Juízo Federal limita-se ao controle de legalidade em pedido estadual de permanência em presídio federal
Cinge-se a controvérsia a decidir a competência para análise de pedido de prorrogação de custodiado no Sistema Penitenciário Federal. A jurisprudência desta Corte, tem compreendido que, se devidamente motivado pelo Juízo local o pedido de manutenção do apenado, em presídio federal, não cabe ao Juízo Corregedor Federal exercer juízo de valor sobre a fundamentação apresentada, mas, apenas, aferir a legalidade da medida (CC 154.679/RJ, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 24/10/2017). No caso, expirado o período de permanência, o Juízo Federal determinou o retorno do apenado ao sistema penitenciário estadual, ante a inexistência de decisão do magistrado estadual autorizando a prorrogação da permanência do apenado. Cientificado da decisão, o Juízo estadual suscitou o conflito, consignando que remanescem íntegros os fundamentos que subsidiaram o ingresso do apenado em caráter emergencial. Por sua vez, o requerimento de prorrogação esteve fundado em elementos concretos, notadamente a liderança exercida pelo custodiado em organização criminosa e o risco que seu retorno representaria ao sistema penitenciário estadual, ante a existência de indícios de que atuou ativamente na articulação de ataques intra e extramuros. Assim, tendo o Juízo estadual reiterado as razões e fundamentos que deram causa à transferência do preso para presídio federal de segurança máxima - razões essas que se encontram de acordo com o teor da Lei n. 11.671/2008, em especial o seu art. 3º -, e não tendo apresentado o Juízo federal óbice legal ou objetivo para o não acatamento do pedido, deve ser declarada a competência do Juízo Federal, bem como prorrogada a permanência do preso no Sistema Penitenciário Federal.
Competência da Justiça Federal para procedimento de dúvida registral sobre imóveis de autarquia federal
O conflito de competência decorre da divergência instaurada entre juízo de registros públicos e juízo federal. Em ambos houve recusa ao processamento e ao julgamento de procedimento de suscitação de dúvida instaurada por titular de serventia de registro imobiliário derivado de pedido formulado por Universidade Federal. No caso, a autarquia federal pretendeu a retificação de registros imobiliários com o fim de que fossem unificados sob uma matrícula apenas, nova e a ser aberta em seu nome, mas, como havia a necessidade de esclarecimentos adicionais e do fornecimento de certa documentação não entregue, a titular do registro imobiliário suscitou o procedimento de dúvida. Por conseguinte, o conflito surge em razão da presença da autarquia federal que, para o juízo estadual, seria suficiente o deslocamento da competência tendo em vista principalmente o teor da Lei n. 6.739/1979, que trata da matrícula e do registro de imóveis rurais, e essencialmente disciplina os casos em que a matrícula e o registro são declarados inexistentes e cancelados quando versarem sobre imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito, ou que tenha sido registro em desacordo com o art. 221 da Lei n. 6.015/1973. Todavia, não se cuida aparentemente de imóveis rurais. A competência decerto atribui-se ao juízo federal. A Lei n. 5.972/1973, que regula o procedimento para o registro de bens imóveis da União, deve ser interpretada para que abranja não apenas a União propriamente, mas as demais pessoas jurídicas de direito público integrantes da Administração Pública Federal. Nesse sentido, a parte final do art. 3.º cuida da remessa do requerimento de dúvida ao juízo federal. E embora a hipótese descrita no preceito referido trate de suscitação de dúvida amparada na existência de registro anterior em nome de terceiro, isso não é suficiente para afastar a aplicação da norma jurídica, que efetivamente destina-se a proteger o interesse federal que possa vir a ser atingido em razão da irregularidade no seu patrimônio imobiliário.
Impossibilidade de exclusão de cobertura no seguro de pessoas por insanidade, alcoolismo ou tóxicos
Os arts. 1.443, 1.444 e 1.454 do Código Civil de 1916, bem como seus correlatos no Código Civil atual, evidenciam que a existência ou não de cláusula excludente da cobertura de contrato de seguro de vida ou mesmo do agravamento do risco pelo segurado, em eventos como tal, é desimportante. Com efeito, o agravamento do risco pela embriaguez, assim como a existência de eventual cláusula excludente da indenização, são cruciais apenas para o seguro de coisas, sendo desimportante para o contrato de seguro de vida, nos casos de morte. Sob a vigência do anterior Código Civil, a jurisprudência desta Corte, assim, como a do Supremo Tribunal Federal, consolidou a compreensão de que o seguro de vida cobre até mesmo os casos de suicídio, desde que não tenha havido premeditação. Em consonância com o novel Código Civil, a jurisprudência da Segunda Seção consolidou seu entendimento para preconizar que "o legislador estabeleceu critério objetivo para regular a matéria, tornando irrelevante a discussão a respeito da premeditação da morte" e que, assim, a seguradora não está obrigada a indenizar apenas o suicídio premeditado, ocorrido dentro dos dois primeiros anos do contrato. Assim, e com mais razão, a cobertura do contrato de seguro de vida deve abranger os casos de morte involuntária em decorrência de acidente de trânsito, ainda que o segurado condutor do veículo, também vítima do sinistro, eventualmente estivesse dirigindo sob os efeitos da ingestão de álcool. Por certo, apesar de o presente caso não guardar relação com hipótese de suicídio, pois a morte foi involuntária, em decorrência de acidente de trânsito, e embora o estado de embriaguez possa eventualmente ter contribuído para que o sinistro ocorresse, a cobertura é devida pois, se ela seria admissível mesmo em caso de morte voluntária e premeditada (suicídio), com mais justeza ela também é cabível nos casos de involuntária fatalidade. Recentemente, a Segunda Seção desta Corte julgou os embargos de divergência no recurso especial 973.725/SP, consolidando o entendimento de que a cobertura dos seguros de vida deve abranger os casos de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado, inclusive em estado de insanidade mental, alcoolismo ou sob efeito de outras substâncias tóxicas, ressalvado o suicídio ocorrido dentro dos dois primeiros anos de contrato; somente podendo ser excluída a cobertura nos seguros de bens cujo objeto segurado seja veículo automotor quando os danos ocorridos a este sejam em decorrência de sua condução por pessoa embriagada ou sob efeito de drogas, quando haja comprovação do estado de entorpecência. Outrossim a Segunda Seção, tendo o assinalado julgamento como vetor, editou o enunciado sumular número 620 da jurisprudência dessa Corte com a seguinte redação: "A embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida". Desse modo, propõe-se que a jurisprudência da Segunda Seção seja confirmada, relativamente ao entendimento de que, nos seguros de pessoas, é vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas.
