Este julgado integra o
Informativo STF nº 747
Comentário Damásio
Conteúdo Completo
O Plenário, por maioria, deferiu, em parte, pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, para suspender, até julgamento final da ação, a eficácia do art. 8º da Resolução 23.396/2013, do Tribunal Superior Eleitoral - TSE (“O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante”). A resolução impugnada dispõe sobre a apuração de crimes eleitorais. Em preliminar, a Corte rejeitou pleito de sustentação oral feito pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP e da Associação dos Procuradores da República na condição de “amici curiae”. Na espécie, os pedidos de ingresso foram deduzidos após a inclusão em pauta da presente ação. O Tribunal reafirmou jurisprudência quanto à impossibilidade de terceiros se manifestarem após a liberação dos autos para julgamento. Destacou que os “amici curiae” poderiam requerer o seu ingresso por ocasião do julgamento definitivo. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, que acolhiam o pronunciamento dos postulantes. O Ministro Marco Aurélio enfatizava admitir a participação, ainda que o requerimento fosse posterior à inclusão do processo em pauta. O Ministro Gilmar Mendes vislumbrava a possibilidade de, em princípio, rever a jurisprudência. Ressaltava que o STF poderia indeferir o ingresso caso se tratasse de pedido abusivo. O Ministro Celso de Mello sublinhava a importância da admissão do “amicus curiae” porque, de um lado, permitiria a pluralização do debate constitucional e, de outro, conferiria maior legitimidade às decisões do STF, quando tomadas, como na espécie, em sede de controle normativo abstrato. Frisava que, em face do julgamento da presente medida cautelar, poder-se-ia interpretar essa vedação no sentido de não ser possível a admissão do “amicus curiae” depois de incluído o feito em pauta, para efeito de julgamento definitivo. Na sequência, a Corte assentou o cabimento da ação direta. Aludiu a precedentes segundo os quais ato infralegal pode ser objeto de impugnação via ação direta de inconstitucionalidade se, a pretexto de regulamentar dispositivos legais, assumir caráter autônomo e inovador. Além disso, reiterou a idoneidade desse tipo de controle concentrado para fins de questionamento de resoluções normativas do TSE. No mérito, o Plenário, por maioria, concedeu, parcialmente, a medida cautelar para suspender a eficácia do art. 8º da Resolução 23.396/2013, do TSE. Prevaleceu o voto do Ministro Teori Zavascki, no sentido de que a medida acauteladora se limitasse ao art. 8º da mencionada resolução, embora tivessem sido impugnados os artigos 3º ao 13. De início, observou que se estaria diante de juízo de natureza cautelar, motivo por que deveriam ser analisados os requisitos da presença do risco de dano e da relevância do Direito, ou seja, da probabilidade de êxito futuro da pretensão declaratória de inconstitucionalidade. Asseverou que, à primeira vista, o preceito adversado teria inovado em relação aos atos regulamentares que disciplinaram os últimos sufrágios, de modo a subtrair a atribuição do Ministério Público Eleitoral de determinar a instauração de inquérito policial. Vislumbrou que o art. 8º da Resolução 23.396/2013, do TSE, poderia representar a existência de vício de inconstitucionalidade formal, com a edição de norma processual em desacordo com o princípio da legalidade estrita, e também material, ao afetar as funções constitucionais do órgão ministerial. No tocante aos demais dispositivos questionados, o Ministro Teori Zavascki aduziu que eles seriam reproduções de normas anteriores, a exemplo dos Códigos Eleitoral e de Processo Penal, assim como de outras resoluções do TSE. Logo, reputou ausente o “periculum in mora”, porquanto não haveria indícios de que a vigência de preceitos semelhantes em eleições anteriores teria obstaculizado o normal desenvolvimento das competências investigatórias do “parquet”. Ademais, frisou que a utilidade da ação direta estaria necessariamente relacionada à sua aptidão para sanar, com efetividade, o estado de inconstitucionalidade descrito como causa de pedir. Consignou que isso não ocorreria caso o STF se limitasse a declarar a inconstitucionalidade de norma que apenas repetiria o conteúdo de outra, de maior hierarquia, vigente há muito tempo e não impugnada na presente ação direta. Em acréscimo, o Ministro Ricardo Lewandowski registrou que a justiça eleitoral seria uma justiça “sui generis”, porquanto possuiria três funções: a) judicante ou jurisdicional; b) administrativa; e c) regulamentar. Mencionou, ainda, que estaria em jogo uma prerrogativa de caráter incondicionado do Ministério Público, a