa Permanente Total por Doença (ILPD), há a garantia do pagamento de indenização em caso de incapacidade profissional, permanente e total, consequente de doença para a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação com os recursos terapêuticos disponíveis no momento de sua constatação, para a atividade laborativa principal do segurado (art. 15 da Circular SUSEP n. 302/2005). A garantia de invalidez funcional não tem nenhuma vinculação com a incapacidade profissional, podendo inclusive ser contratada como uma antecipação da cobertura básica de morte. Embora a cobertura IFPD (invalidez funcional) seja mais restritiva que a cobertura ILPD (invalidez profissional ou laboral), não há falar em sua abusividade ou ilegalidade, tampouco em ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e da equidade, não se constatando também nenhuma vantagem exagerada da seguradora em detrimento do consumidor. Nesse contexto, os produtos existentes no mercado securitário devem ser disponibilizados com o devido esclarecimento, isto é, ser oferecidos com informações claras acerca do tipo de cobertura a ser contratada e suas consequências, de modo a não induzir o proponente em erro. No que tange à comprovação da natureza e da extensão da incapacidade para fins securitários, o simples fato de o segurado ter sido aposentado pelo INSS por invalidez permanente não confere a ele o direito automático de receber indenização de seguro contratado com empresa privada, sendo imprescindível a realização de perícia médica para atestar o grau de incapacidade e o correto enquadramento na cobertura contratada. Com efeito, ainda que o contrato de seguro preveja cobertura para incapacidade por doença ou por acidente, se existir controvérsia quanto à natureza (temporária ou permanente) e à extensão (total, funcional ou parcial) da invalidez sustentada pelo segurado, é de rigor a produção de prova pericial médica, sob pena de caracterização de cerceamento de defesa. Isso porque a concessão de aposentadoria por invalidez pelo INSS não induz presunção absoluta da incapacidade total do segurado, não podendo, dessa forma, vincular ou obrigar as seguradoras privadas. Como cediço, a autarquia previdenciária afere apenas a incapacidade profissional ou laborativa, de modo que a aposentadoria por invalidez não é apta a demonstrar a ocorrência de riscos securitários diversos, como as incapacidades parcial, temporária ou funcional.