Reforma ex officio de militar com HIV sem proventos de posto superior
A controvérsia restou assim delimitada, por ocasião da afetação do presente Recurso Especial: "Definir se o militar diagnosticado como portador do vírus HIV tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS, com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau imediatamente superior ao que possuía na ativa". Dadas as peculiaridades da carreira militar e não obstante o avanço médico-científico no tratamento da doença, ainda considerada incurável em nossos dias, o STJ, notadamente a partir do julgamento dos EREsp 670.744/RJ, pela Terceira Seção (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU de 21/05/2007), tem-se mostrado sensível à realidade do militar portador do vírus HIV, mesmo que assintomático, e mantido, inclusive em acórdãos recentes, o entendimento no sentido de que o militar portador do vírus HIV, ainda que assintomático e independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS, tem direito à reforma ex officio, por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, nos termos dos arts. 106, II, 108, V, e 109 da Lei n. 6.880/1980 (na redação anterior à Lei n. 13.954, de 16/12/2019) c/c art. 1º, I, c, da Lei n. 7.670/1988. No julgamento dos EREsp 1.123.371/RS (Relator p/ acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, DJe de 12/03/2019), o voto condutor do acórdão registrou que "a reforma, por sua vez, será concedida ex officio se o militar alcançar a idade prevista em lei ou se enquadrar em uma daquelas hipóteses consignadas no art. 106 da Lei n. 6.880/1980, entre as quais, for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas (inciso II), entre as seguintes causas possíveis previstas nos incisos do art. 108 da Lei 6.880/1980 (...) V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada", tendo a Lei n. 7.670/1988 incluído a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS como causa que justifica a concessão de "reforma militar, na forma do disposto no art. 108, inciso V, da Lei n. 6.880, de 9 de dezembro de 1980", ou seja, quando o militar "for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas" (art. 106, II, da Lei n. 6.880/1980, na redação anterior à Lei n. 13.954, de 16/12/2019). No aludido julgamento, o Relator destacou, ainda, que "a legislação de regência faz distinção entre incapacidade definitiva para o serviço ativo do Exército (conceito que não abrange incapacidade para todas as demais atividades laborais civis) e invalidez (conceito que abrange a incapacidade para o serviço ativo do Exército e para todas as demais atividades laborais civis)". Antes da alteração promovida pela Lei n. 13.954, de 16/12/2019, na linha da jurisprudência sedimentada no STJ, impõe-se o reconhecimento do direito à reforma de militar, de carreira ou temporário, na hipótese de ser portador do vírus HIV, por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, ante o que dispõem os arts. 106, II, 108, V, e 109 da Lei n. 6.880/1980 c/c art. 1º, I, c, da Lei n. 7.670/1988. Após o advento da Lei n. 13.954/2019, contudo, foi dada nova redação ao inciso II do art. 106 e acrescido o inciso II-A ao referido art. 106 da Lei n. 6.880/1980, criando-se uma diferenciação, para fins de reforma, entre militares de carreira e temporários: enquanto, para os temporários, exige-se a invalidez, para os de carreira basta a incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas. Também o art. 109 da Lei n. 6.880/1980 sofreu alteração com a Lei n. 13.954, de 16/12/2019, criando diferenciação entre militares temporários e de carreira, para fins de reforma com qualquer tempo de serviço, inclusive na hipótese do art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980. Os três Recursos Especiais afetados e ora em julgamento, por esta Primeira Seção, tratam de hipóteses anteriores à Lei n. 13.954/2019, em que o pedido de reforma, em face de exame do militar que detectou a presença do vírus HIV, deu-se antes da alteração legislativa. A teor da Súmula 359/STF, "ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários". Nesse mesmo sentido, "se no momento da obtenção do benefício encontravam-se preenchidos todos os requisitos necessários de acordo com a lei em vigor, caracterizando-se como ato jurídico perfeito, não pode a legislação superveniente estabelecer novos critérios, sob pena de ofensa ao princípio tempus regit actum" (STJ, AgRg no REsp 1.308.778/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 30/09/2014). A