Legalidade da exumação judicial para exame de DNA em investigação de paternidade
Cinge-se a discussão acerca da alegada ilegalidade da ordem judicial de exumação dos restos mortais do genitor, a fim de subsidiar exame de DNA para averiguação de alegado vínculo de paternidade. Mais especificamente, cumpre determinar se este meio de prova deve ser admitido especialmente diante (i) da recusa dos descendentes do suposto genitor em fornecer material genético para a realização da perícia indireta e (ii) da insuficiência do regime de presunções legais para resolver a controvérsia. Quanto ao ponto, cabe registrar que a possibilidade de determinação de exumação cadavérica para fins de realização de exame de DNA encontra guarida na jurisprudência do STJ, que considera ser providência probatória inserida no âmbito das faculdades instrutórias do juiz, nos termos do art. 130, do CPC/1973 (atual art. 370, do CPC/2015), segundo o qual, "caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias". Efetivamente, em se tratando de investigação de paternidade, demanda em que estão em discussão direitos personalíssimos indisponíveis, o processo deve pautar-se pela busca da verdade real, possibilitando aos investigantes a maior amplitude probatória possível. Conforme já proclamou o STJ, "a ação de investigação de paternidade ajuizada pelo pretenso filho contra o suposto pai é manifestação concreta dos direitos à filiação, à identidade genética e à busca da ancestralidade, que compõem uma parcela muito significativa dos direitos da personalidade, que, sabidamente, são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis erga omnes (REsp 1.893.978/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 29/11/2021). O direito à identidade genética, vale dizer, é atributo da personalidade da pessoa, direito fundamental do indivíduo. Nessa perspectiva, é absolutamente lícito ao pretenso filho perseguir a elucidação da sua parentalidade lançando mão de "todos os meios legais e moralmente legítimos" para provar a verdade dos fatos, conforme estatuído no caput do art. 2º-A, da Lei n. 8.560/1992 (Lei da Ação de Investigação de Paternidade). A realização ou não da prova de DNA é um ônus probatório do demandado na ação investigatória de paternidade e não um dever. No entanto, o dinamismo que se atribui ao ônus da prova, denominado como "carga dinâmica", corrobora a imputação do ônus àquele que, facilmente, possui condições de comprovar as suas teses, sob pena de, com base no art. 373 do CPC/2015, em não o fazendo, ver a pretensão julgada contra si. De toda forma, a encerrar antigas divergências jurisprudenciais e doutrinárias, recentemente foi promulgada e publicada a Lei n. 14.138/2021, que acrescentou o §2º ao art. 2º-A, da Lei n. 8.560/1992, possibilitando a realização do exame de DNA nos parentes do falecido, gerando a sua recusa a presunção relativa do vínculo biológico, a ser apreciada em conjunto com outras provas. Com efeito, o contexto processual do caso, a primazia da busca da verdade biológica, as tentativas frustradas de realizar-se exame de DNA em parentes vivos do investigado, ante a recusa destes, apesar de constituir o meio menos gravoso para a solução da controvérsia, bem como a completa impossibilidade de esclarecimento e de elucidação dos fatos submetidos a julgamento por intermédio de outros meios de prova, justifica plenamente o exame exumatório determinado.
Termo inicial da prescrição quinquenal: consolidação da propriedade na alienação fiduciária imobiliária
Nos termos do que prevê o art. 22 da Lei n. 9.514/1997, "A alienação fiduciária regulada por esta lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel". Assim, não se trata a alienação fiduciária de transferência definitiva da propriedade do imóvel do fiduciante ao fiduciário, mas institui uma garantia da dívida. O credor tem a propriedade resolúvel, condicionada ao não pagamento do débito, quando, então, considera-se resolvida. Somente a partir desse momento será plena a propriedade para o fiduciário. Tanto é assim que a lei faculta ao devedor purgar a mora, evitando que a propriedade, que era resolúvel, se consolide para o credor, o que ocasiona, segundo os ditames legais (§ 5º do art. 26), a convalescência da alienação fiduciária, ou seja, a garantia:"§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária". Nesse sentido, já decidiu o STJ que a "intenção do devedor fiduciante, ao oferecer o imóvel como garantia ao contrato de alienação fiduciária, não é, ao fim e ao cabo, transferir para o credor fiduciário a propriedade plena do bem, diversamente do que ocorre na compra e venda, mas apenas garantir o adimplemento do contrato de financiamento a que se vincula, objetivando que, mediante o pagamento integral da dívida, a propriedade plena do bem seja restituída ao seu patrimônio" (REsp 1.726.733/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 16/10/2020). Com efeito, é também entendimento consolidado que a cobrança de dívida líquida constante em instrumento particular sujeita-se ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, do CC/2002.
