Regime inicial aberto ao réu primário com pena até quatro anos apesar de circunstância desfavorável
A despeito de o § 3º do art. 33 do Código Penal dispor que para a escolha do modo inicial de cumprimento da pena deverão ser observados os critérios do art. 59, não fica o julgador compelido a fixar regime mais gravoso do que o cabível em razão do quantitativo da sanção imposta, ainda que presente circunstância judicial desfavorável. Assim, embora a definição da pena-base acima do mínimo legalmente previsto autorize, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal, a fixação do regime inicial imediatamente mais grave do que o estabelecido em razão do quantum da pena aplicada, nada impede que o julgador deixe de recrudescer o modo prisional se entender que aquele cominado ao montante da pena imposta se mostra suficiente à reprovação do delito. É possível, portanto, concluir que a negativação de circunstâncias judiciais, ao contrário do que ocorre quando reconhecida a agravante da reincidência, confere ao julgador a faculdade - e não a obrigatoriedade - de recrudescer o regime prisional.
Rateio proporcional entre credores de verbas privilegiadas de mesma natureza sem anterioridade da penhora
O propósito recursal consiste em definir se a anterioridade da penhora constitui critério a ser considerado para estabelecimento da forma de satisfação dos créditos de igual privilégio em concurso particular de credores. A norma do art. 908 do CPC/2015, segundo a qual deve ser observada a anterioridade da penhora (e que repete, no que importa à espécie, o teor do art. 711 do CPC/1973), incide apenas e tão somente quando se tratar de credores quirografários, não se aplicando, portanto, aos detentores de privilégio. Segundo a doutrina, "a preferência emanada da anterioridade da penhora, porém, é condicional e eventual, visto que apenas atua em sua plenitude quando concorrerem ao dinheiro penhorado, ou ao produto da alienação judicial de outro bem, dois ou mais credores quirografários, não envolvendo credores pertencentes àquele segundo grupo, cuja primazia é oriunda de direito material. Dessa forma, além de depender da solvência do executado, pressuposto geral ao concurso particular de credores [...], para ser plenamente eficaz depende também da inexistência de credores concorrentes com título legal à preferência". Desse modo, não havendo necessidade de se perquirir acerca de qual credor obteve a penhora anteriormente, aplica-se ao concurso particular de credores formado por titulares de verbas privilegiadas de mesma natureza - como no particular - a norma insculpida no art. 962 do Código Civil.
Irrepetibilidade de valores na complementação de aposentadoria pagos por decisão transitada posteriormente desconstituída
No caso, o valor do benefício implantado em folha de pagamento foi apurado em liquidação de sentença transitada em julgado, cuidando-se, portanto, de cumprimento definitivo de sentença, o que afasta a aplicação do entendimento firmado no julgamento do REsp 1.548.749/RS pela Segunda Seção. Com efeito, a atual jurisprudência desta Corte é firme no sentido da possibilidade de restituição à entidade fechada de previdência privada, incorporados aos proventos de complementação de aposentadoria complementar em decorrência de antecipação de tutela posteriormente revogada. Todavia, não é esse o caso, porquanto os valores a que se pretende a restituição decorrem de recebimento, durante anos, por força de cumprimento definitivo de sentença, parcelas de natureza alimentar, fixadas por sentença de liquidação transitada em julgado, sendo inequívoca a sua boa-fé objetiva. Cumpre consignar que, com relação especificamente à Previdência Privada, a devolução de valores pagos a título de benefício previdenciário complementar por força de decisão judicial, posteriormente revogada ou rescindida, o entendimento das Turmas de Direito Privado se amparou, inicialmente, na jurisprudência do STJ que, para dirimir o debate acerca da devolução de valores recebidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, quanto a benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social, utilizou-se da incidência do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Ocorre que a jurisprudência desta Corte caminhou no sentido de considerar o exame do requisito da boa-fé objetiva daquele que recebe a parcela tida posteriormente como indevida, como condição para a irrepetibilidade da verba. Assim, as Turmas de Direito Privado desta Corte Superior passaram a adotar, nas causas envolvendo previdência privada, acerca da boa-fé objetiva, o entendimento de que ela estará presente, tornando irrepetível a verba previdenciária recebida indevidamente, se manifesta a legítima expectativa de titularidade do direito pelo beneficiário, isto é, de que o pagamento assumiu ares de definitividade, a exemplo de erros administrativos cometidos pela própria entidade pagadora ou de ordens judiciais dotadas de força definitiva (decisão judicial transitada em julgado e posteriormente rescindida), não havendo falar em repetição das importâncias recebidas pelos beneficiários no período ou em seu enriquecimento ilícito, diante da evidente boa-fé e da aparência de legitimidade e definitividade das verbas, qualificadas como de natureza alimentar. Logo, verifica-se que o ponto crucial para verificar a obrigação da devolução dos valores recebidos da entidade de previdência privada é a constatação da boa-fé objetiva, não sendo suficiente, pois, que a verba seja, tão somente, alimentar, mas também, deve ser presumível a definitividade do pagamento. Objetivamente, no presente caso, observa-se que a fruição do que foi recebido indevidamente a título de complementação de aposentadoria está acobertada pela boa-fé, que, por sua vez, é consequência da legítima confiança de que os valores integraram em definitivo o patrimônio do beneficiário em virtude de terem sido recebidos por força de execução definitiva de quantum fixado em liquidação de sentença transitada em julgado e, somente muito posteriormente, reformada em virtude de erro material.
