Dimensão da propriedade não descaracteriza economia familiar na aposentadoria rural por idade
Cinge-se a controvérsia em definir se o trabalhador rural que possua área superior a 4 (quatro) módulos rurais pode ser qualificado como segurado especial da Previdência Social, após a entrada em vigor da Lei n. 11.718, de 20 de junho de 2008. Até a Lei n. 11.718/2008, o que diferenciava um produtor rural segurado especial de um produtor rural não segurado especial, pela legislação e pela normatização era a contratação de mão-de-obra. A principal mudança operada pela Lei n. 11.718/2008 diz respeito à limitação do tamanho da propriedade do produtor rural que explora atividade agropecuária. Essa lei teve por origem a Medida Provisória n. 410/2007, que apenas prorrogou o prazo do art. 143 da Lei n. 8.213/1991. Somou-se ao texto da Medida Provisória, o Projeto de Lei n. 6.548/2002, procurando aproximar o conceito do segurado especial ao de agricultor familiar, para fins de concessão de políticas públicas, nos termos da Lei n. 11.326/2006. Embora seja um critério restritivo, uma vez que até a Lei n. 11.718/2008 não se cogitava o tamanho da terra como elemento caracterizador do segurado especial, o referido normativo teve por propósito introduzir uma regra objetiva que viesse a ser coerente com as políticas públicas voltadas para a agricultura familiar. Nos termos da Lei n. 4.504/1964 (art. 4º, II e III), módulo fiscal é uma unidade de medida expressa em hectares que indica o tamanho mínimo de uma propriedade rural capaz de garantir o sustento de uma família que exerce atividade rural em determinado município. O tamanho do módulo fiscal não é linear no país, tendo por limite mínimo 5 hectares e máximo 110 hectares, sendo definido pelo INCRA (art. 50, §2º da Lei n. 4.504/1964) e, conforme dispõe o art. 50, §§ 3º e 4º da Lei n. 4.504/1964, o número de módulos fiscais de um imóvel deve ser calculado apenas sobre a área aproveitável total, considerada esta como a área passível de exploração agrícola, pecuária ou florestal, excluídas as áreas ocupadas por benfeitoria, floresta ou mata de efetiva preservação permanente, ou reflorestada com essências nativas e a área comprovadamente imprestável para qualquer exploração agrícola, pecuária ou florestal. Em prol do segurado especial, a jurisprudência faculta que, mesmo que a propriedade explorada seja superior à 4 módulos fiscais, tal condição não pode ser, por si só, suficiente para descaracterizar a qualidade de segurado especial do trabalhador rural, constituindo apenas mais um fator a ser analisado com o restante do conjunto probatório, não óbice ao reconhecimento da condição de segurado especial. Após a edição da referida lei, a jurisprudência do STJ continuou uníssona no mesmo sentido de que o fato de o imóvel ser superior ao módulo rural não afasta, por si só, a qualificação de seu proprietário como segurado especial. Nesse contexto, apesar de a Lei n. 11.718/2008 ter fixado 4 (quatro) módulos fiscais como limite para o enquadramento do trabalhador rural na qualidade de segurado especial, em um caráter objetivo, foi demonstrado que o entendimento sedimentado na jurisprudência é o de que a circunstância de a propriedade rural ser superior a 4 (quatro) módulos rurais não exclui isoladamente a condição de segurado especial, nem descaracteriza o regime de economia familiar, sendo apenas mais um aspecto a ser considerado juntamente com o restante do conjunto probatório.
Detração penal do recolhimento domiciliar noturno e em folgas como cautelar diversa da prisão
A reflexão sobre o abatimento na pena definitiva do tempo de cumprimento da medida cautelar prevista no art. 319, VII, do Código de Processo Penal (recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga), surge da ausência de previsão legal. Nos termos do art. 42 do Código Penal: "Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior". A cautelar de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga estabelece que o investigado deverá permanecer recolhido em seu domicílio nesses períodos, desde que possua residência e trabalho fixos. Essa medida não se confunde com a prisão domiciliar, mas diferencia-se de outras cautelares na limitação de direitos, pois atinge diretamente a liberdade de locomoção do investigado, ainda que de forma parcial e/ou momentânea, impondo-lhe a permanência no local em que reside. Nesta Corte, o amadurecimento da questão partiu da interpretação dada ao art. 42 do Código Penal. Concluiu-se que o dispositivo não era numerus clausus e, em uma compreensão extensiva in bonam partem, dever-se-ia permitir que o período de recolhimento noturno, por comprometer o status libertatis, fosse reconhecido como período detraído, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e em apreço ao princípio do non bis in idem. A detração penal dá efetividade ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana e ao comando máximo do caráter ressocializador das penas, que é um dos principais objetivos da execução da pena no Brasil. Assim, a melhor interpretação a ser dada ao art. 42 do Código Penal é a de que o período em que um investigado/acusado cumprir medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga (art. 319, V, do CPP) deve ser detraído da