Retomada da prisão civil do devedor de alimentos em regime fechado conforme contexto sanitário local
Inicialmente cumpre salientar que, durante o período da crise sanitária gerada pela pandemia da Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Recomendação n. 62, de 17 março de 2020, em que orientou os magistrados a conceder a prisão domiciliar aos devedores de alimentos (art. 6º). Não obstante, diante do arrefecimento da pandemia, do avanço da vacinação e da prioridade da subsistência alimentar dos destinatários das obrigações alimentares judicialmente reconhecidas, essa orientação foi mitigada pela Recomendação CNJ n. 122, de 3 de novembro de 2021, que trouxe novas variáveis a serem consideradas pelo Estado-Juiz durante a análise dos pedidos de prisão civil, quais sejam: a) o contexto epidemiológico local e a situação concreta dos casos no município e da população carcerária; b) o calendário vacinal do município de residência do devedor de alimentos, em especial se já lhe foi ofertada a dose única ou todas as doses da vacina; c) a eventual recusa do devedor em vacinar-se como forma de postergar o cumprimento da obrigação alimentícia. Dessa forma, caberá ao magistrado de origem, de acordo com o caso específico e com observância do contexto epidemiológico local, definir se é ou não o caso de determinar, no presente momento, o regime fechado para cumprimento da prisão civil.
Legitimidade do Ministério Público para mandado de segurança em defesa coletiva e do patrimônio público
Conforme dispõe o art. 129, inciso III, da Constituição Federal, é função institucional do Ministério Público "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos". O fato de o citado dispositivo constitucional indicar que o Ministério Público deve promover a Ação Civil Pública na defesa do patrimônio público, obviamente, não o impossibilita de se utilizar de outros meios para a proteção de interesses e direitos constitucionalmente assegurados, difusos, coletivos, individuais e sociais indisponíveis, especialmente diante do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. A Constituição Federal outorga ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer o direito de ação nos termos de todas a normas, compatíveis com sua finalidade institucional. Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 177 do CPC/2015: O Ministério Público exercerá o direito de ação em conformidade com suas atribuições constitucionais. O art. 32, inciso I, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei n. 8.625/1993, a, seu turno, preconiza expressamente que os membros do órgão ministerial podem impetrar Mandado de Segurança nos Tribunais Locais no exercício de suas atribuições. É evidente que a defesa dos direitos indisponíveis da sociedade, dever institucional do Ministério Público, pode e deve ser plenamente garantida por meio de todos os instrumentos possíveis, abrangendo não apenas as demandas coletivas, a de que são exemplo a Ação de Improbidade, Ação civil pública, como também os remédios constitucionais quando voltados à tutela dos interesses transindividuais e à defesa do patrimônio público material ou imaterial.
Nervosismo do abordado não configura fundada suspeita apta a autorizar busca pessoal
O art. 244 do Código de Processo Penal dispõe que "[a] busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar". Nesse particular, a execução da busca pessoal sem mandado, como medida autônoma, depende da presença de fundada suspeita da posse de objetos que constituam corpo de delito. Para tanto, ressalto que, conforme a doutrina, "não é suficiente, está claro, a mera conjectura ou desconfiança sobre tal posse, mas a suspeita amparada por circunstâncias objetivas que permitam uma grave probabilidade de que sejam encontradas as coisas mencionadas pela lei". Ocorre que, no caso dos autos, a busca pessoal realizada pelos policiais foi justificada apenas com base no fato de que o acusado, que estava em local conhecido como ponto de venda drogas, ao avistar a viatura policial, demonstrou nervosismo. No entanto, a percepção de nervosismo por parte do agente policial - ainda que posteriormente confirmada pela apreensão de objetos ilícitos - é dotada de excesso de subjetivismo e, por isso, não é suficiente para caracterizar a fundada suspeita, que exige mais do que mera desconfiança por parte dos agentes públicos.
