Inaplicabilidade da suspensão do IPI a estabelecimentos equiparados a industrial
O Código Tributário Nacional e a legislação específica do IPI não tratam o "estabelecimento industrial" de forma idêntica ao "estabelecimento equiparado a industrial". A equiparação, por óbvio, somente é útil porque é feita para determinadas finalidades expressas em lei. Não fosse assim, não haveria qualquer necessidade de se estabelecer uma "equiparação", bastava incluir todos os equiparados dentro do conceito geral de "estabelecimento industrial". Veja-se que está no próprio Código Tributário Nacional - CTN a distinção entre estabelecimento industrial e equiparado a industrial. A equiparação ali é feita apenas para fins de sujeição passiva em relação ao IPI, ambos são contribuintes, muito embora desempenhem atividades econômicas distintas. O conceito de estabelecimento industrial é concluído com o art. 46, parágrafo único, do CTN que estabelece considerar-se "industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo". Sendo assim, o estabelecimento industrial propriamente dito somente é aquele que realiza esse tipo de operação, os demais são apenas equiparados. Se é a lei que equipara, a mesma lei pode desequiparar ou definir as situações onde a equiparação deve se dar e quais os seus efeitos. A lógica que rege a matéria está no art. 109, do CTN, que garante a autonomia do Direito Tributário ao permitir-lhe definir os efeitos tributários próprios de cada instituição. Nessa linha, da legislação tributária pode-se colher diversos exemplos onde a suspensão, isenção ou crédito presumido do IPI são concedidos expressamente aos estabelecimentos equiparados a industriais. Assim, todas as vezes que o legislador quer conceder determinado benefício fiscal também aos estabelecimentos equiparados a industrial ele o faz expressamente, em atenção ao disposto no art. 111, do CTN e no art. 150, §6º, da CF/88. Não se pode, portanto, presumir que todas as vezes que a legislação tributária mencione o estabelecimento industrial estaria a mencionar implicitamente também os estabelecimentos equiparados a industrial, sob pena de se tornar o sistema tributário, no que diz respeito ao IPI, imprevisível e inadministrável, mormente diante da função extrafiscal do tributo que exige intervenções calculadas e pontuais nos custos incorridos em cada etapa da cadeia econômica. Obedecendo à essa lógica, foi produzida a IN/SRF n. 296/2003, a saber: Art. 2º Sairão do estabelecimento industrial com suspensão do IPI os componentes, chassis, carroçarias, acessórios, partes e peças, adquiridos para emprego na industrialização dos produtos autopropulsados classificados nos Códigos 84.29, 84.32, 84.33, 87.01, 87.02, 87.03, 8704.10.00, 8704.2, 8704.3, 87.05, 8706 e 87.11 da Tabela de Incidência do IPI (Tipi). [...] Art. 23. O disposto nesta Instrução Normativa não se aplica: I - às pessoas jurídicas optantes do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples); II - a estabelecimento equiparado a industrial, salvo quando se tratar de estabelecimento comercial equiparado a industrial pela legislação do IPI, na operação a que se refere o art. 4º. Desta forma, tanto o art. 5°, da Lei n. 9.826/1999, quanto o art. 29, da Lei n. 10.637/2002, são claros ao apontar como beneficiário da suspensão do mencionado imposto apenas o estabelecimento industrial, sem estender ao equiparado, de modo que o art. 23, da Instrução Normativa da SRF n° 296/2003 não limitou o pretendido direito, mas apenas explicitou aquilo que a lei e o sistema já haviam determinado.
Desnecessidade do procedimento de reconhecimento pessoal quando a vítima individualiza o autor do crime
Para a jurisprudência desta Corte Superior, o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa (HC 598.886/SC, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/12/2020). O art. 226 do CPP, antes de descrever o procedimento de reconhecimento de pessoa, diz em seu caput que o rito terá lugar "quando houver necessidade", ou seja, o reconhecimento de pessoas deve seguir o procedimento previsto quando há dúvida sobre a identificação do suposto autor. A prova de autoria não é tarifada pelo Código de Processo Penal. Antes, esta Corte dizia que o procedimento não era vinculante; agora, evoluiu no sentido de exigir sua observância, o que não significa que a prova de autoria deverá sempre observar o procedimento do art. 226 do Código de Processo Penal. O reconhecimento de pessoa continua tendo espaço quando há necessidade, ou seja, dúvida quanto à individualização do suposto autor do fato. Trata-se do método legalmente previsto para, juridicamente, sanar dúvida quanto à autoria. Se a vítima é capaz de individualizar o agente, não é necessário instaurar a metodologia legal. O que a nova orientação buscou afastar a prática recorrente dos agentes de segurança pública de apresentar fotografias às vítimas antes da realização do procedimento de reconhecimento de pessoas, induzindo determinada conclusão. No caso, a condenação não se amparou, exclusivamente, no reconhecimento pessoal realizado na fase do inquérito policial, destacando-se, sobretudo, que uma das vítimas reconheceu o acusado em Juízo, descrevendo a negociação e a abordagem. A identificação do perfil na rede social facebook foi apenas uma das circunstâncias do fato, tendo em conta que a negociação se deu por essa rede social. Isso não afastou o reconhecimento dos autores do fato em juízo, razão pela qual não há falar em violação do art. 226 do Código de Processo Penal.
