Benefício do art. 63 §2º da Lei 9.430/1996 na renúncia ao direito
Cinge a controvérsia sobre a aplicação do art. 63, § 2º, da Lei n. 9.430/1996 ao contribuinte que tinha em seu favor medida liminar, que suspendia a exigibilidade do crédito tributário, confirmada por sentença concessiva da segurança, em anterior writ renunciar ao direito sobre o qual se funda ação, e, antes mesmo da homologação judicial da renúncia e na vigência da suspensão da exigibilidade do crédito tributário impugnado, recolher, de uma só vez, o valor do débito, mas sem a multa de mora, valendo-se do benefício do referido dispositivo legal. Dispõe o § 2º do art. 63 da Lei n. 9.430/1996 que "a interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição". Na espécie, é inequívoco que o que enseja a suspensão da exigibilidade do tributo - e da multa de mora, de que trata o § 2º do referido art. 63 da Lei n. 9.430/96 - é a medida liminar. A decisão que a revoga, ou o ato unilateral do contribuinte que redunda no mesmo efeito prático (renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação) situam-se no campo da cessação dos seus efeitos, pelo que não se mostra adequado trazer à baila o art. 111, I, do CTN, para restringir a atividade hermenêutica. Vale dizer, não está em jogo saber se existem outras hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, além daquela prevista na norma, qual seja a decisão liminar. Em outras palavras, o ponto fulcral da controvérsia não consiste em saber se a decisão homologatória da renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação "cabe" na expressão "decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição", porquanto o fato relevante para a concessão do benefício é a própria medida liminar, e não sua posterior cassação. A expressão "decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição" foi empregada, no art. 63, § 2°, da Lei n. 9.430/1996, por ser o natural desfecho esperado do revés que sucede a "interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar", e não porque se visou prestigiar apenas o contribuinte que é derrotado no processo, afastando aquele que renuncia ao direito sobre o qual se funda a ação. O objetivo do legislador foi proteger a confiança depositada pelo contribuinte no provimento judicial precário, que afastou a exigência do tributo, sendo de somenos importância apreender o que motivou sua finitude. Como já decidiu o STJ, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação "é instituto de direito material, cujos efeitos equivalem aos da improcedência da ação e, às avessas, ao reconhecimento do pedido pelo réu" (STJ, REsp 555.139/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 13/06/2005). No caso, cessados os efeitos da liminar, confirmada por sentença, no anterior mandado de segurança, com a homologação judicial da renúncia ao direito sobre o qual se fundava a primeira ação mandamental, o contribuinte tem restabelecida a condição de devedor e deve recolher o tributo, sem incidência, porém, da multa de mora. Conclusão em contrário atentaria contra a segurança jurídica, especialmente no presente caso, em que, na vigência da liminar e da sentença que a confirmou, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário, no anterior writ, as impetrantes requereram a renúncia ao direito sobre o qual se fundava a ação, e recolheram, de uma só vez, os valores não incluídos no parcelamento, antes mesmo da homologação judicial da renúncia.
Remuneração do interventor de cartório extrajudicial não se sujeita ao teto constitucional
O Tribunal de origem firmou compreensão no sentido de que a remuneração do interventor da serventia extrajudicial deve obedecer ao teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal. Nada obstante esse respeitável raciocínio, certo é que a legislação de regência, ainda em vigor, sinaliza em sentido oposto. Os parágrafos 2º e 3º do art. 36 da Lei n. 8.935/1994 deixam claro que ao interventor caberá depositar em conta bancária especial metade da renda líquida da serventia, sendo certo que esse montante, em caso de condenação do cartorário titular, caberá ao próprio interventor, que terá indiscutível direito ao seu levantamento. No caso, não há controvérsia quanto a ter o titular da serventia sido condenado administrativamente, com o que perdeu a delegação. Assim, nos expressos termos da legislação vigente, aquela metade arrecadada durante o afastamento do titular deverá ser carreada ao interventor. Exegese diversa, mesmo que oriunda do egrégio Conselho Nacional de Justiça - CNJ (em patamar administrativo, portanto), não se poderá sobrepor a explícito comando constante de lei federal, tanto mais quando este não padeça de eventual inconstitucionalidade declarada pela Excelsa Corte, como aqui sucede.