pena definitiva a ele imposta pelo Estado. Quanto à necessidade do monitoramento eletrônico estar associado à medida de recolhimento noturno e nos dias de folga para fins da detração da pena de que aqui se cuida, tem-se que o monitoramento eletrônico (ME) é medida de vigilância, que afeta os direitos fundamentais, destacadamente a intangibilidade corporal do acusado. É possível sua aplicação isolada ou cumulativamente com outra medida. Essa medida é pouco difundida no Brasil, em razão do alto custo ou, ainda, de dúvidas quanto a sua efetividade. Outro aspecto importante é o fato de que seu emprego prevalece em fases de execução da pena (80%), ou seja, não se destina primordialmente à substituição da prisão preventiva. Assim, levando em conta a precária utilização do ME como medida cautelar e, considerando que o recolhimento noturno já priva a liberdade de quem a ele se submete, não se vislumbra a necessidade de dupla restrição para que se possa chegar ao grau de certeza do cumprimento efetivo do tempo de custódia cautelar, notadamente tendo em conta que o monitoramento eletrônico é atribuição do Estado. Nesse cenário, não se justifica o investigado que não dispõe do monitoramento receber tratamento não isonômico em relação àquele que cumpre a mesma medida restritiva de liberdade monitorado pelo equipamento. Portanto, deve prevalecer a corrente jurisprudencial inaugurada pela Ministra Laurita Vaz, no RHC 140.214/SC, de que o direito à detração não pode estar atrelado à condição de monitoramento eletrônico, pois seria impor ao investigado excesso de execução, com injustificável aflição de tratamento não isonômico àqueles que cumprem a mesma medida de recolhimento noturno e nos dias de folga monitorados. Ainda, a soma das horas de recolhimento domiciliar a que o réu for submetido devem ser convertidas em dias para contagem da detração da pena. E, se no cômputo total remanescer período menor que vinte e quatro horas, esse tempo deverá ser desconsiderado, em atenção à regra do art. 11 do Código Penal, segundo a qual devem ser desprezadas, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direito, as frações de dia (HC n. 455.097/PR).
Responsabilidade solidária do alienante omisso por IPVA exige lei estadual/distrital específica
O art. 134 do CTB não encerra comando normativo capaz de autorizar os Estados e o Distrito Federal a imputarem sujeição passiva tributária ao vendedor do veículo automotor, pelo pagamento do IPVA devido após a alienação do bem, quando não comunicada a transação à repartição de trânsito, no prazo legal de sessenta dias. De fato, o dispositivo limita a responsabilização do ex-proprietário, solidariamente com o adquirente, ao pagamento de valores relativos às penalidades administrativas associadas ao veículo até a data da comunicação da venda, e não a eventuais débitos fiscais ocorrentes no período. Assim, diante do caráter oneroso do qual reveste a solidariedade, deve-se interpretá-la restritivamente, impondo-se que todas as situações e destinatários atingidos pelo vínculo jurídico estejam, inequivocamente, discriminados na lei, hipótese não verificada, todavia, no aludido permissivo legal, quanto a dívidas de natureza tributária. Por outro lado, eventual interpretação extensiva daria azo à interferência indevida da codificação de trânsito na competência tributária constitucionalmente conferida aos apontados entes federados, porquanto em desobediência aos ditames da lei complementar, conforme preconizado pelo art. 146, III, b, da Constituição da República. Nem por isso, contudo, o débito fiscal deixará de ser exigível, também, do antigo proprietário omisso do veículo alienado. Isso porque o art. 124, II, do CTN - aliado a entendimento vinculante do STF -, autoriza os Estados e o Distrito Federal a editarem lei específica para disciplinar, no âmbito de suas competências, a sujeição passiva do IPVA, podendo-se cominar à terceira pessoa a solidariedade pelo pagamento do imposto. Some-se a isso, o fato de a imputação da solidariedade ao alienante desidioso, mediante lei estadual ou distrital, observar os pressupostos que validam a instituição do vínculo à luz do art. 124, II, do CTN, porquanto presente o ato ilícito, revelado pelo descumprimento da obrigação legalmente imposta de comunicar a venda do veículo ao respectivo DETRAN, bem como porque, uma vez alienado o bem móvel, o antigo proprietário assume a condição de sujeito indiretamente atrelado ao fato descrito na hipótese de incidência tributária. Desse modo, conforme doutrina, pode ser responsável pelo pagamento do imposto, também, "o proprietário do veículo de qualquer espécie, que o alienar e não comunicar a ocorrência ao órgão público encarregado do registro e licenciamento, inscrição ou matrícula de veículo de qualquer espécie, sem a prova de pagamento ou do reconhecimento de isenção ou imunidade do imposto". Em síntese, portanto, o art. 134 do CTB não contém disciplina normativa apta a legitimar a atribuição de solidariedade tributária pelo pagamento do IPVA ao alienante omisso; porém, observados os parâmetros constitucionais e as balizas dispostas no CTN, os Estados-membros e o Distrito Federal poderão imputar-lhe tal obrigação, desde que explicitamente prevista em lei local específica.
