Oitiva da vítima independe da extinção da punibilidade para concessão ou prorrogação de medidas protetivas
A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que, extinta a punibilidade, não subsistem mais os fatores para a manutenção/concessão de medidas protetivas, sob pena de eternização da restrição de direitos individuais. Nesse sentido, as duas Turmas de Direito Penal desta Corte vem decidindo que, embora a lei penal/processual não prevê um prazo de duração da medida protetiva, tal fato não permite a eternização da restrição a direitos individuais, devendo a questão ser examinada à luz dos princípios da proporcionalidade e da adequação. Se não há prazo legal para a propositura de ação (normalmente criminal, pela competência ordinária para o processo da violência doméstica), tampouco se pode admitir eterna restrição de direitos por medida temporária e de urgência. Assim, concernente ao tema, a Sexta Turma já entendeu que "[...] Dado o lapso temporal transcorrido entre o deferimento das medidas protetivas no ano de 2016 até o presente momento, havendo, inclusive, o reconhecimento da extinção da punibilidade do agente, em relação aos fatos descritos no boletim de ocorrência, deve ser mantida a decisão recorrida que revogou medidas protetivas, indevidamente eternizadas pela não propositura da ação de conhecimento, sendo despiciendo o retorno dos autos para avaliação da manutenção da medida protetiva (AgRg no REsp 1.769.759/SP, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 14/5/2019). Todavia, nos termos do Parecer Jurídico emanado pelo Consórcio Lei Maria da Penha, "a revogação de medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da vítima para avaliação da cessação efetiva da situação de risco à sua integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial. Tanto mais que assinala o Protocolo para o Julgamento com Perspectiva de Gênero, 'as peculiares características das dinâmicas violentas, que, em regra, ocorrem no seio do lar ou na clandestinidade, determinam a concessão de especial valor à palavra da vítima' (CNJ, 2021, p. 85). [...], enquanto existir risco ao direito da mulher de viver sem violência, as restrições à liberdade de locomoção do apontado agente são justificadas e legítimas. O direito de alguém de não sofrer violência não é menos valioso do que o direito de alguém de ter liberdade de contato ou aproximação. Na ponderação dos valores não pode ser aniquilado o direito à segurança e à proteção da vítima". Assim, antes do encerramento da cautelar protetiva, a defesa deve ser ouvida, notadamente para que a situação fática seja devidamente apresentada ao Juízo competente, que, diante da relevância da palavra da vítima, verifique a necessidade de prorrogação/concessão das medidas, independentemente da extinção de punibilidade do autor.
Competência ratione personae em ações de saúde sobre medicamentos não padronizados do SUS
A controvérsia consiste em analisar se compete ao autor a faculdade de eleger contra quem pretende demandar na hipótese de medicamento não incluído nas políticas públicas, mas devidamente registrado na ANVISA, considerando a responsabilidade solidária dos entes federados na prestação de saúde. E, em consequência, examinar se é indevida a inclusão da União no polo passivo da demanda, seja por ato de ofício, seja por intimação da parte para emendar a inicial, sem prévia consulta à Justiça Federal. Considerando que a obrigatoriedade de se formar litisconsórcio é determinada pela lei ou pela natureza da relação jurídica, não se vislumbram os requisitos para formação do referido instituto nas demandas relativas à saúde propostas com o objetivo de compelir os entes federados ao cumprimento da obrigação de fazer consistente na dispensação de medicamentos não inseridos na lista do SUS, mas registrados na ANVISA. Isso porque, na solidariedade passiva, o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum. Embora seja possível aos entes federais organizarem-se de maneira descentralizada com relação às políticas públicas na área da saúde, essa organização administrativa não afasta o dever legal de o Estado (lato sensu) assegurar o acesso à medicação ou ao tratamento médico a pessoas desprovidas de recursos financeiros, em face da responsabilidade solidária entre eles. Em outras palavras, a possibilidade de o usuário do SUS escolher quaisquer das esferas do Poder para obter a medicação e/ou insumos desejados, de forma isolada e indistintamente - conforme ratificado pelo próprio Supremo no julgamento do Tema n. 793/STF -, afasta a figura do litisconsórcio compulsório ou necessário, por notória antinomia ontológica. A dispensação de medicamentos é uma das formas de atender ao direito à saúde, que compõe a esfera dos direitos fundamentais do indivíduo, mas não é, em si, o objeto principal da obrigação de prestar a assistência à saúde, por força do contido no art. 196 da Constituição Federal. As regras de repartição de competência administrativa do SUS não devem ser invocadas pelos magistrados para fins de alteração do polo passivo delineado pela parte no momento do ajuizamento da demanda, mas tão somente para redirecionar o cumprimento da sentença ou determinar o ressarcimento da entidade federada que suportou o ônus financeiro no lugar do ente público competente, nos