reforma do militar temporário, com base no art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980, somente após o advento da Lei n. 13.954, de 16/12/2019, passou a exigir a invalidez, requisito não preenchido pelo portador assintomático do vírus HIV. Essa perspectiva da ausência de invalidez, no caso, já era reconhecida pela jurisprudência do STJ, ao afirmar que o direito à reforma do portador do vírus HIV, independentemente do grau de desenvolvimento da doença, dava-se por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, ou seja, por incapacidade apenas para o serviço militar. A reforma por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas deve ser concedida, nos termos do art. 110 da Lei n. 6.880/1980 - que não foi alterado pela Lei n. 13.954/2019 -, com base no soldo do grau hierárquico superior, apenas e tão somente nas hipóteses dos incisos I e II, do art. 108 da Lei n. 6.880/1980. Nas hipóteses dos incisos III, IV e V, do mesmo art. 108 da Lei n. 6.880/1980, exige-se, para a reforma com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior, que, além da incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, o militar seja considerado inválido, ou seja, que ele esteja "impossibilitado total ou permanentemente para qualquer trabalho", na vida castrense e civil. Revisitação do tema dos EREsp 677.740/RJ, quanto ao art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980. Na forma da jurisprudência do STJ, "nos termos do art. 110, caput e § 1º, da Lei n. 6.880/1980, quando configurada alguma das hipóteses descritas nos itens III, IV e V, do art. 108, o militar terá direito à reforma com base no soldo do grau hierárquico imediato se verificada a invalidez, ou seja, a incapacidade definitiva para qualquer trabalho, militar ou civil. No caso dos autos, ainda que seja reconhecida a ocorrência da neoplasia maligna - câncer de próstata -, as instâncias ordinárias negaram a existência de invalidez. Desse modo, inviável o reconhecimento do alegado direito à remuneração superior, porquanto ausente um dos requisitos estabelecidos na legislação" (STJ, REsp 1.843.913/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 04/08/2020). De igual modo, "em sintonia com a jurisprudência do STJ (...) apenas os militares da ativa ou da reserva remunerada, julgados incapazes definitivamente para o serviço por força de doença constante do inciso V do art. 108 da Lei n. 6.880/1980 (e for considerado inválido total e permanentemente para qualquer trabalho), fazem jus à reforma com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa" (STJ, AgRg no REsp 1.577.792/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 16/03/2016). Além de a Terceira Seção não mais ser competente para o exame da matéria, o precedente dos EREsp 677.740/RJ (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJU de 21/05/2007), inúmeras vezes invocado em julgados posteriores do STJ, apesar de conferir ao militar, portador assintomático do vírus HIV, o direito à reforma por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, não examinou o assunto, de maneira suficiente e à luz do art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980, ao conceder a remuneração com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao ocupado pelo militar na ativa, hipótese na qual o referido art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980 exige a configuração da invalidez para o serviço militar e civil. A Lei n. 7.670/1988, ao incluir, em seu art. 1º, I, c, a SIDA/AIDS como uma das doenças que ensejam a reforma pelo art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980, não estabeleceu, para a hipótese, qualquer tratamento diferenciado, em relação às demais moléstias, no que diz respeito à remuneração do militar. Aliado a isso, em relação a outras doenças, igualmente enumeradas no art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980, o Superior Tribunal de Justiça tem proclamado a necessidade de configuração da invalidez para a aplicação do art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980, o que não poderia ser diferente para a SIDA/AIDS. Sendo assim, não há como aplicar a jurisprudência do STJ, firmada nos aludidos EREsp 670.744/RJ, neste ponto e na hipótese, por exigir o art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980 - antes ou depois da Lei n. 13.954/2019 -, além da incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, a invalidez, para que o militar, portador do vírus HIV, independentemente do grau de desenvolvimento da doença, seja reformado com soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa.