ACP necessidade de prova concreta para vedar concessão ou cancelar benefícios de previdência complementar
No caso, o Ministério Público Federal (MPF) promoveu ação civil pública em razão de repasses indevidos efetuados por fundação a entidade fechada de previdência complementar que assistia os então empregados celetistas daquela, no período de 1991 a 2007, a título de previdência complementar de servidores incluídos no regime estatutário (RJU - Regime Jurídico Único) após a edição da Lei n. 8.112/1990, postulando pela: a) reparação do erário; b) proibição de concessão de novos benefícios e cancelamento dos concedidos nos últimos 5 (cinco) anos. O Tribunal de origem condenou a fundação a cessar as contribuições para a entidade de previdência complementar e a entidade fechada de previdência complementar a: restituir os valores indevidamente recebidos; se abster de conceder novos benefícios, ressalvados os casos em que tal direito foi adquirido antes da edição da Lei n. 8.112/1990 e; cancelar os benefícios complementares indevidamente concedidos a estatutários após a edição da Lei n. 8.112/1990 e há menos de 5 (cinco) anos antes do ajuizamento da ação. Este comando judicial vulnerou parcialmente os princípios da segurança jurídica e boa-fé. Observa-se que o fundamento central para a condenação de cancelamento de benefícios e abstenção na concessão de novos se deu em razão do fato de haver coparticipação no financiamento por parte da fundação. Ocorre que essa situação não mais se perpetuaria, porque a fundação foi condenada a se abster de efetuar qualquer pagamento a título de contribuição para a entidade fechada de previdência complementar na condição de patrocinadora, além do fato de ter-se garantido a restituição do que foi indevidamente pago. Ou seja, o interesse público principal perseguido com esta ação (impedir o custeio irregular de previdência complementar por parte da Administração e restituir parte dos valores mal empregados) foi garantido com parcela das condenações. As demais obrigações impostas (de cancelamento de benefícios e abstenção de novas concessões), por sua vez, estão muito mais ligadas à relação estabelecida entre a entidade de previdência complementar e seus filiados, que ostenta outra natureza. A ingerência judicial nesse liame entre assistidos e entidade de previdência complementar, notadamente na profundidade com que foi imposta, pressuporia estar muito mais claro, agora no plano concreto, que os impactos da manutenção dos benefícios poderiam violar gravemente a esfera jurídica de número indeterminado de múltiplos sujeitos de direito. Com isso, revelar-se-ia a relevância social da intervenção e só assim se justificaria cogitar que não deveriam prevalecer, no particular, a boa-fé dos assistidos e a confiança legítima de que receberiam o retorno das suas contribuições em forma de benefícios. Mas, no caso, esse potencial impacto geral, transindividual e de efeitos coletivos deletérios, não foi o fio condutor da fundamentação externada no juízo a quo. Não houve menção sequer se a entidade de previdência complementar, só com seu próprio caixa ou com as contribuições já recolhidas dos associados, seria capaz de honrar com o pagamento dos benefícios. Diante desse cenário, não se justifica determinar a abstenção na concessão de novos benefícios, porque vulnera diretamente o princípio da confiança legítima que os assistidos tinham de que, após meses/anos de contribuição, receberiam contrapartida futura. Menos ainda, justifica-se a determinação de cancelamento de benefícios de assistidos que já estavam experimentando a fruição de acréscimo patrimonial e, de repente, sem direito de defesa, quiçá sem nem saber o porquê, teriam ceifada parcela da renda. Nesse último caso, a ofensa à segurança jurídica é até mais evidente. A preocupação geral com a manutenção da própria solidariedade do regime de previdência complementar, que justificaria a legitimidade, em abstrato, do MPF, não foi demonstrada em concreto nas decisões da origem. Não tendo sido revelada de maneira