termos do decidido no julgamento do Tema n. 793/STF. No que diz respeito aos critérios definidores da competência da Justiça Federal, o julgamento do Tema n. 793/STF não modificou a regra de que compete à Justiça Federal decidir acerca da existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas (Súmula 150 do STJ), bem como de que não cabe à Justiça estadual reexaminar a decisão, manifestando-se contrariamente (Súmula 254 do STJ). Outrossim, nos conflitos de competência direcionados ao STJ, observa-se que os juízes federais não afastam a legitimidade da União, em face do disposto no art. 19-Q da Lei n. 8.080/1990, tampouco a possibilidade de redirecionamento do cumprimento da obrigação, conforme decidido no Tema n. 793, pelo STF, mas apenas reconhecem a existência de litisconsorte facultativo. Diante disso, os juízes federais consideram inadequada a decisão da Justiça estadual que determina a intimação da parte autora para emendar a inicial, sob pena de extinção do feito, bem como o ato do magistrado que, de ofício, inclui o ente federal na lide, visto que nenhum dos procedimentos encontra amparo legal. Portanto, deve-se respeitar a opção da parte autora, não cabendo ao juiz estadual determinar que se proceda à emenda da inicial para incluir a União no polo passivo da demanda, uma vez que não se trata de litisconsórcio necessário, mas sim facultativo para entrega de coisa certa (fornecimento de medicação ou tratamento médico específico), cuja satisfação não comporta divisão. Quanto ao redirecionamento da demanda ao ente responsável pela prestação do serviço de saúde e chamamento ao processo do obrigado, entende-se que, no ônus financeiro da dispensação do medicamento, insumos e tratamentos médicos, nada impede que o ente demandado se valha do estatuído no art. 35, VII, da Lei n. 8.080/1990. O dispositivo prevê a possibilidade de "ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de governo" caso, ao final, demonstre não ser sua a atribuição para o fornecimento do fármaco. Tal situação também encontra amparo no disposto nos arts. 259, parágrafo único; 285 do Código Civil/2002 e 23 do Decreto n. 7.508/2011. Ainda que haja entraves burocráticos para o ressarcimento, a solução para o problema não é transferir a demanda para a Justiça Federal em situações em que isso não é cabível, ao arrepio da legislação processual civil e da Constituição Federal, sob pena de impor diversos obstáculos ao paciente que depende de fármaco e/ou tratamento médico urgente para evitar o agravamento de sua doença ou até mesmo o risco de morte. Por fim, a jurisprudência desta Corte, consolidada no REsp 1.203.244/SC, no sentido de inadmitir o chamamento ao processo dos demais devedores solidários em demandas de saúde contra o SUS, na forma do art. 130 do CPC/2015, deve ser mantida, exceto se houver posterior pronunciamento do STF em sentido contrário.
Poder do juiz de adequar decisão em inventário à orientação vinculante do STF
Fora proferida decisão interlocutória nesse inventário, que aplicou combinadamente os arts. 1.725 e 1.790, ambos do CC/2002, para garantir, sem nenhuma ressalva, que a parte participasse da sucessão do falecido quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável. Todavia, no curso da ação de inventário, sobreveio a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema 809, segundo a qual "é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002". A partir dessa nova realidade normativa, foi proferida a decisão interlocutória que indeferiu os pedidos formulados pela parte (reconhecimento de meação em relação aos bens adquiridos durante a união estável e de concorrer com as filhas do falecido em relação aos bens particulares por ele deixados), ao fundamento de que a impossibilidade de a parte concorrer com as filhas do falecido decorre textualmente do art. 1.829, I, do CC/2002, aplicável às uniões estáveis justamente em virtude da tese fixada no julgamento do tema 809/STF. Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 (Tema STF 809), o Supremo Tribunal Federal modulou temporalmente a aplicação da tese para apenas "os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha", de modo a tutelar a confiança e a conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (ou seja, às ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002). Esta Corte, ao examinar justamente a questão debatida na hipótese - a pré-existência de uma decisão interlocutória a respeito de uma determinada questão sucessória, que fora atingida pelo julgamento do tema 809/STF, em inventário ainda não transitado em julgado -, concluiu ser lícito ao juiz proferir nova decisão para ajustar questão sucessória, existente em inventário ainda não concluído, à orientação vinculante emanada do Supremo Tribunal Federal (REsp 1.904.374/DF, Terceira Turma, DJe 15/4/2021). Isso porque, "desde a reforma promovida pela Lei 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna inexigível o título que nela se funda, tratando-se de matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença- ou seja, após o trânsito em julgado da sentença (art. 475, II e § 1º, do CPC/73) -, motivo pelo qual, com muito mais razão, deverá o juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do Tema 809" (REsp 1.857.852/SP, Terceira Turma, DJe 22/3/2021).