Termo inicial do prazo prescricional em ações indenizatórias a partir da ciência dos efeitos lesivos
Cinge-se a controvérsia sobre o dies a quo do prazo prescricional da pretensão compensatória dos danos morais. Trata-se de indagação da mais alta relevância, pois, como menciona a doutrina, "o início do prazo da prescrição é um fator estruturante do próprio instituto: dele depende, depois, todo o desenvolvimento subsequente". A determinação do termo inicial dos prazos prescricionais demanda, inicialmente, a distinção entre os conceitos de direito subjetivo e de pretensão. Nesse contexto, importa consignar que a pretensão é o poder de exigir um comportamento positivo ou negativo da outra parte da relação jurídica. Trata-se, a rigor, do chamado grau de exigibilidade do direito, nascendo, portanto, tão logo este se torne exigível. Desse modo, pode-se observar que, antes do advento da pretensão, já existe direito e dever, mas em situação estática. Especificamente no âmbito das relações jurídicas obrigacionais, por exemplo, antes mesmo do nascimento da pretensão, já há crédito (direito) e débito (dever) e, portanto, credor e devedor. A dinamicidade surge, tão somente, com o nascimento da pretensão, que pode ser ou não concomitante ao surgimento do próprio direito subjetivo. Somente a partir desse momento, o titular do direito poderá exigir do devedor que cumpra aquilo a que está obrigado. Nota-se que "a pretensão seria algo a mais do que o direito subjetivo, que é categoria eficacial de cunho estático. Quem tem em mãos um direito subjetivo é titular de uma situação jurídica ativa que é estática por estar destituída, ainda que em princípio, de um poder de exigibilidade, de uma possibilidade de atuação sobre a esfera jurídica alheia para se exigir um cumprimento". Exemplificativamente, pode-se mencionar os direitos sob condição suspensiva ou sob termo, que se encontram desprovidos de pretensão até o implemento dessa mesma condição ou o advento do referido termo. Assim, visando o encobrimento da eficácia da pretensão, a prescrição, como consequência lógica, possui como termo inicial do transcurso de seu prazo o nascimento dessa posição jurídica (a pretensão). Em síntese, "o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que, disso, tenha o possa ter o respectivo credor". A propósito, a doutrina bem assevera que a ideia-chave é mesmo a de exigibilidade, acentuando que não se pode falar em "inércia" quando o direito subjetivo ainda não pode se fazer valer, de modo que o prazo prescricional só tem início no dia em que o direito poderia ter sido exercitado: "É óbvio que se a vítima não pode exigir (por razões de direito ou de fato), não há inércia punível com o encobrimento da pretensão, pela prescrição. E, sem essa ausência de uma atividade que poderia ter sido levada a efeito, mas não o foi, não há prescrição, como reiteradamente afirma a jurisprudência e já observava, ainda na vigência do Código de 1916, Miguel Reale". Daí a tão propalada teoria da actio nata - haurida dos trabalhos de Friedrich Carl Freiherr von Savigny - segundo a qual os prazos prescricionais se iniciariam no exato momento do surgimento da pretensão. Trata-se de reminiscência do brocardo romano "actioni nondum natae non praescribitur". De fato, somente a partir do instante em que o titular do direito pode exigir a sua satisfação é que se revela lógico imputar-lhe eventual inércia em ver satisfeito o seu interesse. Nesse contexto, eventuais injustiças produzidas pela adoção da vertente objetiva são mitigadas ou temperadas pelas regras atinentes à suspensão, à interrupção e ao impedimento dos prazos prescricionais. Do ponto de vista do direito positivo, a concepção perfilhada pelo atual Código Civil, ao dispor, no art. 189 foi que "violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição". No âmbito jurisprudencial, o STJ passou a admitir que, em determinadas hipóteses, o início dos prazos prescricionais deveria ocorrer a partir da ciência do nascimento da pretensão por seu titular, no que ficou conhecido como o viés subjetivo da teoria da actio nata. Com efeito, pelo sistema subjetivo, o início do prazo prescricional "só se dá quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito". Conforme já consignado pela Terceira Turma do STJ, no entanto, "a aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva é excepcional" (REsp 1.736.091/PE, Terceira