Incidência de IR e CSLL sobre correção monetária de aplicações financeiras como receita bruta
De início, ressalte-se que a análise do caso rechaça qualquer analogia possível com os Temas n. 808 e n. 962 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal. Com efeito, está sob exame nesta assentada a incidência do IRRF, do IRPJ e da CSLL sobre as variações patrimoniais das aplicações financeiras, variações estas decorrentes da utilização do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA ou de quaisquer outros índices reconhecidos em lei ou contrato, que reflitam a inflação do período, ou seja, quaisquer índices que tenham por objetivo realizar a correção monetária dos rendimentos de aplicações financeiras. Cabe a distinção entre o que se discute nos presentes autos e o que foi discutido nos precedentes em sede de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, os quais reconheceram a não incidência de imposto de renda sobre juros de mora, seja em razão da mora no atraso do pagamento de remuneração laboral, seja em razão da mora proveniente da repetição de indébito tributário (RE 855.091 - RS, Tema n. 808: "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função"; e RE n. 1.063.187 - SC, Tema n. 962: "É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário)". Seguramente, juros de mora não equivalem a rendimentos de aplicações financeiras. Os rendimentos de aplicações financeiras mais se assemelham aos juros remuneratórios, os quais, como verba remuneratória que são, em nenhum momento foram analisados pelos mencionados precedentes do Supremo Tribunal Federal. Os juros de mora foram analisados pelo STF como verba indenizatória decorrente do atraso no pagamento de remuneração laboral ou da mora na repetição de indébito tributário, jamais da remuneração regular e em tempo que caracteriza as verbas remuneratórias, como no presente caso em que se trata de aplicações financeiras. Outrossim, também cabe a distinção entre o que se discute nos presentes autos e o que foi discutido neste Superior Tribunal de Justiça nos precedentes que se referem à tributação do lucro inflacionário prevista no art. 21 da Lei n. 7.799/1989. Isso porque a tributação do lucro inflacionário foi aquela estabelecida especificamente nos arts. 4º e 21 a 26 da Lei n. 7.799/1989, que levava em consideração a incidência de correção monetária nas demonstrações financeiras das pessoas jurídicas envolvendo não apenas seus rendimentos, mas todos os seus bens. Diferentemente, no caso sob exame agora nestes repetitivos há uma atividade econômica em andamento que é a própria aplicação financeira existente de cujo rendimento se fala, na condição de renda como produto do capital investido (art. 43, I, do CTN). Não se trata da tributação da universalidade de patrimônio inerte, mas de uma fração do patrimônio economicamente investido e submetido a determinadas regras de remuneração próprias do investimento realizado e que podem ou não incorporar índices inflacionários. Outrossim, as leis em vigor são outras totalmente distintas já que a sistemática do lucro inflacionário vigente para um período de total indexação da economia, como já dito, foi revogada pelo art. 4º da Lei n. 9.249/1995. Assim, também é de se rechaçar aqui qualquer analogia possível com a sistemática de tributação do lucro inflacionário e respectivos precedentes produzidos nesta Casa. Nesse mesmo sentido já foi decidido por esta Primeira Seção ao decretar a ausência de similitude fático-jurídica entre os casos. (AgInt nos EREsp. 1.899.902 / RS, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 3.5.2022). Avançando agora especificamente no tocante aos repetitivos em apreço, registra-se que o contribuinte não tem direito à dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL da inflação (correção monetária) incidente no período entre a data-base e o vencimento do título (aplicação financeira). No que diz respeito ao rendimento calculado, a inflação corresponde apenas à atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo, que é permitida pelo art. 97, § 2º, do CTN, independentemente de lei, já que não constitui majoração de tributo. A toda evidência, o rendimento é calculado a partir da diferença entre uma situação inicial e uma situação final. A liquidação, o resgate e a repactuação (manutenção do investimento) são situações expressamente previstas no art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.981/1995 como hipóteses de incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF, cuja base de cálculo é a diferença entre o valor da alienação e o valor da aplicação. Como correção monetária também é moeda e a economia resta desindexada desde a vigência do art. 4º da Lei n. 9.249/1995, não há como a excluir do cálculo, pois assume contornos de remuneração pactuada quando da feitura do investimento. Observa-se que o contribuinte, em tais situações, também ganha com a correção monetária porque seu título ou aplicação financeira foi por ela remunerado. Sendo assim, há justiça na tributação dessa proporção, pois a restauração dos efeitos corrosivos da inflação deve atender tanto ao contribuinte (preservação do capital aplicado) quanto ao fisco (preservação do valor do tributo). E aqui convém fazer o mesmo exercício