Benefício do art. 63 §2º da Lei 9.430/1996 na renúncia ao direito
Cinge a controvérsia sobre a aplicação do art. 63, § 2º, da Lei n. 9.430/1996 ao contribuinte que tinha em seu favor medida liminar, que suspendia a exigibilidade do crédito tributário, confirmada por sentença concessiva da segurança, em anterior writ renunciar ao direito sobre o qual se funda ação, e, antes mesmo da homologação judicial da renúncia e na vigência da suspensão da exigibilidade do crédito tributário impugnado, recolher, de uma só vez, o valor do débito, mas sem a multa de mora, valendo-se do benefício do referido dispositivo legal. Dispõe o § 2º do art. 63 da Lei n. 9.430/1996 que "a interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição". Na espécie, é inequívoco que o que enseja a suspensão da exigibilidade do tributo - e da multa de mora, de que trata o § 2º do referido art. 63 da Lei n. 9.430/96 - é a medida liminar. A decisão que a revoga, ou o ato unilateral do contribuinte que redunda no mesmo efeito prático (renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação) situam-se no campo da cessação dos seus efeitos, pelo que não se mostra adequado trazer à baila o art. 111, I, do CTN, para restringir a atividade hermenêutica. Vale dizer, não está em jogo saber se existem outras hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, além daquela prevista na norma, qual seja a decisão liminar. Em outras palavras, o ponto fulcral da controvérsia não consiste em saber se a decisão homologatória da renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação "cabe" na expressão "decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição", porquanto o fato relevante para a concessão do benefício é a própria medida liminar, e não sua posterior cassação. A expressão "decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição" foi empregada, no art. 63, § 2°, da Lei n. 9.430/1996, por ser o natural desfecho esperado do revés que sucede a "interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar", e não porque se visou prestigiar apenas o contribuinte que é derrotado no processo, afastando aquele que renuncia ao direito sobre o qual se funda a ação. O objetivo do legislador foi proteger a confiança depositada pelo contribuinte no provimento judicial precário, que afastou a exigência do tributo, sendo de somenos importância apreender o que motivou sua finitude. Como já decidiu o STJ, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação "é instituto de direito material, cujos efeitos equivalem aos da improcedência da ação e, às avessas, ao reconhecimento do pedido pelo réu" (STJ, REsp 555.139/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 13/06/2005). No caso, cessados os efeitos da liminar, confirmada por sentença, no anterior mandado de segurança, com a homologação judicial da renúncia ao direito sobre o qual se fundava a primeira ação mandamental, o contribuinte tem restabelecida a condição de devedor e deve recolher o tributo, sem incidência, porém, da multa de mora. Conclusão em contrário atentaria contra a segurança jurídica, especialmente no presente caso, em que, na vigência da liminar e da sentença que a confirmou, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário, no anterior writ, as impetrantes requereram a renúncia ao direito sobre o qual se fundava a ação, e recolheram, de uma só vez, os valores não incluídos no parcelamento, antes mesmo da homologação judicial da renúncia.
Responsabilidade civil do Estado por acidente fatal em rodovia e danos materiais aos dependentes
Trata-se, na origem, de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada contra o Departamento de Estradas e Rodagens de Sergipe (DER/SE), em face da morte do pai e companheiro dos autores, decorrente de acidente de veículo em rodovia estadual, ocasionado por buraco não sinalizado. O Tribunal a quo, após reconhecer a conduta omissiva e culposa do ente público, relacionada ao dever de sinalização da via pública, deu parcial provimento ao apelo dos autores, condenando o demandado ao pagamento de indenização por danos morais. Em relação ao danos materiais, registrou não terem sido comprovados. Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, a comprovação da conduta omissiva e culposa (negligência na atuação estatal - má prestação do serviço), o dano e o nexo causal entre ambos. No caso, restou incontroverso que o acidente com evento morte ocorreu em rodovia estadual, mediante a queda de caminhão em buraco de 15 metros de profundidade, decorrente da ausência de manutenção e fiscalização estatal da via pública, não havendo quaisquer indícios de culpa exclusiva da vítima. Nesse passo, é possível concluir pela existência de omissão culposa por parte do ente público, consubstanciada na inobservância ao dever de fiscalização e sinalização da via pública, bem como pelo nexo causal entre a referida conduta estatal e o evento danoso, que resultou na morte do pai e marido dos recorrentes, causando-lhes, evidentemente, prejuízos materiais e morais, os quais devem ser indenizados. Com efeito, presentes os elementos necessários para responsabilização do Estado pelo evento morte, a jurisprudência desta Corte reconhece devida a indenização por danos materiais, visto que a dependência econômica dos cônjuges e filhos menores do de cujus é presumida, dispensando a demonstração por qualquer outro meio de prova.
Teoria do juízo aparente na convalidação de medidas cautelares no inquérito policial
A jurisprudência do STJ tem entendido, de maneira ampla, que os desvios de verbas do Sistema Único de Saúde - SUS - atrai a competência da Justiça Federal, tendo em vista o dever de fiscalização e supervisão do governo federal. Não obstante reconhecer a incompetência do Juízo estadual, os atos processuais devem ser avaliados pelo Juízo competente, para que decida se valida ou não os atos até então praticados. Cumpre registrar que, nesta Corte Superior de Justiça, é pacífica a aplicabilidade da teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial quando autorizadas por juízo aparentemente competente. Com efeito, "[a]s provas colhidas ou autorizadas por juízo aparentemente competente à época da autorização ou produção podem ser ratificadas a posteriori, mesmo que venha aquele a ser considerado incompetente, ante a aplicação no processo investigativo da teoria do juízo aparente. Precedentes: HC 120.027, Primeira Turma, Rel. p/ Acórdão, Min. Edson Fachin, DJe de 18/2/2016 e HC 121.719, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 27/6/2016." (AgR no HC 137.438/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 20/6/2017).