Turma, julgado em 14/05/2019, DJe 16/05/2019). É a hipótese, por exemplo, da prescrição relativa à indenização em virtude de incapacidade permanente, em que a jurisprudência do STJ fixou-se no sentido de que o prazo prescricional começa a fluir apenas a partir do momento em que a vítima toma ciência inequívoca de sua invalidez e da extensão da incapacidade de que restou acometida. A propósito: REsp 673.576/RJ, Primeira Turma, julgado em 02/12/2004, DJ 21/03/2005. Nesse sentido, foi editada a Súmula 278/STJ, segundo a qual o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral. Nesse contexto, do exame das vertentes objetiva e subjetiva, infere-se que a primeira prestigia o valor segurança, ao passo que a segunda, o valor justiça, ambos igualmente caros ao Direito, motivo pelo qual é imperioso delinear critérios para se determinar em quais hipóteses a regra excepcional (viés subjetivo da teoria da actio nata) merece ser aplicada. A adoção do sistema subjetivo pode revelar-se adequada na medida em que o estabelecimento do termo inicial do prazo prescricional na data do nascimento da pretensão (= sistema objetivo) possui o inconveniente de impor ao credor o pesado ônus de identificar, em curto espaço de tempo, quem é o devedor e a extensão de sua pretensão, o que nem sempre se revela fácil ou possível. Os inconvenientes da vertente objetiva também se revelam naquelas hipóteses em que a experiência comum aponta notória dificuldade para o titular do direito tomar conhecimento do nascimento da sua pretensão, como ocorre nas hipóteses em que há alguma distância física entre o titular do direito e o objeto tutelado pelo sistema jurídico (p. ex. propriedades rurais longínquas) ou naquelas outras em que existe algum lapso temporal entre o ato ilícito (dano-evento) e a lesão (dano-prejuízo), como ocorre, por exemplo, nos casos de problemas de saúde cujos sintomas demoram a surgir. Nesse cenário, a doutrina aponta que a vertente objetiva da teoria da actio nata se coaduna com prazos prescricionais mais longos, sob pena de, em muitas hipóteses, conduzir a flagrantes injustiças. Por outro lado, o viés subjetivo da teoria da actio nata amolda-se melhor a prazos prescricionais curtos, na medida em que a exiguidade dos prazos é, em certa medida, compensada pela flexibilização permitida pela adoção de critérios subjetivos para a aferição do termo inicial. Não por outro motivo, a doutrina clássica já destacava essa característica, asseverando que a "doutrina da contagem do prazo da prescrição da data da ciência da violação deve ser limitada às prescrições de curto prazo". A título de exemplo, a doutrina, debruçando-se sobre o prazo prescricional trienal, aponta que "a solução objetiva pode se revelar injusta quando, no intervalo de três anos, a parte lesada não pode descobrir a existência do dano, a sua extensão e o responsável. A situação é particularmente delicada quando não há causas de interrupção ou de suspensão aplicáveis". Desse modo, é seguro afirmar que prazos prescricionais curtos tendem a atrair com maior intensidade a adoção do viés subjetivo da teoria da actio nata, equilibrando, assim, a exiguidade do tempo com a flexibilidade do termo inicial. Além disso, partindo-se de uma interpretação teleológica, deve-se consignar que não é condizente com a finalidade do instituto imputar eventual inércia ao titular de um direito sem que este saiba ou deva razoavelmente saber que é titular de uma pretensão exercitável. Em outras palavras, deve-se observar que, a rigor, a impossibilidade de conhecer, desde logo, o nascimento da pretensão é fator que faz protrair o dies a quo do prazo prescricional. Nessa esteira de intelecção, a doutrina leciona que "se assim não ocorresse, seria punido quem não ficou 'inerte', pois nem sempre a não-ação tem como causa a inércia. Esta é a ausência de atividade quando esta (atividade) teria sido possível e, portanto, exigível". Nesse sentido, a Terceira Turma do STJ já teve a oportunidade de ressaltar que, em determinadas hipóteses deve-se, de fato, adotar o viés subjetivo da teoria da actio nata, "sob pena de reputar iniciado o prazo prescricional quando o lesado nem sequer detinha a possibilidade de exercer sua pretensão, em claro descompasso com a finalidade do instituto da prescrição e com a boa-fé objetiva, princípio vetor do Código Civil" (AgInt no AREsp 876.731/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/09/2016, DJe 30/09/2016). Desse modo, pode-se afirmar que outro critério a ser