Registro do loteamento e transferência definitiva dos espaços livres ao Poder Público
A controvérsia consiste em saber qual a interpretação que deve ser conferida à norma do art. 3º do Decreto-Lei n. 58/1937, redigida com o seguinte texto: "A inscrição torna inalienáveis, por qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e da planta." De um lado, os particulares aduzem que a expressão "inalienável" não implica dizer que a área referida no comando normativo teria integrado o domínio público, ou seja, não transfere o bem para a municipalidade. De outra banda, a Fazenda Pública defende que inalienabilidade mencionada no dispositivo legal transfere automaticamente para o Poder Público a área. A melhor interpretação do art. 3º do Decreto-Lei n. 58/1937 e dos arts. 65, 66 e 69 do CC/1916 conduz ao entendimento de que o registro do loteamento implica perda da posse e do domínio do espaço livre, com transferência irreversível para o Poder Público (REsp n. 1.230.323/GO, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/2/2016, DJe 18/12/2018.) A jurisprudência do STF, à época, era no sentido de que a transferência das áreas reservadas ao domínio público operava-se pleno juris (RE n. 89.252, Rel. Ministro Thompson Flores).
Indenização mínima por dano moral no CPP exige pedido expresso e dispensa instrução probatória
Sob análise mais acurada a respeito da alteração promovida pela Lei n. 11.719/2008 ao art. 387, IV, do Código de Processo Penal e dos julgados do STJ, necessária a revisão do posicionamento até então adotado pela Quinta Turma desta Corte. A nova redação do art. 387, IV, do Código de Processo Penal tornou possível, desde a sentença condenatória, a fixação de um valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, afastando, assim, a necessidade da liquidação do título. O objetivo da norma foi o de dar maior efetividade aos direitos civis da vítima no processo penal e, desde logo, satisfazer certo grau de reparação ou compensação do dano, além de responder à tendência mundial de redução do número de processos. A previsão legal é a de fixação de um valor mínimo, não exauriente, sendo possível a liquidação complementar de sentença para apurar o efetivo dano sofrido, nos termos do art. 509, II, do CPC. Observe-se, nesse sentido, o art. 63, parágrafo único, do Código de Processo Penal: "transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido". A mens legis, taxativamente, não é a estipulação do valor integral da recomposição patrimonial, mas, isto sim, a restauração parcial do status quo por indenização mínima, na medida do prejuízo evidenciado na instrução da ação penal, sendo desnecessário o aprofundamento específico da instrução probatória acerca dos danos, característico do processo civil. No caso, a existência do dano moral ipso facto é satisfatoriamente debatida ao longo do processo, já que o réu se defende dos fatos imputados na denúncia, porventura ensejadores de manifesta indenização, justamente para que não acarrete postergação do processo criminal. No crime de roubo majorado pelo concurso de pessoas e uso de arma branca, o ofendido teve a faca posta em seu pescoço, tendo sido constatado pelas instâncias ordinárias o trauma psicológico sofrido, já que passou a ter dificuldades para dormir e medo de ser perseguido na rua pelos acusados. Assim, é possível a fixação de um mínimo indenizatório a título de dano moral, sem a necessidade de instrução probatória específica para fins de sua constatação (existência do dano e sua dimensão). Decorre de abalo emocional inequívoco, facilmente verificado pelas provas dos autos, com pedido expresso na inicial acusatória. Dessa forma, passa-se a adotar o posicionamento da Sexta Turma desta Corte, que não exige instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de sofrimento da vítima, nos termos do art. 387, IV, do CPP, bastando que conste o pedido expresso na inicial acusatória, garantia bastante ao exercício do contraditório e da ampla defesa.