Irrecorribilidade de decisão do STJ sobre pedido de retirada de feito de sessão virtual
É assente, neste Superior Tribunal de Justiça, que o pronunciamento jurisdicional que, nesta Corte, delibera acerca da inclusão, ou não, do feito em sessão de julgamento virtual (arts. 184-C e 184-F, § 2º, ambos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça) tem natureza jurídica de despacho, sendo, por isso mesmo, irrecorrível. Ainda que o pronunciamento do juiz verse a respeito de um requerimento da parte, tal circunstância não o torna, automaticamente, uma decisão. Não por acaso, prevê o art. 203, § 3º, do Código de Processo Civil, aplicável, in casu, que "[s]ão despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte". Não havendo carga decisória no ato praticado pelo magistrado, ou seja, não se decidindo sobre nenhum aspecto da pretensão veiculada pela parte, o pronunciamento jurisdicional só pode ser classificado como despacho. Assim sendo, o ato não será objeto de recurso, consoante prevê a norma insculpida no art. 1.001 do Código de Processo Civil ("[d]os despachos não cabe recurso"). Tal compreensão é matéria pacífica no âmbito das Cortes de Vértice. Deste Superior Tribunal de Justiça, a título ilustrativo, destaca-se o julgamento do AgRg no RtPaut no AREsp 2.186.572/RJ, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 15/12/2022. De todo modo, não se constata prejuízo no julgamento virtual do agravo regimental interposto contra a decisão monocrática que julgou prejudicado o habeas corpus, sobretudo pela possibilidade do encaminhamento de memoriais e de sustentação oral (art. 184-B, § 1º, do RISTJ), ambos acessíveis a todos os integrantes do Órgão Colegiado.
Incompetência do órgão colegiado para embargos de declaração contra decisão monocrática
No silêncio do Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil é aplicado de forma subsidiária, e este dispõe, expressamente, em seu art. 1.024, § 2º, que: "quando os embargos de declaração forem opostos contra decisão de relator ou outra decisão unipessoal proferida em tribunal, o órgão prolator da decisão embargada decidi-los-á monocraticamente". Por isso, o julgamento, por Órgão Colegiado, dos embargos de declaração opostos contra decisão monocrática, evidencia notório desrespeito da competência legalmente prevista para o julgamento do recurso integrativo. Destaca-se, ainda, que tal erro procedimental não foi o único e, no caso, a inobservância das formas legais causou nítido prejuízo à Defesa, não sendo possível o seu aproveitamento. Outrossim, observa-se que o julgamento dos embargos de declaração não se limitou a mencionar os fundamentos empregados na decisão monocrática embargada para concluir pela ausência de omissão do julgado, mas também declinou argumentação própria no sentido de demonstrar o acerto do decisum, como um todo. Assim, apesar de a defesa ter se restringido a alegar a ocorrência de omissão - sem impugnar todos os fundamentos da decisão monocrática -, o Órgão Colegiado, claramente, foi muito além do estreito âmbito de discussão dos aclaratórios, pois, em vez de se limitar à análise do suposto vício apontado, adentrou no mérito da controvérsia para revisar a matéria e referendar a conclusão adotada monocraticamente. Portanto, em que pese isso não tenha sido dito expressamente pelo Tribunal de origem, os embargos de declaração foram nitidamente julgados como agravo regimental, sem que fosse oportunizada à defesa a complementação das razões recursais. Houve, assim, flagrante cerceamento de defesa, na medida em que os aclaratórios foram julgados como agravo regimental, mas sem a observância do art. 1.024, § 3º, do Diploma Processual Civil, segundo o qual: "[o] órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º ". Nesse contexto, é manifesto o prejuízo causado pelo julgamento dos embargos declaratórios como agravo interno pelo Órgão Colegiado, que, de uma só vez, cerceou o direito de defesa, ao não oportunizar a complementação das razões recursais (art. 1.024, § 3º, do CPC), bem assim ao impedir o acesso às instâncias extraordinárias, na medida em que inviabilizou o necessário exaurimento da jurisdição ordinária (Súmula 281/STF). Isso porque, o julgamento colegiado dos embargos de declaração, opostos contra a decisão monocrática que julgara improcedente a revisão criminal, inviabilizou a interposição de agravo regimental na origem, uma vez que esse recurso não é cabível contra acórdãos, mas tão somente contra decisões unipessoais. Por fim, explica-se, a esse respeito, que o julgamento colegiado de embargos de declaração opostos contra decisão monocrática não tem sido aceito pela jurisprudência desta Corte Superior para efeito de esgotamento das vias ordinárias, no juízo de admissibilidade do recurso especial.