Limites da imunidade profissional do advogado e responsabilização civil e penal por danos
Trata-se de controvérsia, em sede de ação indenizatória movida por magistrado contra advogada, acerca dos limites da inviolabilidade dos advogados no exercício de sua essencial atividade profissional, ante a alegação de excesso quando da formulação das razões de recurso ordinário em face do Juiz do Trabalho, prolator da sentença apelada e autor da demanda. A Constituição Federal, na segunda parte do seu art. 133, ilumina a interpretação das normas federais infraconstitucionais, dispondo que o advogado é "inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". A necessária inviolabilidade do profissional da advocacia encontra naturalmente seus limites na própria lei, sendo a norma do art. 133 da Constituição Federal de eficácia redutível. O ordenamento jurídico, aí incluindo-se o Estatuto da Advocacia, dá o tom e a medida dessa prerrogativa, pois a Constituição Federal não alcançou ao advogado um salvo conduto de indenidade, estando a prerrogativa voltada a um profícuo exercício de sua atividade essencial à prestação da Justiça, não se podendo daí desbordar a sua inviolabilidade. O Estatuto da Advocacia fez descriminar que a inviolabilidade configura-se mediante o sigilo profissional (art. 7º, II e XIX e §6º) e enquanto imunidade penal (art. 7º, §§2º e 3º). Trata-se a imunidade de um instrumento para garantir a efetividade da atuação do advogado na tutela dos interesses do seu cliente, não de uma licença para ofender em situações em que o advogado não esteja desempenhando a advocacia. As ofensas cometidas por ocasião do exercício de suas atividades - mas não no exercício destas atividades, pois a advocacia não se compraz com a zombaria, o vilipêndio de direitos, notadamente ligados à dignidade, o desrespeito - podem dar azo ao reconhecimento da prática de ato ilícito pelo causídico e, ainda, ao reconhecimento do direito à indenização pelos danos morais por elas ocasionadas. Não é por outra razão que o próprio Estatuto da Advocacia exorta os profissionais a "proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia". Para o alcance do seu desiderato, na hipótese, de modo algum precisaria, o causídico, ter utilizado colocações deselegantes, adotado tom jocoso e desrespeitoso para evidenciar o desacerto da decisão do magistrado que, quando da indicação das providências judiciais, determinou o envio de cópias para o Ministério Público para apuração de eventual ato ilícito cometido na espécie e de ofício para a OAB, para a apuração de eventual desvio de conduta do profissional. Certamente o resultado posteriormente obtido no sentido de ver reformada a decisão ora referida seria alcançado tivesse o profissional atendido ao que a ética profissional dele exigia, ética aqui entendida no benfazejo sentido da temperança, mansidão, magnanimidade, respeito, decoro e urbanidade com os demais atores do processo. A par do destempero verificado na hipótese, ele o fora no contexto da impugnação elaborada contra a sentença prolatada, razão por que não existe espaço para o reconhecimento de dano moral indenizável. Assim, apesar de desconfortáveis, as imprecações não se avolumaram em intensidade a ponto de ferir-se o plano da dignidade do magistrado.
Inexistência de dano moral coletivo por uso indevido de vaga para pessoa com deficiência
O dano moral coletivo é categoria autônoma de dano, independente de atributos da pessoa humana (dor, sofrimento etc.), e que se configura nos casos em que há lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade e fique demonstrado que a conduta agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores fundamentais da sociedade, causando repulsa e indignação na consciência coletiva. Preenchidos esses requisitos, o dano configura-se in re ipsa, dispensando, portanto, a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral. No caso, o pedido é de condenação do réu condutor de veículo automotor ao pagamento de compensação por dano moral coletivo, em razão de ter estacionado em vaga reservada à pessoa com deficiência; ausentes peculiaridades do caso, como reincidência ou maior desvalor na conduta da pessoa natural. Em casos tais, a Segunda Turma do STJ não tem acolhido a pretensão condenatória, considerando a ausência de elementos que, não obstante a relevância da tutela coletiva dos direitos da pessoa com deficiência ou idosa, evidenciem que a conduta agrida, de modo intolerável, os valores fundamentais da sociedade. Assim, não há como afirmar que a conduta tenha infringido valores essenciais da sociedade ou que possua atributos da gravidade e intolerabilidade. O caso trata, pois, de mera infringência à lei de trânsito, o que é insuficiente para a caracterização do dano moral coletivo.