Desnecessidade do procedimento de reconhecimento pessoal quando a vítima individualiza o autor do crime
Para a jurisprudência desta Corte Superior, o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa (HC 598.886/SC, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/12/2020). O art. 226 do CPP, antes de descrever o procedimento de reconhecimento de pessoa, diz em seu caput que o rito terá lugar "quando houver necessidade", ou seja, o reconhecimento de pessoas deve seguir o procedimento previsto quando há dúvida sobre a identificação do suposto autor. A prova de autoria não é tarifada pelo Código de Processo Penal. Antes, esta Corte dizia que o procedimento não era vinculante; agora, evoluiu no sentido de exigir sua observância, o que não significa que a prova de autoria deverá sempre observar o procedimento do art. 226 do Código de Processo Penal. O reconhecimento de pessoa continua tendo espaço quando há necessidade, ou seja, dúvida quanto à individualização do suposto autor do fato. Trata-se do método legalmente previsto para, juridicamente, sanar dúvida quanto à autoria. Se a vítima é capaz de individualizar o agente, não é necessário instaurar a metodologia legal. O que a nova orientação buscou afastar a prática recorrente dos agentes de segurança pública de apresentar fotografias às vítimas antes da realização do procedimento de reconhecimento de pessoas, induzindo determinada conclusão. No caso, a condenação não se amparou, exclusivamente, no reconhecimento pessoal realizado na fase do inquérito policial, destacando-se, sobretudo, que uma das vítimas reconheceu o acusado em Juízo, descrevendo a negociação e a abordagem. A identificação do perfil na rede social facebook foi apenas uma das circunstâncias do fato, tendo em conta que a negociação se deu por essa rede social. Isso não afastou o reconhecimento dos autores do fato em juízo, razão pela qual não há falar em violação do art. 226 do Código de Processo Penal.
Responsabilidade civil do fornecedor de ingressos online por falha na prestação do serviço
A controvérsia consiste em dizer se a sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line possui responsabilidade pela falha na prestação do serviço, a ensejar a reparação por danos materiais e a compensação dos danos morais. Em se tratando de responsabilidade pelo fato do serviço, não faz o Diploma Consumerista qualquer distinção entre os fornecedores, motivo pelo qual é uníssono o entendimento de que toda a cadeia produtiva é solidariamente responsável. Assim, a venda de ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa ao lucro e integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço. Com efeito, é impossível conceber a realização de espetáculo cultural, cujo propósito seja a obtenção de lucro por meio do acesso do público consumidor, sem que a venda do ingresso integre a própria escala produtiva e comercial do empreendimento. Desse modo, as sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento do evento. A jurisprudência do STJ é no sentido de que os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória consumerista, também são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes. Qualquer leitura dissimilar levaria a prática de constantes lesões aos consumidores, máxime porque os fornecedores de produtos ou serviços, sob o guante do argumento de ocorrência de "meros aborrecimentos comuns cotidianos" ou "meros dissabores", atentariam contra o princípio da correta, segura e tempestiva informação, figura basilar nas relações consumeristas e contratuais em geral. Em síntese, não se pode confundir mero aborrecimento, inerente à vida civil em sociedade, com a consumação de ilícito de natureza civil, passível de reparação.
Informações sobre estratégias de marketing não caracterizam apropriação ilegal de know-how
Não obstante as diretrizes traçadas pelo STJ no julgamento do REsp 1.498.829/SP, preferiu o Tribunal de origem delas se afastar para firmar a compreensão de que o know-how supostamente apropriado estaria centrado, simples e genericamente, nos conhecimentos em vendas e na atividade de distribuição, deixando de identificar, pontualmente, qual a técnica de distribuição de produtos utilizada que seria original e/ou eventualmente secreta, isto é, que desbordasse dos conhecimentos e informações já conhecidas em função do exercício legítimo do seu poder de controle na qualidade de fornecedor sobre o seu distribuidor exclusivo. Por conseguinte, é realmente questionável o direito à indenização daí decorrente, em que as informações alegadamente apropriadas estão dispostas em contrato celebrado entre as partes, por meio do qual a parte se obrigou expressamente a fornecê-las, circunstância que afasta o caráter original e/ou secreto desses dados. Ademais, a formação de clientela está normalmente associada às estratégias de marketing utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor. Assim, no caso, não se identifica nenhum elemento ou técnica distintiva original ou protegida por sigilo, legal ou contratualmente, a indicar apropriação indevida de know-how, sendo certo que a organização de lista de clientes ou a dinâmica de vendas transferida contratualmente não tem o condão de embasar pedido indenizatório de danos emergentes ou de lucros cessantes.