adotado para se perquirir a possibilidade de aplicação excepcional da vertente subjetiva da teoria da actio nata consiste em verificar, em cada hipótese concreta, se, a partir do postulado normativo da razoabilidade, o credor tinha ou devia ter conhecimento do nascimento da pretensão, o que deve ser apurado de acordo com a boa-fé objetiva e com standards objetivos de atuação do homem médio, devendo-se afastar, desde logo, hipóteses de culpa grave que atente, de modo extraordinariamente elevado, contra o cuidado exigível no tráfego. A par destas considerações, deve-se adicionar à análise a clássica distinção entre responsabilidade civil por ato ilícito relativo e por ato ilícito absoluto. Como cediço, a partir do exame do conteúdo eficacial das relações jurídicas é possível subdividi-las em relações jurídicas de direito relativo e relações jurídicas de direito absoluto. As relações jurídicas de direito relativo são aquelas que possuem sujeito passivo determinado ou determinável, de tal modo que as posições jurídicas do sujeito ativo são direcionadas, exclusivamente, ao sujeito passivo, ao qual são impostas as correlatas posições jurídicas passivas. São exemplos dessa espécie de relação as relações jurídicas obrigacionais. Nesse diapasão, eventual violação das referidas posições jurídicas ensejará a denominada responsabilidade civil por ato ilícito relativo, comumente chamada de responsabilidade civil contratual. A título de exemplo pode-se mencionar as hipóteses de inadimplemento, mora, adimplemento ruim, etc. Por outro lado, as relações jurídicas de direito absoluto são aquelas que possuem sujeito passivo indeterminado - o chamado sujeito passivo total ou universal. São exemplos as relações jurídicas de direito real (p. ex. a relação jurídica de propriedade) e a relação jurídica de direitos da personalidade. Com efeito, nas relações jurídicas de direito absoluto, as posições jurídicas titularizadas pelo sujeito ativo são oponíveis erga omnis, isto é, não contra um sujeito determinado, mas sim contra o sujeito passivo total ou universal, a quem é imposto um dever geral de abstenção. A título de exemplo, pode-se mencionar que o titular de determinado direito da personalidade ou direito real, por exemplo, é titular de uma pretensão consubstanciada no poder de exigir que todos os demais indivíduos se abstenham de violar esse seu direito. A violação de posição jurídica ativa conteúdo de relação jurídica de direito absoluto dá ensejo à responsabilidade por ato ilícito absoluto, que representa, a rigor, desrespeito ao mencionado dever geral de abstenção e que, via de regra, recebe o epíteto de responsabilidade civil extracontratual. É a hipótese, por exemplo, da prática do ato ilícito previsto nos arts. 186 e 927, do CC/2002. Diante destas considerações, importa consignar que o viés subjetivo da teoria da actio nata encontra maior campo de aplicação na hipótese de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto (= responsabilidade civil extracontratual), pois da própria natureza jurídica desta espécie de responsabilidade e, sobretudo, da presença do sujeito passivo universal, decorre uma maior dificuldade para o credor determinar o causador e a extensão do dano sofrido. Tratando-se de sujeito passivo total ou universal e, portanto, de violação de um dever geral de abstenção a todos imposto, é lógico e razoável concluir que o credor terá maior dificuldade para tomar conhecimento da lesão, da sua extensão e do agente que praticou o ato ilícito. Em âmbito jurisprudencial, a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.711.581/PR, ressaltou que, muito embora se admita a aplicação do viés subjetivo da teoria da actio nata em determinadas situações, esta "tem sido aplicada por esta Corte em casos de ilícitos extracontratuais nos quais a vítima não tem como conhecer a lesão a sua esfera jurídica no momento em que ocorrida", prestigiando o acesso à justiça. No mesmo sentido, também a Quarta Turma, no julgamento do REsp 1.354.348/RS, fixou o entendimento de que "na responsabilidade contratual, em regra, o termo inicial da contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual decorre o nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de exigência do direito subjetivo violado, nos termos do disposto no art. 189 do Código Civil, consagrando a tese da actio nata no ordenamento jurídico pátrio. Contudo, na responsabilidade extracontratual, a aludida regra assume viés mais humanizado e voltado aos interesses sociais, admitindo-se