Redirecionamento da execução fiscal aos sócios de MPEs no artigo 134 VII do CTN
Trata-se, na origem, de apelação interposta contra sentença que julgou extinta a execução fiscal, sob o fundamento de que a empresa executada já se encontrava com baixa na RFB à época da execução fiscal. O Tribunal de origem, ao analisar a controvérsia, ponderou que a execução fiscal direcionada à microempresa, diz respeito a fatos geradores ocorridos em época que não estava vigente a Lei Complementar n. 147/2014, porém havia a previsão da responsabilidade solidária nos termos do art. 9º, §§ 3º e 5º, da Lei Complementar n. 123/2006. Acrescentou, no entanto, que a responsabilidade dos sócios, conforme a interpretação dada pelo STJ ao art. 135, III, do CTN, no REsp 1.746.007, Rel. Ministra Assusete Magalhães, não deve ser reconhecida, tendo em vista a necessidade de comprovação das situações do mencionado inciso III (ato dos sócios gestores com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos). Embora a Segunda Turma desta Corte Superior possua precedentes no sentido de que deve-se respeitar o art. 135, III, do CTN, observa-se que o caso em questão não pode ser enquadrado na hipótese de dissolução irregular, uma vez existir no regramento das micro e pequenas empresas a possibilidade de dissolução regular sem a apresentação da certidão de regularidade fiscal, faculdade esta incluída no sistema jurídico pátrio para facilitar o término das atividades da pessoa jurídica, mas não para servir de escudo para o inadimplemento de dívidas fiscais. Aliás, há de se considerar que o próprio art. 9º, §§ 4º e 5º, da LC n. 123/2006, ao tratar da baixa do ato constitutivo da sociedade, esclareceu que tal ato não implica em extinção da satisfação de obrigações tributárias, nem tampouco do afastamento da responsabilidade dos sócios, aproximando o caso ao insculpido no art. 134, VII, do CTN. Com efeito, esta Corte Superior possui entendimento de que tanto a redação do art. 9º da LC n. 123/2006 como da LC n. 147/2014, apresentam interpretação de que no caso de micro e pequenas empresas é possível a responsabilização dos sócios pelo inadimplemento do tributo, com base no art. 134, VII, do CTN, cabendo-lhe demonstrar a insuficiência do patrimônio quando da liquidação para exonerar-se da responsabilidade pelos débitos. (AgInt no REsp 1737677/MS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18/11/2019, DJe 20/11/2019, AgInt no REsp 1737621/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 25/02/2019, DJe 27/02/2019 e REsp 1591419/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/09/2016, DJe 26/10/2016). Assim, conclui-se que o sócio-gerente seja incluído no polo passivo da execução fiscal com o intuito de comprovar eventual insuficiência do patrimônio por ocasião da liquidação e exonerar-se da responsabilidade pelo débitos.
Posse de má-fé do mutuário que permanece no imóvel após leilão hipotecário
A qualificação da posse em de boa ou má-fé depende se o possuidor ignora ou não o vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa (art. 1.201 do CC). Não há nenhuma anormalidade na transmutação da natureza jurídica da posse, porque é instituto que não é estanque, sendo certo que, modificado o contexto de fato e de direito relacionado àquele que tem a coisa em seu poder, é natural que se altere também a qualidade da posse. Hipótese em que inexiste incongruência no reconhecimento da posse como de boa-fé em determinado período - portanto, o direito à indenização por todas as benfeitorias levantadas nesse tempo (art. 1.219 do CC) - e, em seguida, reconhece-se a modificação da qualidade da posse para má-fé, para, doravante, só admitir o pagamento das benfeitorias necessárias e afastar do possuidor o direito a qualquer retenção (art. 1.220 do CC). No caso, quando foi comprado o bem, ainda que mediante contrato de financiamento, não havia tecnicamente nenhum impedimento para que fosse adquirida a propriedade do imóvel, pelo que de boa-fé a posse; ao revés, no momento em que, em razão do inadimplemento das parcelas daquele contrato, a credora hipotecária promove o leilão do bem, ao permanecer o particular de maneira irregular no imóvel, a posse passa a se caracterizar como de má-fé.