lógico para as situações de deflação: fisco e contribuinte serão afetados negativamente necessariamente na mesma proporção. Do mesmo modo, analisada a questão sob o ângulo das despesas financeiras, se elas repercutem integralmente - incluindo a taxa de inflação nelas embutida - no montante das despesas contabilizadas no Resultado do Exercício, reduzindo automaticamente o lucro tributável, não é razoável que no caso de reconhecimento das receitas financeiras tal procedimento não se repita, usufruindo o contribuinte das vantagens de deduzir a correção monetária embutida em suas despesas financeiras, sem contabilizá-la como receita tributável em suas receitas financeiras. Sem dúvida, os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras incrementam positivamente o patrimônio do contribuinte, diferentemente daquele outro que, possuindo o mesmo capital, o mantém em conta de simples depósito. Assim, pelo conjunto do raciocínio, há uma espécie de sociedade entre fisco e contribuinte no destino do capital aplicado que deve ser preservada. Essa é a lógica do artigo de lei citado (art. 97, § 2º, do CTN): manter o fato-signo presuntivo de riqueza íntegro, sem corrosão inflacionária. No julgamento do RE 201.465/MG (STF, Pleno, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. para acórdão Ministro Nelson Jobim, julgado em 3.5.2002), quando o Supremo Tribunal Federal discutiu a atualização monetária das demonstrações financeiras das pessoas jurídicas, o Ministro Nelson Jobim, relator para o acórdão, ressaltou que "[...] não há um direito constitucional à indexação real, nem nas relações privadas, nem nas relações de direito público, sejam elas tributárias ou de outra natureza. A questão é de direito monetário, pois, ampla a liberdade de conformação do legislador para dar, ou não, eficácia jurídica ao fenômeno da perda do valor de compra da moeda [...]". Essa mesma compreensão foi adotada por este Superior Tribunal de Justiça ao definir que a correção monetária das demonstrações financeiras depende de lei que a autorize, de forma que, existindo regra que a vede (art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 9.249/1995), não cabe ao poder judiciário atuar como legislador positivo e determinar um indexador para tanto. Outrossim, a incidência da tributação deriva da aplicação do disposto no art. 404 do Decreto n. 9.580/2018 (RIR/2018), que considera o total da variação monetária decorrente da aplicação de tais índices como receitas financeiras e reproduzem o disposto no art. 18 do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e no art. 9º da Lei n. 9.718/1998. A incidência da tributação também deriva da aplicação do art. 788 do Decreto n. 9.580/2018 (RIR/2018), que trazem as normas gerais de incidência do Imposto de Renda no Mercado de Renda Fixa e reproduzem a norma antielisiva constante do art. 51 da Lei n. 7.450/1985. Veja-se que os dispositivos legais deixam claro que há uma via de duas mãos, pois as variações monetárias podem ser consideradas como receitas (variações monetárias ativas) ou despesas (variações monetárias passivas). Isso significa que quando são negativas, geram prejuízo que irá reduzir a base de cálculo do IRPJ e da CSLL devidos. É de observar que o pleito do contribuinte se volta apenas contra a parte da legislação que lhe prejudica (variações monetárias ativas), preservando a parte que lhe beneficia (variações monetárias passivas). Ora, fosse o caso de se declarar a inconstitucionalidade da norma, haveria que ser declarada a inconstitucionalidade de toda a sistemática, tornando impossível a tributação de aplicações financeiras. Não é esse o caso, principalmente diante do repetitivo julgado por esta Casa no Tema 162, onde reconhecida a legalidade da tributação pelo IR e CSLL das aplicações financeiras (REsp 939.527/MG, Primeira Seção, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 24/6/2009), e do recente julgamento em sede de repercussão geral pelo STF do Tema n. 699 (RE 612.686/SC, Plenário, Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 28.10.2022), onde foi decidido pela constitucionalidade da incidência do IRRF e da CSLL sobre as receitas e resultados decorrentes das aplicações financeiras dos fundos fechados de previdência complementar. O caso é que, em uma economia desindexada, a correção monetária, pactuada ou não, se torna componente do rendimento da aplicação financeira a que se refere. Sendo assim, seja pelo disposto no art. 97, II, § 2º, do CTN, seja pelo art. 18 do Decreto-Lei n. 1.598/1977, ou pelo art. 9º da Lei n. 9.718/1998, ou ainda pelo art. 51 da Lei n. 7.450/1985, o IRPJ e a CSLL incidem sobre a correção monetária das aplicações financeiras, posto que estas se caracterizam legal e contabilmente como Receita Bruta, na condição de Receitas Financeiras componentes do Lucro Operacional. Também é farta a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a correção monetária não pode ser extraída da base de cálculo do Imposto de Renda. O entendimento aplicável ao IRRF e ao IRPJ sabidamente também o é para a CSLL em razão do disposto no art. 6º da Lei n. 7.689/1988, no art. 57 da Lei n. 8.981/1995 e no art. 28 da Lei n. 9.430/1996, que estendem as normas de apuração do Imposto de Renda para a referida contribuição.