Substituição de fiança bancária por seguro garantia sem acréscimo de 30% em execução fiscal
O art. 656, § 2º, do CPC/1973 disciplina a questão relativa à necessidade de acréscimo financeiro (30%) ao valor do débito executado quando for requerida a substituição da penhora em dinheiro por carta de fiança ou seguro garantia judicial. Com efeito, mediante o simples confronto analítico entre o mencionado dispositivo legal e a situação fática dos autos, atestada pelo Tribunal de origem, percebe-se que o comando normativo, contido no art. 656, § 2º, do CPC/1973, não é suficiente para alterar o entendimento firmado pelo Juízo a quo, tendo em vista que disciplina a substituição da penhora em dinheiro por carta de fiança ou seguro garantia, questão jurídica diversa da tratada no presente recurso especial, referente à possibilidade de substituição da carta de fiança bancária originalmente apresentada por seguro garantia judicial. Ademais, a própria Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/1980) em seu art. 9º, II, equiparou o oferecimento da fiança bancária à apresentação inicial de seguro garantia e, no § 3º do mesmo dispositivo, prescreveu que a garantia do feito executivo pode ser uniformemente alcançada por meio do depósito em dinheiro, da fiança bancária, do seguro garantia e da penhora. Por fim, a Portaria n. 440/2016, editada pela Advocacia-Geral da União para regulamentar as condições de aceitação da fiança bancária e de seguro garantia pela Procuradoria-Geral Federal, em seu art. 2º, § 3º, expressamente prescreveu que é indevida a exigência de acréscimo percentual ao valor do débito para o oferecimento de ambas as garantias, ao passo em que o art. 3º, § 1º, da mencionada norma infralegal possibilitou a substituição recíproca entre o seguro garantia e a carta de fiança bancária.
Ausência de responsabilidade do banco por transações com cartão e senha sem indícios de fraude
As Turmas de Direito Privado do STJ têm decidido que cabe ao correntista, em caso de eventuais saques irregulares na conta, feitos com o cartão e a senha cadastrada pelo consumidor, a prova de que o banco agiu com negligência, imperícia ou imprudência na entrega do dinheiro. Para o STJ, basta à instituição financeira comprovar que o saque foi feito com o cartão do cliente e a respectiva senha, não tendo que demonstrar que foi ele pessoalmente que efetuou a retirada. Ressalta-se que, ainda que comprovado que não foi o autor, nem outra pessoa por ele autorizada, que realizou os saques, ainda assim, ressalvada a excepcionalidade de saques atípicos, não poderia a instituição financeira ser responsabilizada. Ao se tornar cliente de qualquer banco, o correntista assume inteira responsabilidade por sua senha e pelo cartão magnético. Portanto, cabe ao autor, como correntista, o devido zelo por seu cartão e senha bancária de modo a impedir que terceiros tenham, de alguma forma, acesso a este. No caso não houve retiradas frequentes e repetitivas da conta do autor em diferentes caixas eletrônicos, com valores significativos em relação ao saldo, o que poderia indicar um possível golpe ou clonagem do cartão, situação em que a instituição financeira teria a obrigação de tomar medidas para evitar a continuação da fraude. Se não o fizesse, isso implicaria uma falha no serviço. Desse modo, na situação analisada, não é possível responsabilizar o banco por saques realizados ao longo de quatro meses na mesma agência bancária, usando o cartão físico com chip do autor e sua senha pessoal.
Nulidade de provas unilaterais posteriores não invalida pronúncia não fundada nelas
A controvérsia cinge-se à possibilidade de se utilizar elementos de prova produzidos unilateralmente pelo Ministério Público e pela autoridade policial, quando já estava em curso a instrução criminal e juntados após a sentença de pronúncia. O STJ entende que "[...] é inconcebível admitir como prova técnica oficial um laudo que emanou exclusivamente de órgão que atua como parte acusadora no processo criminal, sem qualquer tipo de controle judicial ou de participação da defesa [...] (HC 154.093/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 9/11/2010, DJe 15/4/2011). No caso, o Tribunal de origem constatou a nulidade dos laudos periciais produzidos unilateralmente pelo Ministério Público e pela autoridade policial, quando já estava em curso a instrução criminal. Houve conhecimento do Juízo quando já havia sido proferida a sentença de pronúncia, pois juntados aos autos somente na fase em que a defesa iria apresentar as razões ao seu recurso em sentido estrito dirigido contra a pronúncia. O controle judicial não foi realizado na produção das referidas perícias, tampouco seguiram o regramento previsto no CPP. Assim, manifestou-se a ilegalidade na própria produção da prova, sendo anuladas e desentranhadas dos autos. Todavia, os referidos laudos periciais não foram utilizados pelo magistrado para fundamentar a pronúncia, mesmo porque foram juntados aos autos em momento a ela posterior. O fato de a pronúncia ter mencionado imagens que já constavam dos autos não configura nulidade ou cerceamento de defesa, uma vez que as conclusões contidas nesses laudos não lastrearam a sentença que finalizou a primeira fase do procedimento do júri. Assim, inexiste nulidade a ser reconhecida na pronúncia, que não se fundamentou na prova produzida unilateralmente e não foi submetida ao contraditório.