como marco inicial não mais o momento da ocorrência da violação do direito, mas a data do conhecimento do ato ou fato do qual decorre o direito de agir, sob pena de se punir a vítima por uma negligência que não houve, olvidando-se o fato de que a aparente inércia pode ter decorrido da absoluta falta de conhecimento do dano" (REsp 1.354.348/RS, Quarta Turma, julgado em 26/08/2014, DJe 16/09/2014). Assim, pode-se afirmar que, em regra, o viés subjetivo da teoria da actio nata possui maior afinidade com as hipóteses de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto, estabelecendo-se como termo a quo do prazo prescricional a data do conhecimento, pelo titular, do nascimento da pretensão. Por fim, deve-se apontar como critério serviente a guiar o intérprete na determinação do dies a quo dos prazos prescricionais a própria escolha levada a efeito pelo direito positivo. De fato, em algumas hipóteses o próprio legislador, de maneira expressa, impõe a adoção da vertente subjetiva da teoria da actio nata. É o que se verifica, por exemplo, no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor - ao estatuir que o prazo prescricional se inicia a partir do conhecimento do dano e de sua autoria pelo consumidor - e no art. 206, § 1º, II, "b", do Código Civil, ao estabelecer que, nos contratos de seguro em geral, o termo a quo do prazo prescricional é a "ciência do fato gerador da pretensão". Destarte, é seguro afirmar que o sistema subjetivo de determinação do dies a quo deve prevalecer sempre que, por razões de política legislativa, a legislação expressamente o adotar. Assim, ainda que de modo não exaustivo e não cumulativo, pode-se concluir que são critérios que indicam a tendência de adoção do viés subjetivo da teoria da actio nata: a) a submissão da pretensão a prazo prescricional curto; b) a constatação, na hipótese concreta, de que o credor tinha ou deveria ter ciência do nascimento da pretensão, o que deve ser apurado a partir da boa-fé objetiva e de standards de atuação do homem médio; c) o fato de se estar diante de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto; e d) a expressa previsão legal a impor a aplicação do sistema subjetivo. No caso, importa consignar que se está diante de pretensões indenizatórias e compensatórias, ambas submetidas ao prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/2002. Cuida-se, portanto, de pretensões submetidas a prazo prescricional curto. Além disso, tratando-se, na origem, de ação de reparação por danos materiais e morais em virtude da indevida utilização do nome do autor para figurar como falso ocupante de cargo em comissão, infere-se que a causa de pedir da presente demanda é, exata e precisamente, a configuração de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto (responsabilidade civil extracontratual). Some-se a isso o fato de que, na espécie, a adoção do viés objetivo da teoria da actio nata, estabelecendo-se como termo inicial do prazo prescricional a data em que o autor foi exonerado, conduziria à flagrante injustiça em prejuízo do jurisdicionado que foi prejudicado por conduta de ex-deputado estadual que o nomeou como funcionário fantasma sem o seu conhecimento. Com efeito, não se revela condizente com o postulado da razoabilidade supor - tomando como critério de atuação a boa-fé objetiva e o comportamento esperado do homem médio - que o autor soubesse ou devesse saber que havia sido nomeado, sem o seu consentimento e clandestinamente, como "funcionário fantasma" na Assembleia Legislativa do Estado por meio da indevida utilização de seus dados pessoais. Tampouco se extrai do arcabouço fático qualquer indício de negligência grosseira ou atuação com culpa grave por parte do autor capaz de afastar a presunção de boa-fé que milita a seu favor quando alega o desconhecimento da existência do ato ilícito de que foi vítima. Ressalte-se que o simples fato de o sítio eletrônico do Google e de outros motores de buscas na internet estarem operando normalmente desde o alegado evento danoso, não significa, por si só, que seja razoável supor que todo cidadão deva, diariamente, efetuar esta espécie de pesquisa. Essa situação revela-se ainda mais grave quando se imagina, ao menos em tese, a possibilidade de utilização do nome e dos dados pessoais de cidadãos vulneráveis que não possuem qualquer acesso à rede mundial de computadores ou que residem em locais remotos e que, portanto, não teriam condições de evitar a consumação da prescrição em seu desfavor. Tais pessoas, nesse contexto, poderiam ser facilmente utilizadas para esquemas deste jaez e seriam prejudicadas pela prescrição, caso se adotasse o viés objetivo da teoria da actio nata.