Audiência do art. 16 da Lei Maria da Penha: confirmação de retratação com manifestação prévia
A controvérsia consiste em definir se a audiência preliminar prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é ato processual obrigatório determinado pela lei ou se configura apenas um direito da ofendida, caso manifeste o desejo de se retratar. A Lei Maria da Penha disciplina procedimento próprio para que a vítima possa eventualmente se retratar de representação já apresentada. Dessarte, dispõe o art. 16 da Lei n. 11.340/2006 que, "nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público". A norma cuida apenas das hipóteses de ações penais públicas condicionadas à representação, nas quais a representação da vítima constitui condição de procedibilidade para a instauração do inquérito policial e de futura ação penal. Essencialmente, são duas as condições necessárias e concomitantes para a realização da audiência: (1) a prévia manifestação da vítima levada ao conhecimento do juiz, expressando seu desejo de se retratar e (2) a confirmação da retratação da vítima perante o magistrado, antes do recebimento da denúncia, em audiência especialmente designada para tanto. Nesse sentido, é imperativo que a vítima, sponte propria, revogue sua declaração anterior e leve tal revogação ao conhecimento do magistrado para que se possa cogitar da necessidade de designação da audiência específica prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha. Pode-se mesmo afirmar que a intenção do legislador, ao criar tal audiência, foi a de evitar ou pelo menos minimizar a possibilidade de oferecimento de retratação pela vítima em virtude de ameaças ou pressões externas, garantindo a higidez e autonomia de sua nova manifestação de vontade em relação à persecução penal do agressor. Assim, não há como se interpretar a regra contida no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 como uma audiência destinada à confirmação do interesse da vítima em representar contra seu agressor, pois a letra da lei deixa claro que tal audiência se destina à confirmação da retratação. Como regra geral, o Direito Civil (arts. 107 e 110 do CC) já prevê que, exarada uma manifestação de vontade por indivíduo reputado capaz, consciente, lúcido, livre de erros de concepção, coação ou premente necessidade, tal declaração é válida até que sobrevenha manifestação do mesmo indivíduo em sentido contrário. Transposto o raciocínio para o contexto que circunda a violência doméstica, a realização de novo questionamento sobre a subsistência do interesse da vítima em representar contra seu agressor ganha contornos mais sensíveis e até mesmo agravadores do estado psicológico da vítima, na medida em que coloca em dúvida a veracidade de seu relato inicial, quando não raras vezes ela está inserida em um cenário de dependência emocional e/ou financeira, fazendo com que a ofendida se questione se vale a pena denunciar as agressões sofridas, enfraquecendo o objetivo da Lei Maria da Penha de garantir uma igualdade substantiva às mulheres que sofrem violência doméstica e até mesmo levando-as, desnecessariamente, a reviver os traumas decorrentes dos abusos. Esta Corte também tem entendido que "a audiência do art. 16 deve ser realizada nos casos em que houve manifestação da vítima em desistir da persecução penal. Isso não quer dizer, porém, que eventual não comparecimento da ofendida à audiência do art. 16 ou a qualquer ato do processo seja considerado como 'retratação tácita'. Pelo contrário: se a ofendida já ofereceu a representação no prazo de 06 (seis) meses, na forma do art. 38 do CPP, nada resta a ela a fazer a não ser aguardar pelo impulso oficial da persecutio criminis" (AREsp 1.165.962/AM, Relator Ministro Sebastião Reis Junior, DJe 22/11/2017; EDcl no REsp 1.822.250/SP, Relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 11/11/2019). Tudo isso ponderado, ressalta nítido que a audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 não pode ser designada de ofício pelo magistrado, até porque uma iniciativa com tal propósito corresponderia à criação de condição de procedibilidade (ratificação da representação) não prevista na Lei Maria da Penha, viciando de nulidade o ato praticado de ofício pelo juiz.