Cobertura do DPVAT em acidentes de trabalho e envolvendo veículos agrícolas em vias públicas
O Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) possui a natureza de seguro obrigatório de responsabilidade civil, de cunho eminentemente social, criado pela Lei n. 6.194/1974 para indenizar os beneficiários ou as vítimas de acidentes, incluído o responsável pelo infortúnio, envolvendo veículo automotor terrestre (urbano, rodoviário e rural) ou a carga transportada, e que sofreram dano pessoal, independentemente de culpa ou da identificação do causador do dano. A configuração de um fato como acidente de trabalho, a possibilitar eventual indenização previdenciária, não impede a sua caracterização como sinistro coberto pelo seguro obrigatório DPVAT, desde que também estejam presentes seus elementos constituintes: acidente causado por veículo automotor terrestre, dano pessoal e relação de causalidade. Os veículos agrícolas capazes de transitar em vias públicas (asfaltadas ou de terra), seja em zona urbana ou rural, e aptos à utilização para a locomoção humana e o transporte de carga - como tratores e pequenas colheitadeiras - não podem ser excluídos, em tese, da cobertura do seguro obrigatório. Vale ressaltar que somente aqueles veículos agrícolas capazes de transitar pelas vias públicas terrestres é que estarão cobertos pelo DPVAT, o que afasta a incidência da lei sobre colheitadeiras de grande porte. De igual maneira, o acidente provocado por trem - veículo sobre trilhos -, incluído o VLT, não é passível de enquadramento no seguro obrigatório. Embora a regra no seguro DPVAT seja o sinistro ocorrer em via pública, com o veículo em circulação, há hipóteses em que o desastre pode se dar quando o bem estiver parado ou estacionado. O essencial é que o automotor tenha contribuído substancialmente para a geração do dano - mesmo que não esteja em trânsito - e não seja mera concausa passiva do acidente. Dessa forma, se o veículo de via terrestre, em funcionamento, teve participação ativa no acidente, a provocar danos pessoais graves em usuário, não consistindo em mera concausa passiva, há hipótese de cobertura do seguro DPVAT.
Ausência de nulidade do despacho saneador que adia preliminares confundidas com mérito
No caso, ajuizou-se ação rescisória mediante o argumento de que o acórdão proferido em uma primeira ação rescisória, ao se embasar em meros esclarecimentos do mesmo perito judicial que atuou na ação ordinária, teria ofendido literal disposição de lei referente ao direito à produção de prova pericial, bem como ter-se-ia baseado em prova falsa, pois não corresponderia à realidade dos fatos ocorridos. Em contestação, alegou-se diversas preliminares, dentre as quais: falta de interesse de agir; decadência; preclusão e impossibilidade jurídica do pedido. Em sede de despacho saneador, houve a postergação do exame dessas preliminares para o julgamento do mérito da ação e determinação a realização de perícia nos autos para apurar os fatos alegados pelos autores. Na espécie, verifica-se que as preliminares estão substancialmente vinculadas à tese de que o objeto da segunda ação rescisória é o laudo pericial produzido no processo de conhecimento, o que, por si só, implicaria na configuração da preclusão, decadência, ausência de interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido. É possível perceber, portanto, que as preliminares arguidas são meras consequências do eventual acolhimento da tese principal trazida, a qual constitui o próprio âmago da demanda e, como tal, deve ser analisada em momento próprio, por ocasião do julgamento final da rescisória. Essa postergação encontra respaldo na jurisprudência do STJ, no sentido de que, se a preliminar se confunde com o mérito, pode o julgador examiná-la com a questão de fundo. Ademais, especificamente acerca da impossibilidade jurídica do pedido, esta Corte já assentou que a possibilidade jurídica foi abolida no regime do CPC de 2015 como elemento de condição da ação, de modo que agora é sempre resolvida no julgamento de mérito.