flagrante a relevância social quanto ao cancelamento de benefícios e abstenção de novas concessões, não cabia a intervenção judicial no caso, sob pena de violação dos princípios acima citados. Se as consequências desta ação puser em xeque a própria existência da entidade fechada de previdência complementar, poderá a Superintendência Nacional de Previdência Complementar atuar para dirimir todas essas questões de maneira holística e estrutural, nos termos da Lei n. 12.154/2009. É essa autarquia, no desempenho das suas atribuições técnicas, que melhor terá condições de direcionar as soluções aos problemas vistos em sua totalidade (benefícios concedidos antes de 1990, benefícios concedidos após a instituição do Regime Jurídico Único, associados ainda não beneficiados e com expectativa e direitos, associados ainda não beneficiados e com direito adquirido, etc) em caso de inviabilidade da manutenção dos benefícios.
Faixa não edificável ferroviária inicia-se após a faixa de domínio segundo a Lei 6.766/1979
O 4º, III, da Lei n. 6.766/1979 em vigor quando da propositura da demanda previa que "ao longo … das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias e dutos será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica". Conforme consignado pelo Ministério Público, pela leitura da lei, tem-se por equivocada a conclusão de considerar que a faixa não edificável estaria inserida na área de domínio, uma vez que a legislação é clara ao dizer que será observada a faixa non aedificandi de 15 metros ao longo das faixas de domínio público das ferrovias. Com isso, a interpretação correta do art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1979 deve ser no sentido de que uma faixa tem início a partir do final da outra. Registre-se, por oportuno, que atualmente a faixa non aedificandi encontra previsão no inciso III-A do art. 4º da Lei n. 6.766/1979, assim redigido: III-A - ao longo da faixa de domínio das ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado; (Redação dada Lei n. 14.285, de 2021). Assim, deve-se estabelecer como de 30 (trinta) metros a faixa sujeita à reintegração de posse, considerando-se os 15 (quinze) metros de faixa de domínio (de cada lado do eixo da via férrea) do Decreto n. 7.929/2013 reconhecidos pelo Tribunal de origem e os 15 (quinze) metros de faixa não edificável, nos termos da Lei n. 6.766/1979.
Exclusão de responsabilidade civil da concessionária de rodovia por atos criminosos de terceiros em pedágio
As pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público possuem responsabilidade objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, nos termos do que dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal. A jurisprudência desta Corte Superior pacificou-se no sentido de que a concessionária que administra rodovia mantém relação consumerista com os respectivos usuários, o que também atrai a responsabilidade objetiva. Contudo, não há como responsabilizar a concessionária de rodovia pelo roubo com emprego de arma de fogo cometido contra seus respectivos usuários, por se tratar de nítido fortuito externo (fato de terceiro), o qual rompe o nexo de causalidade, nos termos do art. 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, o dever da concessionária de garantir a segurança e a vida dos cidadãos que transitam pela rodovia diz respeito a aspectos relacionados à própria utilização da estrada de rodagem, como, por exemplo, manter sinalização adequada, evitar animais na pista, buracos ou outros objetos que possam causar acidentes, dentre outros, não se podendo exigir que a empresa disponibilize segurança armada na respectiva área de abrangência, ainda que no posto de pedágio, para evitar o cometimento de crimes. A causa do evento danoso - roubo com emprego de arma de fogo - não apresenta qualquer conexão com a atividade desempenhada pela concessionária, estando fora dos riscos assumidos na concessão da rodovia, que diz respeito apenas à manutenção e administração da estrada, sobretudo porque a segurança pública é dever do Estado.