Aplicabilidade da Súmula 111 do STJ no CPC 2015 na fixação de honorários advocatícios
A controvérsia que se traz à discussão, em regime repetitivo, está em definir se, com o advento do CPC de 2015, ainda continuará prevalecendo, ou não, a linha de corte trazida na modificada redação da Súmula n. 111/STJ, no ponto em que exclui da base de cálculo dos honorários advocatícios as prestações vencidas após a sentença favorável ao segurado. O inciso II do § 4º do art. 85 do CPC/2015 nada dispõe a respeito da base de cálculo para a incidência da verba advocatícia, limitando-se a postergar tão só a definição de seu percentual (conforme as faixas econômicas dispostas no § 3º do mesmo artigo) para depois de apurado o correspondente quantum debeatur em procedimento liquidatório. Tem-se que o desenganado intuito da Súmula n. 111/STJ, com a modificação que recebeu em 2006, foi o de desestimular o indevido prolongamento da demanda, possibilitando que o segurado demandante logo recebesse as prestações judicialmente reconhecidas em seu favor. Assim é que a jurisprudência da Terceira Seção, que precedeu e respaldou a mencionada modificação sumular, passou a compreender que, "Tomando-se o marco final das prestações vencidas como o trânsito em julgado da decisão, tem-se uma situação inusitada, na qual a morosidade no término do processo reverte em maiores ganhos ao patrocinador do segurado" (EREsp 195.520/SP, relator Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 22/9/1999, DJ 18/10/1999, p. 207). Mais conveniente, por isso, que se antecipasse aquele marco final para a mesma data da prolação da sentença condenatória. Daí que, como asseverado em outro emblemático julgado, proferido também em 1999, "Esta interpretação, além de facilitar a execução da sentença, evita conflito de interesses entre parte-autora e patrono, o que deve ser sempre buscado, porquanto a este interessaria a delonga da causa, com vistas a uma maior base de cálculo dos honorários, enquanto àquela o seu apressamento, para ter satisfeita a pretensão deduzida" (EREsp 198.260/SP, relator Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção, julgado em 13/10/1999, DJ 16/11/1999, p. 183). Nesse sentido, a atual jurisprudência das duas Turmas que integram esta Primeira Seção, que hoje detém atribuição regimental para deliberar acerca de assuntos relativos a benefícios previdenciários, inclusive os decorrentes de acidentes do trabalho (art. 9º, § 1º, XIII, do RISTJ), mostra-se convergente no sentido de que, mesmo após a vigência do CPC/2015, continua aplicável o comando gizado na Súmula n. 111/STJ.
Vazamento de dados pessoais por si só não gera dano moral presumido
Trata-se, na origem, de ação de indenização ajuizada por pessoa idosa contra concessionária de energia elétrica pleiteando indenização por danos morais decorrentes do vazamento e acesso, por terceiros, de dados pessoais. O art. 5º, II, da Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD dispõe de forma expressa quais dados podem ser considerados sensíveis e, devido a essa condição, exigir tratamento diferenciado, previsto em artigos específicos. Os dados de natureza comum, pessoais mas não íntimos, passíveis apenas de identificação da pessoa natural não podem ser classificados como sensíveis. Os dados objeto da lide são aqueles que se fornece em qualquer cadastro, inclusive nos sites consultados no dia a dia, não sendo, portanto, acobertados por sigilo, e o conhecimento por terceiro em nada violaria o direito de personalidade da recorrida. O vazamento de dados pessoais, a despeito de se tratar de falha indesejável no tratamento de dados de pessoa natural por pessoa jurídica, não tem o condão, por si só, de gerar dano moral indenizável. Ou seja, o dano moral não é presumido, sendo necessário que o titular dos dados comprove eventual dano decorrente da exposição dessas informações. Diferente seria se, de fato, estivéssemos diante de vazamento de dados sensíveis, que dizem respeito à intimidade da pessoa natural.
Competência da Justiça Federal para julgar falsidade ideológica envolvendo FUNAI e RANI
O objeto do conflito cinge-se a definir o Juízo competente para processar o crime de falsidade ideológica, consubstanciado no fornecimento de informação inverídica para confecção de Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) e posterior inscrição em cadastro de programa de transferência de renda de âmbito nacional. O Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) é lavrado perante a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, autarquia federal, sendo um meio para instruir o registro civil de indígena (art. 13, parágrafo único, da Lei n. 6.001/1973). Considerando que a informação falsa foi fornecida a servidor de autarquia federal, entendo que a competência seja da Justiça Federal, ante a existência de interesse direto da União no crime sob apuração, sendo o caso de aplicar, por analogia, o entendimento firmado na Súmula n. 546/STJ: "A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação do órgão expedidor". Ademais, a existência de indícios de que a falsificação visava à inscrição em programa de transferência de renda, custeado com os recursos do Tesouro Nacional, também é suficiente para atrair o interesse da União no crime sob apuração. Desse modo, compete à Justiça Federal o julgamento do crime de falsidade ideológica, consubstanciado no fornecimento de informação inverídica a servidor de autarquia federal (FUNAI), para fins de emissão de RANI (Registro Administrativo de Nascimento de Indígena), seja porque tal conduta foi perpetrada em detrimento de servidor da autarquia federal, seja porque, no caso, o delito visava à inscrição indevida em programa de transferência de renda custeado com recursos do Tesouro Nacional.