Legalidade tributária violada na base de cálculo da Taxa de Saúde Suplementar por resolução
Cinge-se a controvérsia a determinar se a base de cálculo da Taxa de Saúde Suplementar foi concretamente estabelecida apenas por meio do art. 3º da Resolução RDC n. 10/2000, afrontando o princípio da legalidade estrita, fixado no art. 97, IV, do CTN. Alega-se, no caso, que "é ilegal a cobrança da Taxa de Saúde Suplementar prevista no art. 20, I, da Lei n. 9.961/2000, tendo em vista que a definição de sua base de cálculo através da Resolução RDC n. 10/2000 (art. 3º) e, posteriormente, pelas Resoluções Normativas n. 7, de 2002, e n. 89, de 2005, implica desrespeito ao princípio da legalidade estrita positivado no art. 97, IV, do Código Tributário Nacional - CTN". Sustenta, em síntese, que "a referência 'número médio de seus usuários de cada plano' não permite quantificar objetivamente o critério quantitativo da hipótese de incidência tributária da Taxa de Saúde Suplementar - TPS". Todavia, no STJ, está pacificado o entendimento de que apenas com o art. 3º da Resolução RDC n. 10/2000 é que se veio a estabelecer a base de cálculo da Taxa de Saúde Suplementar - TSS, não sendo possível admitir a fixação de base de cálculo por outro instrumento normativo que não a lei em seu sentido formal, sob pena de infringência à norma do art. 97, IV, do CTN. Neste sentido: "Conforme jurisprudência pacífica do STJ, é ilegal a cobrança da Taxa de Saúde Suplementar (art. 20, I, da Lei 9.961/2000), tendo em vista que a definição de sua base de cálculo pelo art. 3º da Resolução RDC 10/2000 implica desrespeito ao princípio da legalidade (art. 97, IV, do CTN)". AREsp 1.551.000/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19/12/2019; bem como em outros julgados: AREsp 1.507.963/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 16/09/2019; AgInt no REsp 1.276.788/RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, DJe 30/03/2017; AgRg no REsp 1.231.080/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 31/08/2015; AgRg no AgRg no AREsp 616.262/PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 12/05/2015; AgRg no AREsp 608.001/RS, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 04/02/2015; AgRg no AREsp 552.433/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 11/12/2014; e AgRg no REsp 1.434.606/PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 30/09/2014. Não havendo outros elementos valorativos, tampouco argumentação relevante, deve ser preservada a coesão da jurisprudência já estabelecida no STJ (art. 926 do CPC/2015).
Ação de sonegados dispensa interpelação pessoal com prova de dolo e ciência
A despeito do entendimento de que "somente após a interpelação do herdeiro sobre a existência de bens sonegados é que a recusa ou omissão configura prova suficiente para autorizar a incidência da pena de sonegados", ainda que a interpelação dos herdeiros não tenha ocorrido, é possível aplicar a pena de perdimento da herança quando comprovados o conhecimento dos herdeiros acerca da ocultação de bens da herança (elemento objetivo), e o dolo (má-fé) existente na conduta de sonegação de bens da herança (elemento subjetivo). No caso, é inconteste ter havido doação inoficiosa do patrimônio amealhado na constância do matrimônio do extinto, em prejuízo do acervo hereditário e em benefício de determinados coerdeiros, sem, contudo, a posterior colação no monte inventariado, com o explícito animus de enriquecimento indevido de uns em detrimento de outros e, ainda, com a simples defesa sustentada no argumento de não se ter de colacionar bens desassociados do nome do de cujus. O patrimônio discutido não constava no nome do falecido, pois as coerdeiras comprovaram que os bens compunham o capital imobilizado dos herdeiros beneficiados - os quais foram adquiridos quando ainda em tenra idade e sem produzirem renda alguma -, em clara antecipação de legítima. A inventariante foi devida e oportunamente interpelada acerca da ocultação de determinados bens, no curso do inventário, quando esta era representante do espólio e de coerdeira - e assistente do coerdeiro relativamente capaz - de modo que todos faziam parte do mesmo processo, assim como eram defendidos pelo mesmo advogado, e, ainda sim, mantiveram a omissão do patrimônio. Posteriormente, já após alcançarem a maioridade, os mesmos coerdeiros tornaram censurável a prática, reiterando a mesma postura sonegadora dos bens adotada quando representados e assistidos pela genitora, ao contestarem a presente ação de sonegados contra si manejada. Com isso, associaram-se ao dolo da inventariante, quando os representara e assistira por ocasião da interpelação, em evidente prejuízo às irmãs unilaterais. Como ressaltado pelo Ministro Luis Felipe Salomão: "configurar-se-á o dolo, revelando-se descabido exigir do herdeiro preterido (ou do credor do espólio) uma prova diabólica - impossível ou excessivamente difícil de ser produzida". Sob essa ótica, é inaceitável impor o refazimento de um ato processual já providenciado há muito tempo, exigindo-se uma nova, pessoal e específica interpelação àquele herdeiro silente e renitente em cumprir um dever que é só dele, pois incumbe a quem foi beneficiado com o adiantamento da legítima trazer o patrimônio ao monte do inventário.