Inaplicabilidade do ônus probatório publicitário do CDC em ações de concorrência desleal

STJ
768
Direito Do Consumidor
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 25 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STJ 768

Tese Jurídica

A disposição do Código de Defesa do Consumidor acerca do ônus probatório da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária, a princípio, não se aplica em demanda envolvendo concorrência desleal.

Comentário Damásio

Resumo

A controvérsia diz respeito a verificar se seria possível, em ação visando à cessação da veiculação de publicidade supostamente enganosa, a inversão do ônus da prova a que alude o art. 38 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mesmo quando em demanda envolvendo concorrência desleal. No caso, sociedade empresária do ramo de lanchonetes busca fazer cessar propaganda supostamente enganosa veiculada por sociedade empresária concorrente consistente no uso da frase "The Best Burger in the World", traduzida em português por "O melhor hambúrguer do mundo" em todo seu material publicitário e nas fachadas dos restaurantes. De acordo com a teoria do diálogo das fontes, as fontes normativas, que hoje são plurais e, em muitos casos, convergentes, no lugar de apenas se excluírem mutuamente, devem também, frequentemente, dialogar entre si, cabendo ao aplicador do Direito coordená-las. Considerando especificamente a relação existente entre o Direito da Concorrência e o Direito do Consumidor, o diálogo se dá, nesse caso específico, sob a forma de coordenação e de adaptação sistemática. No entanto, esse diálogo de coordenação e de adaptação sistemática entre Direito da Concorrência e Direito do Consumidor apenas ocorre quando, de um lado, as normas consumeristas reforçam a proteção ao mercado concorrencial, ou quando, de outro lado, as normas concorrenciais somam esforços na proteção do consumidor. Isso, porém, não é o que se verifica no que diz respeito especificamente à norma prevista no art. 38 do CDC. A inversão automática do ônus da prova está fundada no pressuposto de vulnerabilidade do consumidor, especialmente no que diz respeito à publicidade, com o objetivo de garantir a igualdade material e de reforçar a sua proteção, inclusive no acesso à Justiça. Com efeito, em demanda envolvendo Direito da Concorrência, não se mostra correta a presunção de vulnerabilidade da parte autora, não se justificando a inversão direta e automática determinada pelo art. 38 do CDC. Note-se que, na eventualidade de se verificar que, em determinada ação envolvendo Direito da Concorrência, seria particularmente impossível ou excessivamente dificultoso ao autor assumir o ônus da prova, é perfeitamente possível ao juízo da causa a distribuição dinâmica desse ônus, conforme autoriza o art. 373, § 1º, do CPC, que ocorreria ope judicis e especificamente para o caso concreto, diferentemente do quanto preconiza o art. 38 do CDC. Ademais, a aplicação da norma prevista no art. 38 do CDC à s relações concorrenciais, além de não se mostrar necessária, diante do quanto previsto no art. 373, § 1º, do CPC, poderia - paradoxalmente - ser utilizada, em determinadas circunstâncias, justamente como instrumento anticoncorrencial. Com efeito, o abuso do direito de ação é uma das formas pelas quais se pode revestir a infração à ordem econômica. Em conduta que ficou conhecida pelo termo em inglês sham litigation, o agente econômico pode se valer de litígio simulado - cuja solução, a rigor, lhe seria irrelevante - para prejudicar a atividade de um pequeno concorrente, que passa a ter que se defender em processo longo e dispendioso, com resultado incerto. Nesses casos, o processo é utilizado não com o fim de obter o provimento jurisdicional, mas, sim, como meio de dificultar a atividade do concorrente ou mesmo de barrar a entrada de novos competidores no mercado. Nesse contexto, a inversão automática do ônus da prova prevista pelo art. 38 do CDC poderia facilitar o abuso do direito de ação, incentivando esse tipo de estratégia anticoncorrencial, uma vez que, a partir do ajuizamento de demanda frívola, o ônus da prova estaria direta e automaticamente imposto ao concorrente com menor porte econômico.

Conteúdo Completo

A disposição do Código de Defesa do Consumidor acerca do ônus probatório da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária, a princípio, não se aplica em demanda envolvendo concorrência desleal.

Informações Gerais

Número do Processo

REsp 1.866.232-SP

Tribunal

STJ

Data de Julgamento

21/03/2023

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