Impossibilidade de adjudicação compulsória sem domínio do terreno e memorial de incorporação registrado
Quanto à possibilidade de adjudicação do imóvel, cumpre relembrar que a incorporação imobiliária é regida pela Lei n. 4.591/1964 e, como se depreende do seu art. 28, parágrafo único, envolve a promessa de venda de uma coisa futura, composta por edificações erguidas em um único terreno, sobre as quais haverá titularidade exclusiva da unidade ocupada pelo adquirente (apartamento, conjunto comercial ou casa), mas compartilhada a propriedade do terreno com os demais adquirentes, em regime de condomínio. A legislação de regência foi promulgada com o intuito de se atribuir segurança jurídica a uma situação fática comumente adotada na dinâmica dos negócios jurídicos, mediante a subversão do princípio da acessão - segundo o qual tudo que se acede ao solo é de propriedade do dono do terreno - e a garantia ao adquirente de que a coisa será entregue conforme as características prometidas no contrato. Em face disso, há uma obrigação legal imputada ao incorporador de levar a registro na matrícula do imóvel a ser incorporado o memorial de incorporação, que, segundo a redação original do art. 32 da Lei n. 4.591/1964, vigente ao tempo da assinatura dos contratos ora em análise, é composto, entre outros documentos, do título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel. Da leitura do dispositivo legal, verifica-se a possibilidade de o incorporador não possuir o prévio domínio do terreno sobre o qual será edificado o prédio, o que, contudo, não o isenta da apresentação de títulos capazes de demonstrar que a futura transferência da propriedade da unidade autônoma poderá ser efetivada. Sendo assim, com a pretensão de se conceder mais segurança aos contratantes, o incorporador poderá negociar as unidades autônomas somente após arquivar, no Cartório de Registro de Imóveis competente, os documentos elencados na lei. Vale dizer, enquanto não registrado o memorial de incorporação, o incorporador não está autorizado a comercializar as unidades autônomas futuras. Reforçando a proteção ao promitente comprador, o § 2º do art. 32 da Lei n. 4.591/1964 determinava que os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito à adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra. Na mesma linha, o art. 43, VI, da Lei n. 4.591/1964 prevê a possibilidade de o incorporador ser destituído pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes das unidades autônomas quando, sem justa causa, paralisar as obras por mais de 30 (trinta) dias ou retardar-lhes excessivamente o andamento. Contudo, para que se viabilize a destituição do incorporador é indispensável a formalização da incorporação, configurando um requisito mínimo de segurança jurídica aos negócios jurídicos que envolvam o imóvel e aos terceiros que deles venham a participar de boa-fé. No caso, levando-se em consideração que não houve o registro do memorial de incorporação e que não houve nenhuma formalização da transferência do imóvel para a suposta incorporadora, não se mostra possível a destituição desta e a adjudicação compulsória do imóvel pelos promitentes compradores em razão do não preenchimento dos requisitos legais. Relembre-se que os promitentes compradores de imóveis somente adquirem o direito real de propriedade após o registro do instrumento público ou particular no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.417 do CC), de maneira que a deliberação tomada em assembleia pela maioria absoluta dos adquirentes, para destituir a incorporadora, não tem o condão de fazer surgir o direito real quando o alienante não possui o domínio e não levou a registro a incorporação. Entretanto, cumpre registrar que a jurisprudência desta Corte Superior tem considerado que o descumprimento da obrigação de registro do memorial de incorporação pelo incorporador não implica a invalidade ou nulidade do contrato de compromisso de compra e venda, pois este gera efeitos obrigacionais entre as partes e, até mesmo, contra terceiros. Assim, a melhor solução à espécie é, afirmando a validade das promessas de compra e venda, rescindir os contratos e reconhecer a responsabilidade da suposta incorporadora pelas perdas e danos suportados pelos adquirentes em decorrência do descaso e oportunismo perpetrados por aquela.