saber, requerer não apenas investigações, mas, também, abertura de inquérito policial. O Ministro Celso de Mello salientou que resolução do TSE não poderia contrariar a lei e a Constituição, seja exigindo, em matéria eleitoral, o que a lei não exigira ou proibira, ou distinguindo onde o próprio legislador não distinguira. Assinalou que se trataria de competência normativa de segundo grau ou secundária, a qual estaria necessariamente subordinada, no que diz respeito à sua validade e eficácia, à autoridade hierárquica das leis e, acima delas, da Constituição. Ratificou, além disso, que o poder de requisição do Ministério Público representaria prerrogativa de ordem constitucional (CF, art. 129, VIII). Vencidos, em parte, os Ministros Roberto Barroso (relator), Luiz Fux, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa (Presidente), que deferiam a medida cautelar em maior extensão. O relator, inicialmente, rejeitava a alegação de que a Resolução 23.396/2013, do TSE, teria invadido a competência da União para legislar sobre processo. Afirmava que a resolução fora editada com base no poder normativo previsto no art. 23, IX, do Código Eleitoral, bem como no art. 105 da Lei 9.504/1997. Em seguida, após discorrer sobre a opção do constituinte brasileiro pelo sistema acusatório, ingressou no exame individualizado das impugnações materiais. Por conseguinte, conferia interpretação conforme a Constituição: a) ao art. 3º, para explicitar que as notícias-crime poderiam ser encaminhadas diretamente ao Ministério Público Eleitoral ou à autoridade policial, bem como ao juiz. Ressaltava que, no entanto, nesta última hipótese, ao magistrado caberia somente efetuar a remessa do material ao “parquet”; b) ao artigo 4º, para assentar que a verificação da competência jurisdicional deveria ser efetuada pelo juiz eleitoral apenas no momento em que efetivamente atuasse nos autos do inquérito; c) ao art. 5º, para esclarecer que a autoridade policial deveria informar imediatamente o juízo eleitoral, o qual deveria remeter, de pronto, os autos ao “parquet”. No ponto, o Ministro Roberto Barroso reajustou seu voto para acolher a manifestação do Ministro Luiz Fux; e d) ao art. 10, para explicar que a competência do juiz eleitoral para deferir diligências requeridas pelo Ministério Público limitar-se-ia às situações submetidas à reserva de jurisdição. Por fim, suspendia a eficácia dos artigos 6º, 8º e 11 da resolução questionada. Os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux acompanhavam o voto do relator. O Ministro Marco Aurélio aduzia que a justiça eleitoral se submeteria de igual forma à legislação. Ademais, o poder a ela conferido de expedir instruções seria voltado, de início, para a execução do Código Eleitoral, e não para atuar como legislador positivo. Por sua vez, o Presidente suspendia a eficácia dos artigos 3º ao 13 da Resolução 23.396/2013, do TSE, até o julgamento do mérito. Realçava que o regramento relativo à instauração de inquéritos não decorreria do sistema normativo eleitoral, mas sim do sistema processual penal, de maneira que a fixação de atribuições e o estabelecimento de regras para a instauração e o trâmite do denominado inquérito policial eleitoral extrapolaria o poder regulamentar complementar concedido à justiça eleitoral. Vencidos, na integralidade, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que indeferiam a medida acauteladora. O primeiro afirmava que tanto a polícia quanto o Ministério Público poderiam requisitar à justiça eleitoral a abertura de procedimento investigatório, e ela determinaria essa abertura. Portanto, não entrevia cerceamento ao poder investigatório de quem quer que fosse. Entendia ser imprescindível que houvesse a prévia formalização perante a justiça eleitoral, para conferir transparência, oficialidade e segurança jurídica aos referidos procedimentos. Sinalizava que razões históricas justificariam essa detenção do poder de polícia judiciária nas mãos da magistratura eleitoral, bem assim a necessidade de supervisão do Poder Judiciário, para impedir que órgãos parciais — tendo em conta que o Ministério Público seria parte e a polícia estaria submetida às autoridades civis do Poder Executivo — atuassem, de maneira a interferir no processo eleitoral de modo direcionado. O Ministro Gilmar Mendes observava que o modelo da justiça eleitoral seria institucional e viria sendo delineado ao longo da história. Por consequência, não poderia revê-lo em sede de liminar, haja vista envolver uma área muito sensível.
Legislação Aplicável
CF, art. 129, VIII; Lei 9.504/1997, art. 105; CE, art. 23 IX.
Informações Gerais
Número do Processo
5104
Tribunal
STF
Data de Julgamento
21/05/2014